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9 DE NOVEMBRO DE 2021

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Regimento.

A iniciativa assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 119.º do

Regimento. Encontra-se redigida sob a forma de artigos, é precedida de uma breve exposição de motivos e

tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, embora possa ser objeto de

aperfeiçoamento em caso de aprovação, cumprindo assim os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo

124.º do Regimento.

A iniciativa em questão suscita, porém, algumas dúvidas sobre o cumprimento do disposto na alínea a) do

n.º 1 do artigo 120.º do Regimento, que estabelece que «não são admitidos projetos e propostas de lei ou

propostas de alteração que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados».

Destacam-se os artigos 3.º a 6.º da iniciativa que determinam alterações às regras de organização dos

horários dos professores, educadores e técnicos especializados nos estabelecimentos públicos de educação e

ensino, e que poderão suscitar dúvidas relativamente ao respeito pelo princípio da separação de poderes,

subjacente ao princípio do Estado de direito democrático e previsto nos artigos 2.º e 111.º da Constituição.

Com efeito, as alíneas d) e e) do artigo 199.º da Constituição atribuem ao Governo a competência para

«dirigir os serviços e a atividade da administração direta do Estado» e para «praticar todos os atos exigidos

pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado e de outras pessoas coletivas públicas», pelo que

as normas acima elencadas poderão ser suscetíveis de interferir com a autonomia do Governo no exercício da

sua competência administrativa.

O Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que estabelece o novo regime de recrutamento e mobilidade

do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos especializados, refere, no n.º

1 do artigo 27.º, que «as necessidades temporárias, estruturadas em horários completos ou incompletos, são

recolhidas pela Direção-Geral da Administração Escolar mediante proposta do órgão de direção do

agrupamento de escolas ou da escola não agrupada», e ainda o n.º 3 do mesmo artigo, segundo o qual, «o

preenchimento dos horários é realizado através de uma colocação nacional, efetuada pela Direção-Geral da

Administração Escolar pelos docentes referidos nas alíneas do artigo anterior, seguindo a ordem nele

indicada».

As normas do projeto de lei parecem não colidir diretamente com estas, mas pode ser percetível uma ideia,

subjacente à legislação em vigor, de que as regras sobre a organização dos horários dos professores são

matéria de organização administrativa inerente às normas constitucionais acima referidas.

Importa também destacar o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 214/20117,8, acerca de matéria conexa.

Segundo o mesmo, a Assembleia da República não pode ordenar ao Governo «a prática de determinados atos

políticos ou a adoção de determinadas orientações (…)». Acrescenta ainda que, «não pode fazê-lo sem

previamente alterar os parâmetros legais dessa atividade, no domínio das competências administrativas que a

Constituição lhe comete como o de dirigir os serviços e a atividade da administração direta do Estado, em que

as escolas públicas e o seu pessoal docente se integram».

Refere também que, «além da referida possibilidade de a Assembleia da República introduzir, a todo o

tempo, as modificações de regime que correspondam às opções políticas que faça neste domínio, o

instrumento constitucionalmente previsto para a Assembleia da República exercer os seus poderes de

fiscalização, controlo e assegurar o primado da sua competência legislativa (…) é o instituto de apreciação

parlamentar de atos legislativos para cessação de vigência ou alteração, previsto no artigo 169.º da

Constituição (…)».

A este propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira escrevem que «toda e qualquer imposição parlamentar

só poderá valer, em princípio, como recomendação ao Governo, cuja inobservância só pode ser sancionada

em sede de responsabilidade política. As relações do Governo (…) com a Assembleia da República são

relações de autonomia e de prestação de contas e responsabilidade; não são relações de subordinação

hierárquica ou de superintendência»9.

No entanto, salientamos também a teoria do núcleo essencial de Gomes Canotilho, que permite exceções

7 ACORDÃO do TC n.º 214/2011. Proc. 283/11. Site oficial do Tribunal Constitucional [Em linha]. [Consult. 20 out. 2021]. Disponível em WWW: . 8 O Acórdão decidiu pela inconstitucionalidade da norma constante do Decreto n.º 84/XI da Assembleia da República, que impunha ao Governo a obrigação de «iniciar o processo de negociação sindical tendente à aprovação do enquadramento legal e regulamentar que concretize um novo modelo de avaliação do desempenho de docentes, produzindo efeitos a partir do início do próximo ano letivo». 9 CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. 415 p. ISBN: 9789723222876.