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II SÉRIE-A — NÚMERO 205

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regime noturno não foi reforçada.

Investigações de âmbito académico têm demonstrado que o horário de trabalho por turnos, especialmente

quando envolve a realização de trabalho noturno e/ou períodos muito valorizados familiar e socialmente, pode

representar para o/a trabalhador/a dificuldades acrescidas do ponto de vista biológico, psicológico e/ou familiar

e social. Boa parte das dificuldades experienciadas resulta, por um lado, da necessidade de inversão do ciclo

sono-vigília (i.e., ter de dormir de dia e de trabalhar à noite) e, por outro, do desfasamento entre a estruturação

do tempo social e certos horários de trabalho, donde se salientam os períodos ao final do dia e aos fins de

semana. Embora os diferentes efeitos tendam a interrelacionar-se, podem ser agrupados em três grandes

dimensões: saúde (perturbações na saúde física e psicológica, incluindo perturbações nos ritmos circadianos);

efeitos sociais (interferência na vida familiar e social) e ocupacionais (em especial, as perturbações circadianas

do desempenho e a sua relação com a segurança ocupacional).

Diversos estudos científicos sobre a realidade do trabalho por turnos e o trabalho noturno têm dado um

contributo inestimável para um mais profundo conhecimento deste fenómeno e das suas consequências

humanas (designadamente, perturbações do sono, gastrointestinais, cardiovasculares, do humor, fadiga

crónica, problemas metabólicos, sociais e familiares, acidentes de trabalho por vezes mortais e catastróficos,

absentismo, diminuição da capacidade laboral e envelhecimento precoce). Por isso mesmo, esses estudos têm

vindo a interpelar os poderes públicos sobre a necessidade de uma maior regulação desta modalidade de

organização do trabalho. Apesar de as empresas garantirem que cumprem a lei, verifica-se, por exemplo, que

aspetos básicos da regulação do trabalho por turnos, como o intervalo de pelo menos 11 horas nas mudanças

entre os turnos, como recomendado na Diretiva 93/104/CE, não são, de facto, respeitados.

No dia 1 de maio de 2023, entrará em vigor a «Agenda do Trabalho Digno» que, apesar ter sido apresentada

pelo Governo como uma importante reforma laboral, manteve inalteradas matérias essenciais, como é o caso

do trabalho por turnos e noturno. O Partido Socialista uniu-se à direita para rejeitar propostas apresentadas pela

esquerda que incidiam exatamente sobre estas matérias. O Partido Socialista optou por manter o quadro de

desequilíbrio nas relações de trabalho que vem do Código do Trabalho de 2003, da versão do Código de 2009

e das alterações feitas na sequência da intervenção da troika em 2012 e 2013.

A negociação e a contratação coletiva são um espaço privilegiado para regular estas matérias. Mais uma

vez, as sucessivas revisões do Código do Trabalho em matéria de negociação e contratação coletiva tiveram

como efeito desequilibrar, a favor do patronato, a legislação laboral, diminuir a capacidade de negociação dos

sindicatos, reduzir a abrangência das convenções e individualizar as relações laborais. No campo da

organização do trabalho por turnos, noturno e em folgas rotativas, este processo de individualização e

precarização tem feito da entidade empregadora o único determinante na relação laboral, proliferando situações

de desfavorecimento do trabalhador. Por isso mesmo, sem prejuízo da regulação de aspetos específicos que

deve ser feita em cada setor e atendendo às suas particularidades por instrumentos de regulação coletiva de

trabalho, a lei geral tem o dever de definir patamares mínimos para todos os trabalhadores.

O Bloco de Esquerda tem sistematicamente apresentado iniciativas legislativas sobre o tema e foi criado na

anterior legislatura um grupo de trabalho junto da Comissão de Trabalho e Segurança Social, para apreciar

essas iniciativas. Foram realizadas, nesse âmbito, dezenas de audições a diversas entidades, das quais

resultaram o reconhecimento geral da necessidade de melhorar o enquadramento normativo desta forma de

organização do trabalho. Contudo, contrariamente aos sinais dados publicamente pelo PS, às necessidades

reconhecidas em várias das audições, nem a chamada agenda do trabalho digno, nem as propostas de alteração

apresentadas posteriormente pelo Partido Socialista incluíram estas matérias e as propostas da Esquerda foram

reprovadas.

O contexto mundial, e particularmente o europeu, alterou-se substancialmente com a invasão da Ucrânia

pela Rússia e com consequências imediatas que são já preocupantes: os preços aumentam (entre 23 de

fevereiro de 2022, véspera do início da guerra na Ucrânia, e 12 de abril de 2023, o preço do cabaz alimentar

aumentou 42,79 euros (mais 23,30 %), mas os salários não, ou muito menos. Desde o início da invasão da

Ucrânia, o custo de vida aumentou três vezes mais do que os salários. Quem trabalha está, de novo, a

empobrecer. É urgente conferir dignidade ao trabalho desenvolvido pelos trabalhadores por turnos e em regime

noturno, combatendo a sua utilização indevida e conferindo proteção acrescida em virtude do reconhecimento

da penosidade do trabalho desenvolvido.

O presente projeto de lei visa dotar a lei de instrumentos que, assegurando os serviços e produções normais