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II SÉRIE-B — NÚMERO 12

INQUÉRITO PARLAMENTAR N.9 19/VI

A ACTOS ADMINISTRATIVOS NA ÁREA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

1 — Recentes acontecimentos de todos conhecidos trouxeram outra vez o processo chamado do Ministério da Saúde ao centro das atenções.

A opinião pública interroga-se legitimamente como é possível que nesse processo se continue sem imputar responsabilidades políticas, disciplinares e administrativas.

O inquérito parlamentar realizado na legislatura passada terminou de forma abrupta, através de uma imposição da maioria PSD, que aprovou sozinha o relatório que sob sua responsabilidade um deputado da mesma maioria PSD elaborou. O relatório não só salvaguarda os máximos responsáveis políticos (incluindo o Primeiro-Ministro) como deixava sem qualquer sequência a chamada à responsabilidade de todos os agentes políticos e administrativos envolvidos. Por outro lado, muitos factos ficaram por averiguar, e outros não foram devidamente analisados, designadamente quanto às ilegalidades e irregularidades detectadas.

A opinião pública não pode deixar de ficar profundamente chocada, quando confronta o conhecimento que hoje tem da gravidade dos factos com as conclusões de um inquérito parlamentar que nada fez para chamar à pedra os responsáveis políticos e administrativos por esses factos.

Torna-se hoje particularmente clara a razão dos partidos da oposição, que denunciaram essas conclusões e as criticaram sem contemplações.

O PCP considera que nenhuma desculpa pode hoje ser invocada para adiar por mais tempo a responsabilização política e administrativa dos autores de actos irregulares e ilegais praticados, bem como a responsabilização daqueles que os inspiraram, instigaram e lhes deram cobertura.

Mais considera o PCP que o meio idóneo para alcançar esse objectivo é a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, tendo como objecto a reabertura, reavaliação, aprofundamento e completamento do inquérito parlamentar realizado na legislatura passada.

É o que o PCP propõe.

2 — Alguns dos factos que constituem o objecto do inquérito parlamentar que o PCP propõe são também objecto de uma sentença condenatória proferida pelo Tribunal Criminal de Lisboa, sentença que foi objecto de recursos apresentados pelos réus Costa Freire e José Manuel Beleza.

Tal facto, como se demonstra a seguir, não impede por um lado a apresentação e a votação do inquérito parlamentar proposto; nem por outro lado a sua realização na parte que não coincide com a matéria em recurso.

Em primeiro lugar, é o que resulta da Lei das Comissões de inquérito. O que a lei determina é que as comissões de inquérito cuja matéria seja objecto de procedimento criminal sobre o qual tenha recaído despacho de pronúncia devem suspender a sua actividade até ao trânsito em julgado da sentença. Para o efeito, o Presidente da Assembleia deve remeter ao Procurador-Geral da República a resolução de inquérito, solicitando a informação relevante para esse efeito. Isto é, o pressuposto da norma é que haja já resolução. Nem podia ser de outra forma, dado que, antes de haver a resolução, não se pode saber se a Assembleia quer ou não realizar um inquérito parlamentar com aquele objecto, ou se entende alterar a proposta, dando-lhe âmbito diferente. Assim, a proposta do PCP deve seguir os trâmites normais, incluindo a votação, e, sendo esta favorável, até à consulta à PGR.

Em segundo lugar, os critérios de decisão sobre o pedido de inquérito parlamentar apresentado pelo PCP hão--de ser os critérios de natureza política que constituem o fundamento e objecto dos inquéritos parlamentares. Isto é, os inquéritos parlamentares não se destinam a realizar investigação criminal, mas antes a averiguar da conformidade dos actos do Governo e da Administração com a lei e o interesse público, e decorrências desses actos no campo da responsabilidade política e administrativa (cf., a este propósito, Carlos Lopes do Rego, in Revista ao Ministério Público, Outubro/Dezembro de 1993, em especial o ponto 3, c). Assim, o fundamento do pedido de inquérito apresentado pelo PCP é de natureza político-administrativa: o PCP entende que a Assembleia deve desde já decidir realizar este inquérito (mesmo que ele venha a ter de ficar parcialmente suspenso), dando à opinião pública um sinal claro da vontade política de apurar as responsabilidades políticas e administrativas.

Quem discordar desta posição não pode invocar a pendência do processo crime. Essa pendência não pode impedir a votação do inquérito.

Em terceiro lugar, é opinião do PCP que a lei não impede que, mesmo havendo processo crime, o inquérito parlamentar possa prosseguir em relação aos factos e situações que não constituem matéria em apreciação nesse processo crime. Não se vislumbra razão para que seja outra, de sentido restritivo, a interpretação da lei. Pelo contrário: vários constitucionalistas têm até reservas quanto à constitucionalidade da solução da Lei das Comissões de Inquérito, na parte em que existe mesmo coincidência. Estender essa solução de suspensão do inquérito à matéria não coincidente inviabilizaria muitos inquéritos. Casos haveria mesmo em que se demonstraria que «o crime compensa», já que com um pequeno crime seria possível paralisar um grande processo!

Ora, deve recordar-se que o chamado caso Ministério da Saúde abrange centenas e centenas de procedimentos relativos a dezenas de processos, referentes a múltiplas e diversas obras. Os factos que são objectivo da sentença em recurso referem-se tão-só a uma pequena (embora não despicienda) parcela da totalidade dos processos, situações e procedimentos envolvidos.

Por outro lado, centenas de factos irregulares têm diferente relevância no plano jurídico. A grande maioria configuram irregularidades e ilegalidades de natureza administrativa e disciplinar, violadoras do interesse público e, por isso, passíveis de responsabilização política, disciplinar e administrativa, embora sem configurarem crimes propriamente ditos. Ora, sobre todas estas situações, o Tribunal Criminal não as aprecia nem as pode apreciar.

3 — O PCP não pode deixar de manifestar a sua veemente indignação com a insinuação de que a apresentação deste pedido de inquérito parlamentar constitui uma forma de pressão sobre os magistrados que julgam o recurso.

A insinuação é ofensiva da consideração devida a esses magistrados.

Para além disso, importa salientar novamente a diferença de objecto entre os inquéritos parlamentares e os processos crime. O destino do processo crime não determina o resultado do inquérito.

De facto, as situações a que o Tribunal Criminal deu relevância penal configuram, além de crimes, irregularidades de natureza política e administrativa. A qualificação como crime na escala sancionatória corresponde a um especial nível de gravidade, com decorrências tão graves