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II SÉRIE-B — NÚMERO 34
vir os responsáveis pelo inquérito à PJ e ao IML. Contudo,
dados os factos anteriormente adiantados (separação de inquéritos, falta de independência dos inquiridores face aos inquiridos, não audição dos responsáveis do inquérito parlamentar, contradições com os factos ocorridos), julgou-se esclarecida a natureza e o alcance dos mesmos inquéritos numa linha não dissonante, nalguns pontos mesmo coincidente, com o inquérito da DGAC.
Os despachos de não exercido de acção penal por parte do Ministério Público
O despacho do Ministério Público de 8 de Maio de 1990, subscrito pelo magistrado Boaventura Marques da Costa, reconhece que o Ministério Público veio a ordenar a remessa dos autos ao juiz de instrução criminal, em virtude de a I CEIAC considerar em aberto a hipótese de crime. Reconhece ainda que os autos das I, II e HJ Comissões Parlamentares de Inquérito foram apensados à instrução por se «entender que tal acarretava efeito probatório útil na apreciação dos factos objecto do processo» (cf. fls. 4 e 5 do despacho). Seguidamente, o mesmo magistrado vem desvalorizá-los ao afirmar que esses inquéritos «constituem, com todas as diligências investigatórias que neles se contêm, simples meios probatórios de carácter documental, visto que não foram conduzidos por autoridade judiciária» (ibidem).
Contudo, paradoxalmente, o despacho do Ministério Público segue de perto as conclusões dos relatórios da DGAC e da PJ, que continham manifestos erros e contradições entre si e que tinham sido elaborados em 1981, sem ter na devida conta os inquéritos parlamentares realizados a propósito e por causa desses relatórios.
Refira-se, a título de exemplo, o seguinte. O Ministério Público considera como deficiência da aeronave a inoperância do wing-locker direito quando já tem depoimentos da O CEIAC (1983-1985), na qual diversos pilotos ouvidos no Parlamento declararam que a utilização deste depósito era desnecessária porque o avião não efectuava voos de longo curso, não consistindo, portanto, tal facto qualquer anomalia do aparelho. O mesmo se diga para os vestígios de perda de óleo, onde o Ministério Público segue, uma vez mais, o relatório da DGAC. Só que os autos das LT e UJ CEIAC contêm diversos depoimentos, inclusivamente de pilotos e do próprio dono do avião, onde se afirma que os motores estavam como novos e que o local onde o avião esteve estacionado não apresentava no dia seguinte qualquer vestígio de gasolina ou de óleo.
Apesar disso, tem o Ministério Público de reconhecer que «das deficiências que ficaram suficientemente demonstradas, nenhuma delas, por si, era de molde a originar qualquer falha mecânica ou outra que pudesse conduzir ao despenhamento». Apoiando-se nas perícias da DGAC e do NTSB, considera que «não pode estabelecer-se do ponto de vista técnico nexo causal directo entre tais deficiências e a queda do avião, segundo opinião unânime dos peritos da DGAC e do NTSB» (idem, fl.Í6). Não obstante, afirma, seguidamente, que a existência de tais deficiências era de molde a aumentar o risco de um eventual acidente sem que invoque fundamentação pericial.
Quanto à capacidade e competência do piloto Jorge Albuquerque, o Ministério Público reconhece a existência de referências positivas de testemunhas, entre as quais o instrutor e colegas de profissão, que acompanharam de perto a sua actividade, mas, porque outras testemunhas referem que nunca viram o piloto fazer inspecção prévia ao
avião, conclui que a sua «aipacirJade profissional e experiên-
cia não. seriam, no mínimo, irrepreensíveis» (idem, fls. 18 e seguintes).
Quanto às condições de segurança do aparelho, nomeadamente a falta de segurança própria e uma possível ligação com a apreensão dos aviões dos irmãos Moreira, o
Ministério Público refere que «não nos interessará abordar, por se afigurarem de menor relevo, as condições de estacionamento do avião no parque Delta desde a madrugada de 4 de Dezembro de 1980 até à hora da realização do voo», para, depois, concluir que estava decidido o Primeiro-Ministro viajar naquele avião mas que existia um «quadro pouco favorável à preparação de um atentado que visasse o Primeiro-Ministro, dadas as circunstâncias em que foi decidida a utilização por ele do avião acidentado» (idem, fls. 27 e 28).
Quanto à fase de voo, o Ministério Público considera não lhe interessar «uma excessiva pormenorização quanto a aspectos eminentemente técnicos (v. g. o comprimento da descolagem, a velocidade, a altura, trajectórias precisas do avião, possíveis procedimentos da tripulação em voo e as exactas sequências e orientação dos impactes até à imobilização no solo)».
Quanto às testemunhas, considera tratar-se de um dos meios probatórios mais falíveis, por isso não tem em devida conta os depoimentos dos elementos da PSP que faziam parte da segurança do Primeiro-Ministro, nem de moradores do Bairro das Fontainhas, concluindo que o avião só se incendiou depois de se despenhar.
Subsequentemente, ao analisar a eventual presença de um engenho explosivo a bordo do avião, considera que a «indiciária comprovação, testemunhal e pericial, de que o avião não sofreu qualquer incêndio em voo enfraquece a possibilidade de ter deflagrado na aeronave um qualquer artefacto explosivo ou incendiário» (idem, fl. 92). Não exercendo, em consequência, a acção penal.
Após o encerramento da IV CEIAC com a consequente remessa das respectivas conclusões e dos 26 volumes de inquérito ao Ministério Público, que foram junto aos autos de instrução criminal, o procurador da República, que era o mesmo magistrado que não tinha exercido a acção penal de 1990, considera, por despacho lavrado nos autos em 11 de Outubro de 1991, não haver fundamento para que a instrução fosse reaberta e o processo prosseguisse com novas diligências (cf. fl. 1 do despacho).
Nesse sentido, e apesar das conclusões da IV CEIAC, declara que a ausência de gasolina nos depósitos da asa esquerda do avião ficou demonstrada sem invocação de qualquer diligência ou exame complementar.
Quanto à omissão de comunicações com a torre de controlo, considera que nenhum piloto lhe atribuiu significado, omitindo todos os depoimentos nas DI e IV CEIAC, especialmente do instrutor Mário Gouveia acerca da facilidade de emissão do may-day.
Quanto ao parecer e esclarecimentos complementares dos professores de Combustão e de Aerodinâmica do IST, Profs. Mário Nina e Vasco Brederode, opta por desvalorizá-lo por completo, dada a não coincidência total entre os vários depoimentos dos membros da equipa de Pedro Amaral quanto à largura do rasto, embora essas diversas versões nunca tenham posto em causa o relatório, e porque contraria as conclusões do NTSB sobre a extensão do rasto.
Considera-se surpreendente que não tenha sido elaborado por especialistas outro parecer que contraditasse o do IST.
Quanto aos fragmentos dos pés do piloto, não foram encontrados fragmentos metálicos de natureza diferente ao da liga da aeronave ou estilhaços com características típicas da ocorrência de explosão.