0004 | II Série B - Número 001 | 23 de Setembro de 2000
livres de o celebrarem ou não celebrarem; de estabelecerem o seu programa, preenchendo-lhe o conteúdo conforme aquilo que considerassem conveniente; de o combinarem com outros tipos ou variantes negociais, compondo modelos próprios. "O contrato de arrendamento, como modalidade de locação, era um contrato temporário com um prazo supletivo de seis meses ( artigo 1623.º); chegado o seu termo, presumia-se renovado o contrato, se o arrendatário se não tivesse despedido, ou o senhorio o não despedisse no tempo e pela forma costumados na terra" ( artigo 1624.º); a renda era livremente fixada pelas partes ( artigo 1603.º); o senhorio podia despedir o arrendatário antes do prazo, quando as rendas não fossem pagas ou fosse dado ao prédio uso diverso do devido (artigo 1607.º), e estava obrigado a obras, sob pena de perdas e danos ou de arrendatário se lhe substituir, mandando fazê-las por conta do senhorio (artigo 1611.º) - in preâmbulo do Decreto-Lei n.º 312-B / 90, de 15 de Outubro.
Sendo temporário por natureza, o contrato cessava, findo o prazo estabelecido. Não havia, por conseguinte, bloqueio da renda primitiva, que, por outro lado, era contratada livremente e sem subordinação a qualquer tabelamento legal.
Com as tensões acumuladas por uma urbanização em crescimento rápido e o desenrolar da I Grande Guerra, nos países envolvidos no conflito ou por ele afectados assistiu-se a uma nova conjuntura que veio pôr em causa a concepção puramente liberal do contrato de arrendamento urbano.
Surgem então as providências proteccionistas dos arrendatários, restritivas da liberdade contratual e que se generalizaram a todos os arrendamentos de prédios urbanos.
A primeira e mais importante das restrições foi a imposição da prorrogação automática dos contratos de arrendamento, findo o prazo convencionado pelas partes e o bloqueio da renda primitivamente fixada, a par da obrigatoriedade do conteúdo dos contratos incorporar um conjunto de normas injuntivas protectoras do locatário.
Esta legislação vinculística foi perdurando na Europa, até que eclodiu a II Guerra Mundial e novamente um cenário de população mobilizada para as frentes de batalha, devastação do parque imobiliário e inflação, o que veio dar novo alento ao carácter proteccionista desta legislação.
À medida que a Europa se foi recompondo das consequências da II Guerra Mundial a situação em matéria de arrendamento urbano caminhou numa aproximação ao princípio da liberdade contratual e ao esmaiecer do carácter fortemente vinculístico da legislação sobre arrendamento urbano.
Os traços que têm caracterizado a disciplina jurídica dos contratos de arrendamento em Portugal são análogos aos que definem o seu enquadramento legal em outros países mais próximos de nós, pela cultura e pela legislação, a saber:
a) Prorrogação forçada do contrato sempre que o arrendatário a pretenda, bloqueio e controlo estatal das rendas;
b) Decretação destas providências como soluções de conjuntura, com a afirmação repetida da sua natureza transitória;
c) Carácter de interesse público, timbrado por disposições legais injuntivas, que fazem excepção ao princípio da autonomia privada para assegurarem a justiça social que se pretende preservar.
A história do arrendamento urbano vinculístico em Portugal pode distribuir-se por três períodos distintos:
a) Um primeiro período, que vai até 1986, data em que se venceu a barreira do bloqueio absoluto das rendas habitacionais;
b) O segundo, que se estende daí até à entrada em vigor, em 1990, do regime de arrendamento urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B /90, de 15 de Outubro;
c) E o terceiro e último período, de 1990 até à actualidade, a propósito do qual faremos uma breve análise das traves-mestras que estruturam o regime jurídico vigente.
Em Portugal as providências vinculísticas já tinham começado a surgir muito antes da I Grande Guerra. Com o Decreto de 12 de Novembro de 1910 estabeleceu-se o carácter de ordem pública na legislação de arrendamento de prédios urbanos (artigo 39.º), criando-se, além disso, alguns bloqueios temporários de rendas (artigos 9.º e 34.º, a contrário). Em 1966, com o artigo 1095.º do Código Civil, estabeleceu-se a prorrogação forçada dos arrendamentos para habitação, para comércio ou indústria, e para o exercício de profissão liberal, assim se institucionalizando os arrendamentos vinculísticos. Por seu turno, as actualizações quinquenais que, em certos casos, vieram a ser permitidas com a Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, adoptaram o sistema das avaliações fiscais, sendo que os agentes fiscais, cumprindo as instruções da administração, cingiram-se aos critérios do poder, com base nos quais as "avaliações" consagram sempre rendas políticas, de aumentos simbólicos.
Em virtude deste sistema vinculístico, as rendas dos prédios urbanos vieram, naturalmente, a fixar-se, ao longo de tanto tempo, em padrões baixíssimos.
Com a revolução de 1974 assistiu-se ao regresso de numerosos colonos e, em breve, começou a proclamar-se a existência de um défice da balança habitacional, da ordem dos 800 000 fogos. A 20 de Setembro de 1985 foi aprovada a Lei n.º 46/85, depois completada com o Decreto-Lei n.º 13 786, de 23 de Janeiro, e com a Portaria n.º 227/86, de 20 de Maio. Esta legislação estabeleceu um sistema de bloqueio de rendas mitigado, com actualizações anuais de rendas em função dos índices de preços no consumidor. Esta legislação teve o mérito de ter posto termo ao bloqueio absoluto das rendas habitacionais que, no resto do País, com uma inflação galopante, se mantinha há 12 anos e, em Lisboa e Porto, por quase quatro décadas. Inovadora foi ainda a substituição das actualizações das rendas através do processo das avaliações fiscais pelo critério dos coeficientes aferido pelo índice de preços no consumidor, excluídos os de habitação.
A 15 de Outubro de 1990 foi publicado o Decreto-Lei n.º 321-B/90, que aprovou o chamado Regime do Arrendamento Urbano, alterado pelo Decreto-Lei n.º 278/93, de 10 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 275/95, de 30 de Setembro.
A mais importante inovação trazida por esta legislação foi a exclusão da prorrogação forçada para os novos contratos de arrendamento para habitação, desde que convencionados por um período mínimo de cinco anos (de três anos se o senhorio for uma sociedade de gestão e investimento imobiliário ou um fundo de investimento imobiliário - artigo 98.º. Em matéria de transmissão do contrato de arrendamento por morte do arrendatário, esta possibilidade deixou de se verificar se o transmissário dispuser, à data da morte do arrendatário, de casa para residência própria no local ou área considerada do prédio arrendado (artigo 86.º). Atribuiu-se ao senhorio o direito de preferência em caso de trespasse de estabelecimento comercial e no de cessão de posição de arrendatário para o exercício de profissão liberal; consagrou-se a extensão do direito de denúncia do arrendamento pelo senhorio ao caso de necessidade de habitação dos seus descendentes em 1.º grau; sujeitou-se os despejos de arrendamentos para habitação de duração limitada