0005 | II Série B - Número 001 | 23 de Setembro de 2000
ao processo de execução ordinária para entrega de coisa certa.
Depois desta breve incursão histórica ao regime jurídico do arrendamento urbano, cumpre proceder à apreciação das pretensões deduzidos pela requerente.
A) Pretende a peticionante que sejam revogadas as normas do Regime de Arrendamento Urbano (RAU) - Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, designadamente as dos artigos 68.º a 73.º e substituídas por normas que permitam a denúncia pelo senhorio, com a antecedência suficiente que permita a normal mudança do inquilino, garantindo o direito ao alojamento dos inquilinos que objectivamente não possam comprar nem arrendar casa num determinado perímetro.
A disciplina jurídica fundamental sobre a denúncia do contrato de arrendamento urbano encontra-se inserta nos artigos 68.º a 73.º do RAU, mas prevê-a, além disso, também o artigo 100, n.º 2, e, ainda, com esse nome mas impropriamente nas hipóteses constantes dos artigos 89.º-A, n.º 1, 89.º-B, n.º 2, e 89.º-C, n.º 3.
A denúncia do contrato de arrendamento, na acepção perfilhada pelo RAU, consiste na manifestação de vontade de um dos contraentes perante o outro, comunicado com determinada antecedência, segundo os casos, de que o contrato cessará na data da expiração do termo respectivo, ficando deste modo excluída a prorrogação legal.
A diversidade de regime a que obedece a denúncia do contrato de arrendamento consoante a parte que a requer - vide n.os 1 e 2 do artigo 68.º -, livre para o arrendatário e só possível para o senhorio nos casos previstos na lei e segundo a forma nela estabelecida, "tem já uma tradição relativamente longa e bastante forte" - Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Volume II, 4.ª Edição.
Sabe-se que a partir da legislação vinculística surgida aquando da I Guerra Mundial, se restringiu significativamente a possibilidade de despejo dos prédios arrendados para habitação por parte do senhorio. "Foi uma solução (...) que surgiu com carácter declaradamente transitório em quase todos os Estados europeus que sofreram a crise grave de habitação subsequente à guerra mundial, mas que a breve trecho se consolidou e passou a ser considerada normal"- Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Volume II, 4.ª Edição.
"Um dos vectores fundamentais em que se traduz a tutela da posição do arrendatário na legislação portuguesa em vigor há mais de 70 anos reside precisamente no estabelecimento de limites ao exercício da liberdade de o senhorio pôr termo ao contrato de arrendamento. As regras de que resulta a limitação da autonomia privada do senhorio no domínio da cessação do contrato de arrendamento são seguramente as mais importantes regras de tutela da posição do arrendatário" - acórdão do Tribunal Constitucional.
Entre nós, as normas restritivas do poder de denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio remontam à Lei n.º 1662, de 4 de Setembro de 1924 e, desde então, que tal regime restritivo passou a vigorar na legislação nacional, tendo sido consagrado a título definitivo pelo artigo 1095.º do Código Civil.
Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 278/93, de 10 de Agosto, e do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, na sequência do RAU, foram introduzidas alterações ao contrato de arrendamento urbano que aproximam tendencialmente o seu regime jurídico da liberdade contratual.
Da análise da legislação que tem vindo a ser produzida em matéria de arrendamento urbano constata-se que o legislador tem vindo a abandonar gradualmente o princípio vigorante há várias décadas, de que a prorrogação ou renovação obrigatória do prazo contratual a favor do arrendatário seja imperativa, tendo passando a ser possível com o RAU ajustar prazos de duração efectiva ou limitada para os contratos de arrendamento urbano que não serão imperativamente renováveis, podendo ser denunciados pelo senhorio.
O RAU admitiu, para os arrendamentos urbanos habitacionais celebrados posteriormente à sua entrada em vigor, a possibilidade de se estabelecer um prazo de duração efectiva não inferior a cinco anos.
Em 1995, com a alteração introduzido pelo Decreto-Lei n.º 275/95, alargou a todos os restantes tipos de arrendamento urbano, com ligeiras particularidades, a estipulação de duração efectiva.
Neste tipo de contratos - de duração limitada - o senhorio poderá, como o arrendatário, denunciar livremente o contrato.
A questão da diferença de regime para operar a denúncia conforme a iniciativa parta do inquilino ou do senhorio, coloca-se apenas nos contratos de arrendamento urbano sem duração limitada.
Antes da entrada em vigor do RAU o senhorio podia denunciar o contrato de arrendamento urbano sem duração limitada desde que necessitasse de habitação própria ou no propósito de ampliação do número de locais arrendáveis.
Com o RAU acrescentou-se a possibilidade de o senhorio poder ainda denunciar o contrato de arrendamento com fundamento na necessidade de habitação para os seus descendentes em 1.º grau.
Tratou-se de uma inovação aplaudível por largos sectores de opinião que consideravam que "entre o interesse do inquilino em manter a utilização do locado e do senhorio em conseguir habitação para os seus filhos, é de justiça que a lei dê maior protecção a este último quando o senhorio seja proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio".
Pelo acórdão n.º 55/99, publicado no Diário da República de 19 de Fevereiro, I Série A, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Regime do Arrendamento Urbano, na parte em que refere os descendentes em 1.º grau do senhorio. Desde então, o senhorio deixou de poder arguir a necessidade de habitação para os seus descendentes em 1.º grau como fundamento para a denúncia o contrato de arrendamento.
Entendeu aquele tribunal que a norma da alínea a) do artigo 69.º do RAU, no segmento em análise, foi editada sem autorização parlamentar e, por isso, em violação ao disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 168.º da CRP (versão de 1989).
Como ensina o Professor Pereira Coelho, o regime do arrendamento predial oferece importantes especialidades, quer em face dos princípios dos negócios jurídicos (artigo 217.º - 294.º do Código Civil) quer das regras gerais dos contratos (artigos 405.º e 456.º do Código Civil) e do direito comum sobre o cumprimento e não cumprimento das obrigações (artigos 762.º e 836.º do Código Civil), formando um capítulo do direito civil em que se insere, caracteristicamente, um corpo muito extenso de normas imperativas, do que resulta uma forte limitação do princípio da liberdade contratual em dois planos:
a) Na celebração e manutenção do contrato, pelos senhorio;
b) Na fixação pelas partes dos seus termos e condições.
Ensina aquele professor que domina em matéria de arrendamento urbano um outro princípio fundamental, que é o do melhor tratamento do arrendatário, semelhante ao favor laboratoris do direito laboral, por motivos fundamentalmente