0006 | II Série B - Número 001 | 23 de Setembro de 2000
análogos, sendo ainda suas características a larga intervenção da administração pública, a excepção ao direito comum que impõe a necessidade do decretamento pelo tribunal da resolução do contrato por parte do locador e a consecução do cumprimento de certas normas através de sanções penais.
A revogação de todas as disposições atinentes à denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio e a sua substituição por um regime subordinado aos princípios da autonomia da vontade, beneficiando este da possibilidade de livremente poder denunciar o contrato de arrendamento para o seu termo, é uma solução que vai ao arrepio da tradição legislativa em matéria de arrendamento e da natureza protectora dos direitos do inquilino que se reconhece às normas que disciplinam esse tipo de relação contratual, constituindo uma inovação que excederia "o quadro lógico da preservação/eliminação das regras socialmente úteis da posição vinculística do arrendatário".
Aplaudível, com vista à reposição de um maior equilíbrio entre o direito à habitação do arrendatário e a necessidade de habitação dos descendentes em 1.º grau do senhorio, é que o legislador reponha na disciplina jurídica sobre o arrendamento urbano a possibilidade de denúncia do contrato pelo senhorio ou proprietário, com fundamento na necessidade do prédio para habitação ou construção da sua residência ou dos seus descendentes em 1.º grau.
B) Pretende também a peticionante que sejam revogados as normas que instituem a transmissão do arrendamento por morte do inquilino, salvaguardando a efectiva habitação ao cônjuge e/ou dependentes, sendo o alojamento da responsabilidade de um instituto do Estado ou da segurança social.
Decorre do Regime Jurídico de Arrendamento Urbano para habitação (Decreto-Lei n.º 321-B/90) a regra geral da caducidade do contrato de arrendamento por morte do arrendatário ( artigo 83.º). Estatui-se naquela norma que "Seja qual for o regime matrimonial, a posição do arrendatário não se comunica ao cônjuge e caduca por morte, sem prejuízo do disposto nos dois artigos seguintes".
Analisando, porém, o artigo 85.º da RAU logo aí o legislador consigna cinco excepções à caducidade do contrato de arrendamento, enumerando-se no n.º 1 as pessoas para quem se transmite o arrendamento, segundo a ordem das alíneas, preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o parente ou afim mais próximo e mais idoso.
Assim, se em princípio a morte do arrendatário produz a caducidade do contrato, nos termos do artigo 85.º esta não se verificará se ele for casado, e não estiver separado judicialmente de pessoas e bens nem houver separação de facto. O cônjuge ocupará então a posição contratual do arrendatário falecido. Não havendo cônjuge, ou ocorrendo uma situação de separação judicial de pessoas e bens ou mera separação de facto, a posição contratual do arrendatário deferir-se-á aos parentes ou afins, na linha recta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes, e os de grau mais próximo aos de grau ulterior, desde que convivessem com o arrendatário há pelo menos um ano ou, quanto aos descendentes, que tivessem, à data da morte do arrendatário, menos de um ano de idade.
No regime actualmente em vigor o legislador deixou claro que a morte do arrendatário habitacional só num caso é susceptível de determinar um máximo de uma dupla transmissão: o da sucessão para o cônjuge e, depois, para os parentes ou afins na linha recta que estiverem nas condições - não se transmitindo o arrendamento a mais ninguém, à morte destes últimos.
Não havendo parentes, nas condições acabadas de referir, nem cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto, a posição do arrendatário falecido será ocupada por aquele que, no momento da sua morte:
a) Vivia com ele há mais de cinco anos;
b) Em condições análogas às dos cônjuges.
Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 278/93, de 10 de Agosto, o RAU passou a admitir uma forma de oposição do senhorio à transmissão do arrendamento urbano para descendentes com mais de 26 e menos de 65 anos, de ascendentes com menos de 65 anos e de afins na linha recta, nas mesmas condições, traduzido numa indemnização correspondente a 10 anos de renda. Para tutelar os beneficiários da transmissão permite-se que estes se possam opor a essa pretensão, oferecendo um novo montante para a renda. Caso esta não seja aceite, a indemnização aos inquilinos terá esse valor na sua base.
Constata-se que num domínio tão sensível do ponto de vista social como é do arrendamento urbano, em que os interesses do arrendatário colidem muitas vezes com os interesses do proprietário ou senhorio do imóvel, as soluções encontradas têm procurado o equilíbrio de posições, sem esquecer a necessidade de tutelar, em primeiro lugar, o direito do arrendatário à habitação.
A pretensão da peticionante afigura-se imprestável do ponto de vista da necessidade de acautelar a função social que às normas do arrendamento urbano cabe propiciar e geradoras de grande instabilidade. A sua pretensão encerra uma visão manifestamente liberal do contrato de arrendamento incompatível com uma noção de estado de direito social. O arrendamento urbano é uma área que carece de ser enquadrada pela função reguladora do Estado, tendo em vista o cumprimento do princípio constitucional segundo o qual todos os cidadãos têm direito a uma habitação condigna. Não pode permitir-se que seja apenas o mercado a impor as regras de funcionamento do arrendamento urbano. Numa área tão fundamental à existência humana, a liberdade contratual e a autonomia da vontade têm de ceder a princípios mais altos cuja efectividade se reclama - garantia do direito à habitação.
Ao reconhecer aos familiares do arrendatário a sucessão no direito ao arrendamento para habitação a lei quer evitar-lhes que, saindo de casa onde tinham a residência permanente, fiquem sem casa para onde ir morar, com todas as consequências, designadamente emocionais, resultantes de terem de abandonar a casa onde instalaram o seu lar e o centro das sua vida familiar bem como a intranquilidade que derivaria dum regime alheio a estes factos. Aliás, a própria peticionante considera justo que ao cônjuge e descendentes do arrendatário falecido seja reconhecido o direito à habitação, mas a ser assegurado pelo Estado, libertando-se os senhorios de qualquer vínculo contratual em caso de falecimento do primitivo arrendatário.
Tal solução, para além da visão que encerra sobre o direito à habitação, não seria idónea a acautelar os interesses em presença em relação ao arrendatário, que se veria constrangido a ter de ir viver para um local, mais ou menos remoto daquele onde tinha instalada a sua vida familiar, social, profissional e económica.
C) Pretende também a peticionante que seja diferido por um ano o prazo para desocupação e entrega das lojas comerciais, no caso de denúncia do senhorio dos respectivos contratos de arrendamento.
O artigo 114.º do RAU concede ao arrendatário comercial ou industrial uma espécie de moratória especial para a desocupação do prédio, nos casos de caducidade ou de denúncia do arrendamento. A moratória é de um ano ou de dois anos, conforme o arrendamento para comércio ou indústria tenha durado menos de 10 anos ou 10 ou mais anos. Se o arrendamento