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II SÉRIE-C — NÚMERO 37
II — Os bens e serviços outrora abrangidos pelo
sistema referido, juntamente com alguns dos que figuravam na antiga lista n, também anexa ao CIVA, passam a estar sujeitos à chamada «taxa reduzida», constituindo, no seu conjunto, a nova lista i;
III — A taxa reduzida passa a ser de 5 %;
[V — Todos os bens e serviços que não figurem nas actuais listas i (taxa reduzida) e n (taxa agravada) do Código em referência ficam agora sujeitos à aplicação da taxa normal (16 %), o que significa que duplicou a taxa que o cidadão terá de pagar para que o Estado cumpra aquilo que é um dos seus fins essenciais e, portanto, estrita obrigação dos seus órgãos: fazer justiça.
2 — Sucede que, no entender dos signatarios, semelhantes transformações do IVA vieram produzir uma restrição assinalável num dos direitos fundamentais tutelados pela Constituição (cl. itrtigo 20."), na medida em que fizeram regredir as condições práticas do acesso ao direito e aos tribunais, fazendo com que a realização da justiça seja ainda mais prejudicada com as barreiras económicas agora erguidas.
Um tal resultado, como V. Ex.* compreenderá, não ptxle ser encarado com tranquilidade pelos advogados portugueses.
Coin efeito, as alterações do IVA que acima sumariamente se descreveram significam, ein primeiro lugar, o de-.saparecúnento das isenções contidas nu verba 2.8 da antiga lista i: «prestações de serviços, efectuadas no exercício das profissões de jurisconsulto, advogado e solicitador, a reformados ou desempregados, identificados como uus, ás pessoas que beneficiem de assistência judiciária, a trabalhadores, no âmbito dos processos judiciais de natureza laboral, e a qualquer interessado, nos prtKessos sobre o estado das pessoas».
Semelhantes prestações de serviços ficam, hoje, sujeitas â laxa de 5 %.
Esuis isenções haviam sido introduzidas pelo Decreto--Lei n.° 290/88, de 24 de Agosto, e a sua ratio prendia-se ou com a necessidade de proteger o destinatário dos serviços em causa, quando esse destinatário se afigurava como especial e objectivamente desprovido de recursos económicos —é o caso dos reformados, dos desempregados e dos que, em geral, beneficiam da assistência judiciária —, ou com a necessidade de, para além de perservar o sigilo profissional, evitar que questões de ordem económica interferissem na decisão stibre o recurso ao.s meios forenses, em circunstâncias em que essa interferência se apresenta como especialmente chocante, à face dos princípios fundamentais da nossa ordem jurídica — estamos a pensar, agora nos processos judiciais de natureza laboral ou nos processos relativos ao estado das pessoas.
Talvez a Assembleia da República não se tenha apercebido completamente deste retrocesso enorme em matéria de acesso ã justiça.
Esta insuficiente percepção, aliás, justiticar-se-ia plenamente, tendo em atenção as declarações, absolutamente tranquilizadoras, que, a este respeito, foram prestadas pelo Sr. Ministro da Justiça na Comissão de Economia, Finanças e Plano a 19 de Fevereim findo [cf. Diário da Assembleia da República, 2." série-C, n." 15, de 21 de Fevereiro de 1992, pp. 27-(177) c segs.].
Não estão em causa aqui, repete-se, os profissionais que prestam os serviços supra-referidos; esses, como é sabido, sendo .apenas, tecnicamente, sujeitos passivos de IVA, repercutem este imposto nos seus clientes.
Quem está em causa são os destinatários desses serviços, os quais são sempre pessoas singulares, que não beneficiam, na economia do IVA, da restituição do imposto que lhes é debitado, e que são, quase sempre, com toda a probabilidade, pessoas de escassos recursos.
3 — O desaparecimento das isenções referidas é tanto mais chocante quanto é certo que a justiça é um direito fundamental garantido pela Constituição e que continuam a estar isentos (ou sujeitos â taxa 0), entre outros, os serviços prestados por médicos, odontologistas, parteiros, enfermeiros, fisioterapeutas, veterinários, tradutores, intérpretes, guias-intérpretes, protésicos dentários, actores, músicos e outros artistas — de teatro, cinema music-hall, circo, etc. —, desportistas, artistas tauromáquicos, empresas funerárias, as lições particulares do ensino escolar ou superior, a locação de discos, etc.
4 — Saliente-se, ademais, que as transformações estruturais do IVA coltKam numa situação especialmente delicada o patrocínio judiciário oficioso e as consultas gratuitas. Estes serviços, que antes se encontravam isentos, estão hoje sujeitos â aplicação de uma taxa de IVA de 5 %, que deve ser debitada à entidade pagadora, que é o Estado.
O procedimento a adoptar pelos prestadores de serviços, nestes casos, não se encontra devidamente definido ou harmonizado coin o novo regime do IVA. Sabe-se que os honorários correspondentes aos ditos serviços — na parte relativa ao apoio judiciário, apenas — constam de uma Uibela cujos valores terão sido actualizados em 25 %, nos termos de diploma já aprovado pelo Conselho de Ministros.
Ttxlavia, as afirmações recentemente feitas pelo Sr. Ministro da Justiça cm entrevista televisiva sugerem que existe da sua parte o convencimento erróneo de que o IVA, nesses casos, deve ser suportado pelo advogado.
A entender-se que os valores constantes da tabela mencionada já incluiriam o imposto, à taxa de 5 %, veriíicar-se-ia a circunstância inaceitável de se transformarem em contribuintes económicos os agentes que, na mecânica do IVA, são meros sujeitos passivos.
É que, a actualização da tabela em referência está longe de compensar a elevação do nível geral de preços ocorrida nos últimos uês anos. Aliás, a elevação a que agora se terá procedido havia já sido formalmente aceite pelo Sr. Ministro da Justiça em Fevereiro de 1991, quando não estava em causa a actual alegada harmonização fiscal comunitária, por ter constatado que os 25 % eram inferiores â inflação até então verificada.
E que se passa quanto â consulta jurídica?
5 — No, contexto actual, que é o nosso, em que a justiça, para'além de ser uma das mais caras da Europa tão fortemente tributada já (Código das Custas, imposto do selo, etc.), está longe de satisfazer padrões desejáveis de qualidade — e não vai aqui qualquer crítica, expressa ou implícita, aos Srs. Magistrados—, estes problemas têm, concerteza, importância suficiente para não parecer despropositado que se solicite â Assembleia da República — a quem compete legislar nestes domínios [cf. os artigos 106." e 16S.", iv" I, alínea i), da Constituição]— uma nova reflexão sobre o lema, em nome do respeito pelos direitos fundamentais consagrados no artigo 20.° da Constituição, para que possam ser restauradas isenções com tanto relevo social e com tanta importância num Estado de direito.