0203 | II Série C - Número 021 | 07 de Abril de 2001
III
Relativamente ao trabalho desenvolvido pelo Grupo Consultivo no terreno, importa salientar que foi preenchido intensamente com reuniões institucionais, designadamente com os diversos grupos parlamentares e, em particular, com algumas das comissões da Assembleia de BIH, com o objectivo de observar as carências e, com a subtileza indispensável caracterizar o funcionamento de um Parlamento democrático.
Antes, porém, o Grupo Consultivo teve oportunidade de ouvir o Sr. Sverre John Kwale, Director do Departamento de Democratização de OSCE, na BIH que abordou, genericamente, a necessidade de se procurar estabelecer formas de fortalecer quer os municípios quer o estreitamento e colaboração entre os partidos políticos ocidentais e os da BIH. Este aspecto parece-nos muito problemático, dada a ausência de valores comuns, ja que as diversas formações fundamentam os seus argumentos numa lógica étnica-religiosa.
Visão mais consistente ou mais nítida foi transmitida pela Sr.ª Vera Markos, conselheira política da OSCE, ao frisar a importância de se concentrarem esforços nas instituições (Presidência, Assembleia e Governo) já que só desse modo se poderá solidificar o Estado da Bósnia- Herzgovina.
Quanto à Sr.ª Mary Ann Rukavina, coordenadora de um programa de promoção da participação das mulheres na vida política, referiu que, apesar de ter sido adoptado um sistema de quotas (30% em lugares elegíveis), apenas três mulheres foram eleitas, visto ter sido alterada a imposição.
Após um breve encontro com o chefe da Missão da OSCE, embaixador Robert Barry, seguiram-se várias reuniões de trabalho com funcionários e deputados. Para se ter uma mais clara ideia do esquema orgânico da Assembleia Parlamentar importa salientar que existem três secretários-gerais, um de cada comunidade étnica.
Existem nove Comissões Parlamentares - cada uma é constituída por nove Deputados - Comissão Constitucional; Comissão para os Negócios Estrangeiros; Comissão para o Comércio e Alfândegas; Comissão de Finanças e Orçamento; Comissão para as Comunicaçoes; Comissão para os Assuntos Administrativos; Comissão, para a Paridade; e Comissão para os Direitos Humanos, Imigração Refugiados e Asilo. A esta última é atribuída elevada importância, como facilmente se compreenderá.
E deve dizer-se que no encontro com esses funcionários se ficou a saber da extrema debilidade do aparelho parlamentar: dispõe somente de 27 funcionários (técnicos, secretários, motoristas) quando estimam em 57 o número indispensável. Foi-nos manifestado o desejo de ver a Assembleia da República, no âmbito da opção feita sobre o Projecto de Apoio Parlamentar, facilitar a ida de técnicos de apoio às Comissões, no sentido de "dar formação" nesta fase absolutamente incipíente do Parlamento da BIH.
Também a Dr.ª Ana Coelho - Directora de um Departamento da OSCE na BIH considerou que, por enquanto, o trabalho das Comissões é praticamente nulo e que as sessões plenárias não têm na prática um tempo definido quer para as intervenções quer para a sua própria duração. Tal facto desrespeita inteiramente o regimento (elaborado por peritos europeus), o que se pôde constatar na sessão plenária a que assistimos e que teve como tema único da"agenda" a apresentação e debate sobre o papel do novo Governo, liderado pelo Sr. Bozidar Matic. O Conselho de Ministros tinha de ser votado.
Nesta perspectiva geral convirá ainda dizer que o Orçamento da Assembleia da BIH é muito escasso - de apena s 2.539.440 DM (260 mil contos).
Deve ser entendimento da Assembleia da República prestar esse auxílio no quadro amplo da cooperação adoptada. De igual modo, deverá ser considerada a possibilidade de a Assembleia da República oferecer uma peça de arte - uma tapeçaria? - que pudesse ficar patente no edifício que está a ser reconstruido e restaurado após os bombardeamentos. Teria, obviamente, um aspecto simbólico, mas não despiciendo.
Num outro encontro agora com o "colégio" - presidente e dois "vices" (um de cada comunidade étnica) e a que faltou o Sr. Máriogil Ljubic (RDZ) foi enfatizado pelo presidente, Sr. Lead Avdic (SPD, muçulmano) sobre as dificuldades decorrentes do comportamento filosófico/ideológico de alguns partidos, já que não querem ceder poder que detêm nas duas entidades, em favor do Parlamento Nacional. 0 problema central foi, aliás, resumido pelo Vice-Presidente Sr. Zeijko Mirjanic (SNSD, sérvio) ao afirmar que a população (3,5 milhões), ainda não vê aquela Assembleia como a Casa do Povo e da Democracia.
Não há confiança nas instituições, que só se poderá vir a adquirir com o tempo.
Estas dificuldades que têm várias variáveis, sumariamente expostas, explicam, de certo modo, o facto de na última sessão legislativa apenas duas propostas de lei terem sido aprovadas em plenário (1.ª leitura) e ficaram paralisadas nas comissões ... e também em consequência ao não funcionamento da Câmara dos Povos (Câmara alta), o que acontece pelo facto de os cantões croatas não designarem os seus cinco membros.
Nas outras reuniões que se seguiram o Grupo Consultivo ouviu opiniões quer do Presidente e de um dos "vices" (faltou o "vice" Croata ... ), respectivamente, os Srs. Sead Avic e Zehjko Mirjanic. Ambos exprimiram as dificuldades deste processo democrático, de certo modo imposto pelas organizações internacionais que estão no território e por aquelas que têm contribuído para a reconstrução da BIH e que ascende a 5 biliões de dólares USA. É justo não desonrar este problema - o da situação económica. De facto, embora à primeira vista, em Sarajevo exista a sensação de que não há carências, a realidade é que 60% da população vive em estado de pobreza. Por outro lado, os jovens querem partir (70% indicaram uma sondagem que o seu desejo é emigrar).
A vida parlamentar sofre destes problemas e, até, de um outro - o da dificuldade em fazer com que os deputados se desloquem a Sarajevo para participarem quer nas comissões quer nos plenários.
Em outros encontros, agora já com os grupos políticos, foi possível ouvir, designadamente por parte do Sr. Adem Bonic (SDA, muçulmano) velhas recriminações - expressões como "agressão" e "traidores" - foram vulgarmente usadas - embora afirmando-se defensor do Acordo de Dayton (alguns especialistas consideram que a circunstância de este acordo resistir há cinco anos é, por si só, um milagre político ... ), mas dizendo que a comunidade internacional não está a fazer o suficiente. O Sr. Osman Brka é um deputado experimentado e apontou como necessidade o levar à prática o Anexo VIi do Acordo de Dayton que refere a devolução das terras/propriedades ocupadas ou expropriadas durante o tempo de guerra.
Outra perspectiva foi dada pelos deputados que integram a Aliança para a Mudança (uma coligação de cinco partidos) que decidiu apoiar o novo Governo e cuja "leitura" da situação na BIH se fixa na urgência de uma mudança na situação económica que poderia arrastar a sociedade para uma reconciliação, o que é muito difícil.