0003 | II Série C - Número 037S | 05 de Abril de 2003
Por força do art.º 8 da Constituição fazem parte do direito português as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum, assim como vigoram na ordem jurídica interna tanto as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português, como as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte, desde que tal esteja estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.
Ora, Portugal é membro da União Europeia e a nível internacional tem subscrito tratados e convenções com manifesta incidência no ordenamento legal e no conceito doutrinal de segurança interna, designadamente o Tratado e Convenção de Schengen, os Tratados de Maastricht, de Amesterdão e de Nice, e a Convenção Europol. Como, a nível mais alargado, tem assinado ou aderido a tratados, acordos e convenções internacionais, designadamente na esfera da ONU, respeitantes ao tráfico de estupefacientes e ao combate a organizações terroristas.
Hoje, em consequência desses instrumentos a realidade conceptual e executória da segurança interna modificou-se de forma vincada. A segurança interna dos Estados-membros passou a ter uma vertente intercomunitária ou internacional pautada pela cooperação e solidariedade.
Diluíram-se as fronteiras na maior parte do espaço geográfico comunitário e distribuíram-se pelos Estados-membros as responsabilidades pela segurança de todos eles. Deste modo a segurança interna de Portugal começa a assegurar-se na linha exterior do espaço territorial, aéreo e marítimo da União Europeia, que o separa dos países terceiros, e completa-se no interior dos nossos limites geográficos. Neste quadro Portugal assume igualmente a integridade securitária dos demais Estados-membros quando funciona como fronteira exterior do espaço comunitário, cabendo-lhe o controlo da sua orla marítima e dos voos provindos de países terceiros.
A partir da assinatura e subsequente entrada em vigor do Tratado de Amsterdão, através de directivas, regulamentos, deliberações e decisões - quadro de natureza juridicamente vinculativa, quer no quadro de Pilar I quer nos quadros dos Pilares II e III respeitantes à construção de um espaço de liberdade, segurança e justiça no âmbito da União Europeia, é cada vez maior a influência do direito comunitário sobre os direitos nacionais dos Estados - membros no domínio da Justiça e dos Assuntos Internos.
Ora, durante 2002 Portugal e os demais Estados-membros da União Europeia continuaram empenhados na realização de um dos seus objectivos fundamentais, a criação de uma área de liberdade, segurança e justiça, assente no respeito dos direitos humanos e no funcionamento das instituições democráticas sob o primado da lei, no quadro de uma cooperação permanente e conjugada com a adopção das medidas de segurança necessárias e de impacto directo na vida das suas populações.
2.3. Segurança Interna/Segurança Externa
Esta perspectiva internacional, amplificadora e diversificadora da noção de segurança interna, não podia deixar de ter reflexos a nível nacional no que respeita à dicotomia tradicional entre segurança interna/segurança externa.
Com efeito, a tese tradicional da separação entre segurança interna e segurança exterior do Estado por respeitarem a realidades diferenciadas e visarem objectivos distintos, tende a ceder o passo à concepção de se estar perante uma só realidade estratégica - a da defesa interior e exterior do Estado - a executar de forma conjugada através de meios estratégicos, tácticos e logísticos diversificados. Tendência consubstanciada na consunção sectorial das respectivas actividades. Com efeito, há acções e missões das forças e serviços de segurança que extravasam da área da segurança interna, assim como as forças armadas actuam circunstancialmente em áreas respeitantes à mesma segurança interna.
As "Bases do Conceito Estratégico de Defesa Nacional", submetidas a discussão pública durante o ano de 2002, constituem uma achega valiosa no caminho para a atenuação parcial, ou mesmo eliminação dogmático-sistemática das fronteiras entre os conceitos de segurança interna e segurança exterior.
Parte o documento da base indiscutível da defesa da Constituição e do Estado de Direito democrático, bem como e do acatamento das Convenções internacionais para a adopção das opções estratégicas adequadas a repelir as ameaças a enfrentar. E estas são hoje múltiplas, diversificadas e, por vezes, difusas, direccionando os riscos indistintamente sobre os sistemas tradicionais de segurança interna e exterior do Estado, o que aconselha à articulação das políticas em que se fundamentam. Basta ponderar, a título exemplificativo, que os fenómenos criminais do terrorismo internacional e dos tráficos de drogas e de substâncias estupefacientes e de pessoas e bens correlacionados com a proliferação e acessibilidade a armas de destruição maciça, nas suas dimensões nuclear, biológica e química, cujo combate se tem sediado tradicionalmente na área da segurança interna do Estado, constituem uma grave ameaça aos valores humanistas que enformam os sistemas democráticos, afectando concomitantemente os seus vectores de segurança interna e externa.
Acresce que esta realidade constitui uma das preocupações do Conselho Europeu, empenhado na eventual utilização de todas as capacidades da União Europeia, incluindo os recursos militares, para fazer face a incidentes terroristas de vulto no seu território, designadamente os que envolvam materiais bacteriológicos, químicos, radiológicos ou nucleares.
Também no âmbito do quadro legal vigente o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no Parecer n.º 17/2001, fazendo uma interpretação actualista dos arts.º 273 n.º 2 e 275 n.º 1 da Constituição e do art.º 2 n.º 1 da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA), perfilha o entendimento de se integrarem nos conceitos de "agressão e ameaça" externas a defesa do funcionamento dos sectores de produção e abastecimento alimentar, industrial e energético, dos transportes e das comunicações, na medida em que constituem interesse vitais para o bem-estar das populações.
Ora, a doutrina expendida pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, referente ao quadro constitucional em vigor, influi na formulação do conceito de segurança interna e consequentemente na cooperação a prestar nessa área às forças e serviços de segurança pelas forças armadas. Deste modo potencia-se em termos qualitativos e quantitativos a acção governativa no âmbito da política de segurança interna através de maior disponibilidade de meios operacionais e de maior capacidade e eficácia de actuação.
Assinala-se, por fim, que esta concepção tendencialmente consultiva das vertentes segurança interna/segurança