1 DE JUNHO DE 1988 397
O Sr. Almeida Santos (PS): - Faça favor.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - No fundo, qual seria o núcleo, qual seria a dimensão previsível actual? Quanto à televisão, é fácil chegarmos a acordo sobre o que será um serviço público quanto aos seus pressupostos materiais mínimos. Mas, relativamente aos jornais, o que será isso na opinião do PS?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não colocámos, através da nossa proposta, problemas de quantidade. O que desde já recuso é uma razão para exclusão dos jornais, do género. Não aceito que se excluam! O número, depois se verá! Se conseguíssemos um jornal de grande impacte nacional, esse bastaria. O Jornal de Notícias, de grande impacte no Norte, e o Diário de Notícias, no Centro e no Sul, poderiam fazer a cobertura do País. Dizer: jornais não, rádio sim - porque? Não tenho medo das opiniões, mesmo as que me são mais contrárias. O Primeiro-Ministro não aparece todos os dias, sem distinção de meios de comunicação social, a defender os pontos de vista do Governo? Por que e que o Govêrno não há-de poder continuar a defende-los nos jornais? É aí que se revela necessário um estatuto de informação que garanta a objectividade e o pluralismo de todos os meios de comunicação social.
Vejo os jornais privados, vejo as rádios privadas, e só não vejo a televisão privada porque não existe, mas vejo-a lá fora, a emitir opiniões dirigidas e unilaterais.
Estamos, portanto, de acordo em que haja um serviço público de comunicação social. Avançamos muito, porque daí decorrem importantes consequências. Mas não compreenderíamos que o PSD levasse a sua teimosia ao ponto de dizer: jornais é que não! Essa cáfila nunca! Nem um para amostra! Não compreenderíamos isso e pensamos que o PSD pode, num segundo momento, rever essa posição.
O terceiro ponto que quereria realçar e o seguinte: no n.º 7 dizemos aquilo que deveria figurar no estatuto da informação. O Sr. Presidente perguntou-me se eu considerava que o estatuto da informação era para ser feito já ou se seria para definir apenas nas suas linhas mestras.
Estamos abertos a qualquer dessas hipóteses, desde que o principal fique consignado. Isso e para nós o principal. Pode não ser feito já, desde que se definam os pontos que devem constar desse estatuto. Esses pontos deverão ser os do n.º 7, em si pouco discutíveis, mas podemos discuti-los. Mas também estamos abertos, se assim o quiserem, a fazer o esforço de ao mesmo tempo se fazer o estatuto.
Esta matéria é suficientemente séria e grave para que façamos todos os esforços no sentido de um consenso alargado.
Reagiu-se muito à ideia de um órgão independente e o Sr. Presidente perguntou -compreendo a sua objecção - como é que funcionavam os órgãos fora da Administração, fora do Governo. A verdade é que em todos os momentos em que precisámos de uma entidade com um grau acrescido de imparcialidade, tivemos de pôr de lado o Govêrno e a Assembleia, e criámos órgãos efectivamente independentes de um e outro. Criou-se assim o Tribunal Constitucional, que noutros países e um órgão administrativo. Criou-se o Conselho Superior da Magistratura para reforçar a independência dos tribunais, que retirámos da tutela do Ministério da Justiça. Quando, a dado momento, a corrupção começou a ser encarada e discutida pelo próprio Governo, e se consciencializou a sua existência, institui-se uma Alta Autoridade contra a Corrupção. A França, que não e tonta, criou uma Alta Autoridade para os Órgãos de Comunicação Social. O próprio Conselho de Comunicação Social nasceu da última revisão constitucional e não perfilho a opinião de que o Conselho de Comunicação Social não se tem comportado com independência, até porque tem conseguido desagradar a todos os governos!
Desagradou ao nosso governo, desagradou ao anterior governo e desagrada ao actual. Isso é um penhor de independência. Pode não ter satisfeito todas as nossas ambições de quando o criámos, mas tem-se comportado com objectividade e independência. O Provedor de Justiça é outra entidade que está fora da tutela administrativa. A ideia de que o reforço da seriedade nasce ou está ligado a órgãos independentes da Administração está criada. E se há domínio onde se justifica um órgão desse tipo, é precisamente este, o da comunicação social. A criar-se esse órgão independente, talvez pudéssemos concordar com a eliminação do Conselho de Comunicação Social.
Parece-me, portanto, que esta ideia de um órgão independente é uma ideia com virtualidades e por isso peço a todos um esforço no sentido de sermos capazes de nos pormos de acordo. Veja-se a discussão que se trava neste momento a propósito da lei da rádio. O que é isto senão a falta dessa autoridade independente para fazer a adjudicação? Os governos sucedem-se e a tentação é de desfazer o feito. Acabemos com isto de uma vez para sempre.
Instituindo uma alta autoridade, dependente do Parlamento ou não, eu estaria contra uma proposta como a do PCP, no sentido de que fosse o Parlamento, ele próprio, a fazer essas adjudicações. Isso não, em respeito do princípio da separação dos poderes, entre outras razões. Mas um órgão independente, isso sim! Claro que me vão dizer que não e fácil chegar à composição desse órgão. Não é fácil, é até muito difícil, mas também foi difícil arranjar uma composição para o Tribunal Constitucional e acabou por conseguir-se! Aceitaria, em última instância, que a composição fosse essa mesma: a Assembleia, por dois terços, designaria os membros desse órgão. Nesta matéria, as dificuldades não devem travar-nos.
Quais seriam os aspectos fundamentais desse estatuto? Estão aqui, mas poderíamos talvez dizer quais são os aspectos em que pomos mais ênfase: necessariamente, o direito à informação tem de estar assegurado nele; a liberdade de imprensa e a independência dos meios de comunicação social, como e óbvio; o regime de licenciamento, através de um órgão independente; a inclusão dos jornais no serviço público; a consagração, nesse estatuto, do concurso público como instrumento da adjudicação do direito à emissão radiofónica ou televisiva; a proibição de participações, acima de certa percentagem, no capital social de empresas do sector público da rádio e da televisão, a fim de evitarmos o domínio das multinacionais e multimédia. Mal começou a falar-se de televisão privada logo surgiram os Maxwells, os Berlusconi, de e tutti quanti. Por que é que veio essa gente? Porque são os únicos que podem assegurar rentabilidade a uma televisão privada em Portugal! Os grupos portugueses que têm a ambição de ter a sua televisãozinha perceberam que tem de se encostar a um potentado. E por que é que o potentado pode fazer o que o grupo português não pode, isoladamente? Porque vende publicidade para n países. Se incluir Portugal, vende-a para n + 1. A mesma publicidade, a mesma programação, não aumenta um tostão o custo, mas os contratos de publicidade abrangem mais um país, logo podem ser mais lucrativos. Por outro lado, essa gente começa a ter satélites e pode, a partir de fora, fazer televisão para dentro. E até ameaçar ou vocês me dão uma televisão em Portugal, ou faço-a a partir de Paris ou Londres! E os governos tenderão a dizer: se este pode emitir de Londres ou Paris sem nenhum controle, ao menos que o faça de Portugal.