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576 II SÉRIE - NÚMERO 20-RC

visto. E a segunda questão preocupa-nos tanto como a primeira. Aliás, uma e outra são faces da mesma realidade.

Aquilo que o PSD pretenderia, em sede de lei ordinária, estabelecer, se fosse suprimida a cláusula que hoje está contida na Constituição, seria seguramente de extrema periculosidade para os trabalhadores e poderia conduzir a um esvaziamento do direito à grave. Ao contrário daquilo que acaba de ser dito pela bancada do PSD, ou seja, que não se trataria senão de devolver ao legislador ordinário a competência que lhe foi retirada sem prejuízo do direito à greve, nesse caso arriscar-nos-íamos a ter uma versão mais que plastificada, inoquizada e desvitalizada do direito à greve.

Compreendemos que o PSD o pretenda, porque visa, precisamente, adquirir a imunidade contra as expressões de democracia laborai em vertentes que não apenas as canalizáveis através da democracia representativa. Percebe-se que tenha uma visão diminuída dos próprios processos de expressão dos direitos dos trabalhadores. Em todo o caso, não é essa a concepção constitucional.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nessa posição é francamente contrária a qualquer proposta do tipo da do PSD e também somos contra propostas como a apresentada pelo CDS. Este partido visa de resto, nesta matéria o pleno: não pretende apenas o esvaziamento do direito à greve como tal, usa um duplo processo, qual seja o de supressão do n.° 2 do artigo 58.° e o aditamento de um outro conteúdo normativo susceptível de ser ele próprio uma cláusula de esvaziamento. O CDS pretende, de facto, recolocar nas mãos das entidades patronais o poder desigual de desencadear o lock-out, o que visa abrir todo um campo de discussão que nos parece, felizmente, ultrapassado em termos de arquitectura constitucional.

Compreendo que o CDS tenha, tal como o PSD em certa medida, saudades de certos direitos deste tipo. Não se julgue que me estou a referir, malevolamente, aos da ordem jurídico-política derrubada em 25 de Abril, mas sim aos direitos vigentes em certos países da Comunidade e em concreto na RFA, em que o direito à greve vê os seus contornos definidos primacialmente através da jurisprudência constitucional, na sequência de penosas batalhas no termo das quais tem vindo a ser possível, aqui e ali, ver asseguradas efectivas possibilidades de defesa e de intervenção dos trabalhadores. Mas essas batalhas penosas e difíceis, essa debilidade decorrente da dependência de organismos jurisdicionais e de uma hostilidade do legislador, essa batalha contra os "silêncios constitucionais" não tem razão de ser em Portugal. A Constituição fala, fala bem. Infelizmente, não são mesmo assim suficientes para impedir a proliferação de fenómenos de ilegalidade, de tentativas de desnaturação do direito à greve, quer excluindo dele certos trabalhadores, quer procurando impedir que os trabalhadores sem vínculo possam exercer o direito à greve - é essa talvez uma das maiores constrições que, neste momento, no panorama laborai se perfilam -, quer através da multiplicação de outras formas de precarízação que são elas próprias um desincentivo ao exercício de direitos deste tipo, uma vez que não tem defesa aquele que não tem direitos. Por estas vias o patronato português tem logrado atacar posições vitais do movimento operário com consequências muito negativas. Todas essas ilegalidades, todos esses elementos patológicos da greve em Portugal têm-se desenvolvido num quadro marcado por fortes salvaguardas constitucionais. É essa barreira, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que entendemos dever ser mantida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que a análise de um artigo sobre uma matéria tão relevante não pode deixar de nos fazer reflectir sobre os condicionalismos - para utilizar uma expressão eufemística - em que, em Portugal, num passado longínquo e recente, o exercício do direito à greve esteve sujeito e nas próprias condições que levaram à concretização, no texto constitucional, do direito à greve, nos termos e segundo as formas que se contêm neste artigo 58.° da Constituição.

Uma sociedade democrática madura não pode deixar de sublinhar que o exercício do direito à greve, isto é, o recurso à greve aparece essencialmente como uma arma de recurso perante bloqueamentos negociais entre parceiros sociais e não como a arma-mater, digamos assim, de todas as lutas sociais, de todas as conflitualidades sociais. O PS defende, como já provou sucessivas vezes, que a resolução dos conflitos laborais deve ser prosseguida através de instrumentos de efectiva concertação social, sendo o recurso à greve um recurso extremo perante situações de bloqueamento, que a Constituição consagra em termos amplos mas também rigorosos.

Começando pelo rigor, parece-me inexplicável, na óptica do PSD, a eliminação da primeira parte do n.° 2 deste artigo 58.°, na medida em que, se se recordarem das condições que levaram à sua consagração e dos debates que tiveram lugar na Assembleia Constituinte, a lógica fundamental da consagração deste princípio era a de impedir que associações, ditas representativas dos trabalhadores, pudessem arrogar-se, unilateralmente e à margem dos próprios interesses dos trabalhadores, o direito ou a faculdade de declarar greves e definir o seu âmbito. O que se pretendeu exactamente sublinhar foi que a definição do âmbito da greve não era uma reserva ou apanágio de lideranças autoproclamadas ou de minorias iluminadas dentro das estruturas da burocracia sindical, mas essencialmente uma questão que pressupunha a participação do conjunto dos trabalhadores. E é por essa razão que aqui se estabelece que a definição do âmbito da grave compete aos trabalhadores, e não especificamente a sindicatos ou a comissões de trabalhadores, o que inculca a ideia de que a definição dos contornos de uma greve deve ser amplamente participada pelo conjunto dos trabalhadores de um determinado sector de actividade. Aliás, isto tem consagração estatutária em diversos sindicatos ao prever-se nos seus regulamentos internos que a greve tem de forçosamente ser declarada através, por exemplo, de referendo, de consulta à classe, o que é uma lógica que radica directamente neste n.° 2 do artigo 58.° da Constituição e que nele tem o seu principal apoio e fundamento. E a esmagadora maioria dos sindicatos prevê que a convocação da greve seja uma decisão da assembleia geral expressamente convocada para o efeito nos termos que a lei estipula.