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DE JUNHO DE 1988 579

de acolher, em certa medida, as propostas do PSD? Neste caso, que propostas e em que medida é que está disponível para esse efeito?

Essa é a resposta que nos poderá tranquilizar. O resto será uma fundamentação relevante e interessante, mas não terá o impacte que, seguramente, tem direito a ter nestas actas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, quererá V. Exa. tecer já considerações sobre as reflexões relativas à violência e outras questões que lhe foram postas ou, uma vez que haverá intervenções que irão culminar em perguntas, quererá esperar pelo termo dessas intervenções?

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, de acordo com as regras de funcionamento desta Comissão, respondia já às perguntas que, directamente, me fizeram, por uma razão simples: não sou autor de nenhuma proposta de alteração ao artigo 58.° da Constituição e, por consequência, não me arrogo nenhum direito de responder a quem quer que seja, respondendo apenas a quem pergunta. Quanto a outras intervenções, se entender dever pronunciar-me, pronunciar-me-ei.

Em relação à pergunta do Sr. Deputado José Luís Ramos, diria o seguinte: penso que não se pode analisar esta matéria com uma memória política curta. A primeira parte do n.° 2 do artigo 58.° da Constituição é uma norma programática, não retirei dela consequências jurídicas directas para a subsistência ou a insubsistência dos estatutos das associações sindicais e é óbvio e evidente que os estatutos das associações sindicais não estão prejudicados pela consagração deste n.° 2 ou pela sua eventual proposta de eliminação. Isso é evidente. O que coloquei não foi uma questão jurídica, mas sim uma questão política e foi exactamente como questão política que quis colocar todo este debate, pois o debate da revisão constitucional não é um debate meramente técnico-jurídico e muito menos nesta matéria. Ainda que, eventualmente, as questões políticas possam por vezes incomodar, pensando-se que esta Comissão é uma comissão asséptica e académica, ela não o é de facto.

Penso, sinceramente, que a eliminação do n.° 2 debilita a posição política daqueles que defendem que os estatutos dos sindicatos devem consagrar formas de democracia interna que garantam a participação efectiva dos trabalhadores na definição do âmbito da greve e que existe a possibilidade de retirar essa consequência política, caso o n.° 2 fosse eliminado, não sendo, além do mais, possível analisar o movimento sindical em bloco, como se ele fosse uma estrutura unitária. E mais: penso que o nosso movimento sindical ainda enfrenta, em certos aspectos, problemas de democraticidade interna que constituem desafios importantes à implantação da democracia em todos os planos do Estado Português. Consequentemente, não nos podemos alhear dessa vertente importante que é a da democraticidade interna das instâncias representativas de interesses políticos e sociais e entendo que, sinceramente, quanto à primeira questão, não há nenhuma consequência jurídica, sendo evidente que faço uma leitura política dessa matéria.

Quanto à segunda questão, devo dizer que o abrir as portas para a tentativa de um debate de adjectivação de quais são as greves legítimas e as ilegítimas nos termos da delimitação de uma lei ordinária é abrir as portas a um debate crispado que tem algo da concepção paternalista do Estado sobre o movimento social que penso não se coadunar com aquilo que é, sobretudo, a nova filosofia política do PSD. Portanto, aí, nem sequer reivindico nada para o PS.

Quanto à questão do Sr. Deputado José Magalhães, apreciei, sobretudo, a espantosa capacidade que o Sr. Deputado demonstrou em ler intenções, e, não fora a circunstância de estarmos no foro político, eu diria que o Sr. Deputado José Magalhães tentou psicanalizar a minha intervenção política. Por enquanto, ainda me vou mantendo dentro dos eixos equilibrados e vou prescindir dessa psicanálise. Daí que diga, desde logo, que não fiz confusão nenhuma entre a análise do direito à greve e a filosofia política do mesmo direito. Se o Sr. Deputado José Magalhães acha que esta matéria é uma questão que só pode ser analisada com toga ou beca, com luvas assépticas de borracha e dizendo-se "isto é uma questão jurídica", é uma posição surpreendente do Sr. Deputado José Magalhães, mas é a dele e não a minha.

Esta é, essencialmente, uma questão política; foi no plano político que a coloquei e é aí que convergimos e divergimos. Daí que, por exemplo, o problema da uniformidade da posição do direito à greve no Burundi ou em Portugal seja, efectivamente, um problema do Sr. Deputado José Magalhães. Não é o meu, e o exemplo do Burundi é um exemplo ao acaso. Há pouco dei outro e poderíamos dar o exemplo do Burkina Faso ou outro mais marcante. Agora, a resposta à questão que o Sr. Deputado José Magalhães colocou é esta: pessoalmente, entendo que não faz sentido abrir uma limitação ao direito à greve em função da lógica das finalidades dessa greve - e, nesse aspecto, provavelmente estaremos de acordo -, tal como entendo, com identidade de razões, que não faz sentido abrir o debate sobre as limitações do direito à greve em função do regime político onde os trabalhadores exercem ou não esse mesmo direito ou não lhes é permitido exercê-lo. Nesse aspecto, provavelmente, eu e o Sr. Deputado José Magalhães não estaremos de acordo.

Quanto ao seu apelo ao relativismo das análises das greves, devo dizer que não há uma filosofia geral sobre a greve, mas a análise de cada greve e de cada momento histórico em concreto e aquela será uma forma, em meu entender, de debilitar a coerência de uma posição de fundo sobre a protecção do direito à greve. O exemplo inglês só foi aqui citado dentro de dois pressupostos muito claros, o primeiro dos quais foi o de as greves se ganharem ou perderem em função da redução da base de apoio e, consequentemente, de se tornarem ilegítimas porque deixaram de defender os interesses dos trabalhadores, mais uma vez, portanto, competindo aos mesmos trabalhadores definir, em cada momento, o âmbito desse mesmo direito. Este é um exemplo de um culminar de um processo de partidarização do movimento sindical que teve efeitos negativos para aqueles que pensaram que, por vias burocrático-administrativas, conseguiam controlar o movimento sindical e, consequentemente, ter, em regime de permanência, o apoio dos trabalhadores. São essas concepções que saem derrotadas nesse exemplo concreto - e estou à vontade porque não estou a falar de nenhum país socialista, nem de nenhuma greve