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584 II SÉRIE - NÚMERO 20-RC

O Sr. Presidente: - Inscrevi-me, não para fazer uma pergunta, mas para tentar situar o problema no âmbito da revisão constitucional, que é á sede na qual estamos a discuti-lo, e não em termos de considerações de política geral sobre o sindicalismo e a filosofia política. Compreendo, por exemplo, que o Sr. Deputado António Vitorino tenha feito, aliás, uma brilhante intervenção, que foi uma intervenção político-jurídica - ou, melhor, político-política e depois um pouco jurídica -, e não jurídico-política. E percebo por dois motivos: por um lado, porque é sempre útil, numa sede como esta, sublinhar que não estamos num seminário universitário; por outro lado, porque o problema da greve, naturalmente, tem uma carga política extremamente importante. Todavia, trata-se de uma questão em que o problema que está em causa é o da formulação do n.° 2, ou seja, da supressão do n.° 2 do artigo 58.° Gostaria de referir, uma vez mais, que rejeito completamente quaisquer insinuações que se façam acerca de uma posição do PSD e, neste caso em particular, de mim próprio, em termos de tentar instrumentalizar ou manipular a greve ou de diminuir o seu alcance. Por outra parte, todos nós reconhecemos, e isso foi salientado de uma maneira particularmente nítida, designadamente pelo Sr. Deputado António Vitorino, que a greve corresponde a uma situação de defesa natural, de estado de acção violenta que, por isso mesmo, pressupõe, na sociedade em que seja utilizada, que o seja em termos cautelosos e que não exista um abuso que acaba, em última análise, por recair sobre o próprio movimento sindical e por ter repercussões negativas. Sobre essa matéria, estamos de acordo; e estamos ainda de acordo, penso eu, quanto à ideia de que toda a greve tem alguma conotação política, e seria perigoso permitir que o governo da altura pudesse qualificar uma determinada greve como uma greve política e daí retirar consequências limitativas.

Julgo que, no que diz respeito à proposta do PSD, existe, em primeiro lugar, uma primeira observação, que está na raiz da nossa proposta e que, efectivamente, nos impulsionou; é que o n.° 2, tal como se encontra formulado, parece reservar um espaço de estado de natureza, de um estado anterior à constituição da sociedade política, que é reservado, neste caso, aos trabalhadores. E é essa concepção de que existe uma espécie de situação pré-sociedade política, pré-contratual - em termos de contrato político -, que é reservada aos trabalhadores, que suscita uma primeira observação de inconveniência de perspectiva.

Em segundo lugar, existe um posicionamento de desfavor e de desconfiança em relação ao legislador ordinário, que também não subscrevemos. Compreenderia melhor que se dissesse: será útil que, para além da afirmação clara da garantia do direito à greve e como se faz a propósito de outros direitos fundamentais, se explicitem algumas notas que limitem a liberdade do legislador ordinário - isso eu compreenderia. E diria que aceitava facilmente essa observação crítica em relação à proposta do PSD, dizendo: talvez seja preferível encontrar aqui uma. fórmula que não permita interpretações - tendo em conta a história do preceito - que vão além daquilo que o PSD propôs, a alteração ou a supressão do n.° 2. É normal, aliás, que o legislador constitucional limite de algum modo o legislador ordinário - mas aqui dá-se uma completa inversão das coisas, e confere-se aos trabalhadores essa competência, o que é, convenhamos, pelo menos, singular no direito constitucional europeu democrático. E, apesar do historicismo hermenêutico que foi há pouco salientado pelo Sr. Deputado António Vitorino, a verdade é que nada garante que a interpretação que ele deu ao preceito em apreciação - e que terá justificado, de acordo com os trabalhos de elaboração da Constituição e após a revisão constitucional de 1982, a redacção do actual n.° 2 - seja a única possível. Isto porque é perfeitamente aceitável que o preceito comporte, dentro de uma interpretação actualista, outros tipos de solução para a competência dos trabalhadores em definir o âmbito da greve.

Assim, encontramo-nos aqui perante uma situação em que, por um lado, nós, PSD, não desejaríamos coonestar qualquer interpretação que signifique que a greve é um meio naturalíssimo em democracia e alternativo aos sistemas de designação dos titulares do poder político e aos sistemas políticos em geral. Por outras palavras, actualmente a greve tem na Constituição um favor particular intenso relativamente às fórmulas eleitorais. Parece-nos que isso é extremamente negativo e não deveríamos aceitá-lo.

Mas, por outra parte, somos sensíveis às cautelas que é necessário ter para que, influenciados naturalmente pela prática da política do momento, não haja tentativas de, pela via da qualificação da greve, vir a acabar por restringir o seu próprio conteúdo. Todavia, não me parece correcto - repito - que isso se traduza no sentido de inverter o normal posicionamento do legislador ordinário em relação aos destinatários dos seus actos, como aqui se verifica. No fundo, colocam-se, de algum modo em termos indeterminados, os destinatários das normas acima do próprio legislador ordinário. Compreendo isso em matéria de direitos fundamentais quando eles são devidamente concretizados, mas não o compreendo em termos de uma espécie de restituição do Estado-natureza, como aqui é feito.

Principalmente, também não gostaríamos que isso abrisse a porta à subsistência de modelos, como tive ocasião de sublinhar ontem, em que aparece a ideia do exercício do poder político pelas classes trabalhadoras como a forma mais legítima - com uma legitimidade superior a outras - para a realização de uma sociedade sem classes, ou seja o que for. Parece-nos que nesse aspecto esta formulação é infeliz, e isso explica claramente o nosso intuito ao propor a supressão do referido n.° 2.

Se se considerar necessário - volto a repetir - que se dê uma nota clara de que a Constituição não quer permitir, pela via de uma instrumentalização do legislador ordinário, que se venham a fazer qualificações do direito de greve que sejam limitativas do seu conteúdo essencial, penso, que, em coerência com o objectivo da nossa proposta, estamos abertos a encontrar esse tipo de formulações.

Contudo, o que não se pretende, e que rejeitamos energicamente, é que nos inculquem propósitos que poderíamos aceitar se porventura acompanhássemos a ideia da supressão da proibição do lock-out, o que não é o caso, e se entenda que pretendemos uma manipulação do direito de greve, o qual na nossa proposta é mantido intocado nos termos dos outros direitos fundamentais consignados na Constituição.