750 II SÉRIE - NÚMERO 26-RC
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, ontem tive a ocasião de, com grande brevidade e a concisão que recomenda o facto de a declaração ter lugar aqui, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, e não no Plenário da Assembleia, tecer algumas considerações sobre a primeira reacção do Governo e do Sr. Primeiro-Ministro em concreto sobre certas decisões do Tribunal Constitucional cuja projecção no processo de revisão constitucional é evidente e que desde ontem se tomou absolutamente inegável e irrecusável.
Sobre esta matéria fizemos esta manhã, no Plenário da Assembleia da República, uma declaração que não reproduzirei aqui - dou-a por reproduzida nos seus precisos termos. Apenas gostaria de não deixar de registar para todos os efeitos que, vinte e quatro horas depois, as observações que pude fazer dão-se como plenamente justificadas, infeliz e inteiramente justificadas. Creio que só restará, conhecido que é integralmente o teor das declarações do Primeiro-Ministro, aditar às considerações ontem feitas quatro ou cinco que rapidamente passarei a enunciar.
A primeira é que consideramos não estar conforme com os padrões de honestidade política correntes que se ataque, da forma que ontem pudemos constatar, um órgão como o Tribunal Constitucional, quando é público e irrecusável que não foi o Tribunal Constitucional que desencadeou o processo de fiscalização da constitucionalidade que desembocou nos acórdãos que são do nosso conhecimento. Foi o Sr. Presidente da República. O Governo, o PSD e o Primeiro-Ministro revelam, com esta postura e com o conteúdo das declarações que ontem pudemos ouvir, uma falta de frontal idade, uma falta de coragem política e um enviesamento politicamente inaceitáveis.
O segundo elemento que revela falta de honestidade política é o que decorre de o Sr. Primeiro-Ministro ter dado a entender que a questão da inconstitucional idade seria questão irrelevante, não se suscitariam questões relevantes, o que torna verdadeiramente bizarra a iniciativa do Sr. Presidente da República de requerer a fiscalização e a declaração de inconstitucionalidade uma coisa inteiramente absurda. O Primeiro-Ministro quer fazer passar tanto o Tribunal Constitucional como o Presidente da República por entidades absolutamente incapazes de qualquer juízo de razoabilidade e até de lucidez política, no fundo quer fazê-los passar por dislatados, e isto é extremamente grave do ponto de vista institucional. Finalmente, em termos de honestidade, há um terceiro aspecto a salientar, é que o Primeiro-Ministro imputou ao Tribunal Constitucional consequências sociais e económicas da sua decisão que o Tribunal Constitucional não pode ponderar. O Tribunal não pode, ao avaliar a constitucionalidade de um determinado diploma, entrar em linha de conta com consequências como o desemprego eventualmente gerado ou a não resolução deste ou daquele problema social. No caso concreto, o pacote laboral acarreta desemprego e não emprego - é uma pura mistificação política do Primeiro-Ministro afirmar o contrário-, mas é ilegítimo misturar o plano jurídico-constitucional e o plano mais estritamente económico, social e até político que são absolutamente imiscigenáveis na óptica do funcionamento regular e normal de uma instituição como o Tribunal Constitucional, que só pode considerar o primeiro.
Registam-se, também em relação às questões de concepção política, aspectos mais graves que abordarei rapidissimamente. O primeiro é o da noção de democracia subjacente a esta atitude do Primeiro-Ministro. Creio que ontem se revelou uma vez mais que para o PSD e para o seu chefe a questão da democracia se reduz à existência de um sistema que permita ao PSD e a Cavaco Silva terem, de quatro em quatro anos, um mandato para governar com plenos poderes sem Constituição, sem oposição e agora mesmo, como se vê, sem Tribunal Constitucional, isto é, sem peias. A conformidade entre este conceito e os conceitos decorrentes da Constituição é, como se sabe, nula.
Em segundo lugar, é clara a violação de regras de relacionamento saudável entre órgãos de soberania, entre instituições. Primeiro, o Primeiro-Ministro falou sem conhecer o acórdão, o que é inteiramente inaceitável, irresponsável e viola regras absolutamente elementares. O Primeiro-Ministro não conhece os textos, não conhece os fundamentos, o Primeiro-Ministro não tem o direito de se pronunciar nos termos em que se pronunciou. Em segundo lugar, sugeriu que o Tribunal Constitucional tinha decidido por sua altíssima recreação, o que, como comecei por enunciar, é totalmente falso, é despropositado e visa lançar uma campanha de execração junto da opinião pública. Em terceiro lugar, trata como questão simples e fácil de decidir uma questão de inconstitucionalidade, matéria em que não tem razão, pois existiam muitas entidades que vinham apontando para a inconstitucionalidade gritante que o Tribunal veio a reconhecer em muitos aspectos.
Por último, lançou à execração pública um tribunal que não pode vir defender-se em público nos mesmos termos em que foi atacado e isso é da maior gravidade institucional. É, em nosso entender, clara a finalidade última desta démarche do Primeiro-Ministro. Em primeiro lugar, pretende condicionar o Tribunal Constitucional para viabilizar a execução do seu programa legislativo inconstitucional. Como dizia o Sr. Ministro António Capucho, o Governo pretende em um quarto da legislatura consumar três quartos do seu programa legislativo inconstitucional, o que é da maior gravidade, e pretende criar, através da técnica do empurrão e da chantagem, condições para viabilizar a passagem dessa legislação no Tribunal Constitucional. Por outro lado, pretende condicionar a própria revisão constitucional, mas aí sem qualquer possibilidade institucional de o fazer na medida exacta em que o próprio PSD, como ontem alguém sublinhava, não tem nenhuma proposta em relação ao artigo 53.°, quanto à questão da noção de justa causa. Portanto, ao insistir na via em que insistiu o PSD criou uma grave situação do ponto de vista institucional e político, situação para á qual a saída não pode encontrar-se em termos de ultimato ou de chantagem.
É portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, da maior gravidade a conduta do Primeiro-Ministro e do PSD e cria à regularidade dos trabalhos da própria revisão constitucional alguns escolhos que pela nossa parte procuraremos ultrapassar. Não podemos, no entanto, deixar de sinalizar a concepção de democracia a concepção de relacionamento entre órgãos de soberania, a concepção de processo político que está subjacente a mais esta manifestação de autoritarismo, de intolerância e de mal-estar do PSD em relação ao regime constitucional democrático que a revisão constitucional, como se sabe, não pode alterar na sua identidade essencial.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.