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29 DE NOVEMBRO DE 1988 1867

No que diz respeito à proposta apresentada pelo CDS de supressão do n.° 2 da redacção actual, penso que ela não é conveniente, na medida em que é importante dizer que o Estado se subordina à Constituição.

A ideia de que o Estado se funda na legalidade democrática não é uma fórmula muito feliz ou um pensamento perfeitamente claro. Estamos a tratar de problemas relacionados com a legalidade e com a soberania. Parece-me bem dizer no n.° 1: "A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição." É aí que está o cerne e o fundamento do Estado. Dizer que o Estado se funda na legalidade democrática pode querer traduzir a ideia de que a legitimidade dos actos do Estado resulta da circunstância de ele obedecer ao princípio da legalidade. No entanto, esta fórmula também pode dar uma outra ideia que, de algum modo, teve os seus afloramentos num determinado momento do processo político português, mais precisamente na altura revolucionária - e não em 1974, mas sim em 1975 -, e que é a de uma certa concepção muito restritiva daquilo que se entende por democracia e por aquilo que é a legalidade em democracia. Portanto, o Estado, em rigor, funda-se na circunstância de haver um poder constituinte, de que é titular o povo. Não se funda na legalidade democrática, embora o respeito por esta possa corresponder a uma ideia de lhe assegurar a legitimidade no seu funcionamento, o que são coisas distintas.

Por outro lado, temos a questão da subordinação ao direito. A ideia de direito não se traduz apenas - embora também o seja - na hipótese de se abrir para uma referência a um ordenamento jurídico supra-positivo, que é uma questão que depende dos intérpretes e das concepções de quem aplique a Constituição, visto que aí temos uma discussão ou um diálogo bastante similar àquele que tivemos a propósito da interpretação a dar no artigo 2.° à questão da democracia económica, social e cultural. Diz também respeito à necessidade de não excluir, e de o afirmar de uma maneira inequívoca, a subordinação aos princípios gerais de direito. Os princípios não são normas legais, não são preceitos jurídicos, mas são conformadores do ordenamento jurídico e desempenham um papel essencial na estruturação dos ramos de direito e até nas garantias dos cidadãos. Penso, por exemplo, no direito constitucional e no direito administrativo.

Portanto, não me parece que a proposta que nós apresentámos mereça uma crítica tão desdenhosa como aquela que foi formulada pelo Partido Socialista. Compreendemos que, por razões que resultam da economia da vossa proposta e do contexto histórico em que ela se desenvolveu, não estejam abertos a essa consideração. Parece-me que o que está aqui em causa são razões exteriores ao mérito da mesma - pelo menos naquilo que foi explanado.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de emitir um juízo sobre as propostas em debate.

Curiosamente, nenhum dos proponentes tocou na única questão cuja provável discussão e clarificação poderia ter alguma utilidade.

O artigo que estamos a debater foi objecto de algumas alterações na primeira revisão constitucional. O anterior artigo 3.° estabelecia no seu n.° 4 que "O Estado está submetido à Constituição" e não "O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática". O actual n.° 3 resulta apenas da reinserção sistemática - de resto correcta - do antigo artigo 115.°

Com as obras feitas na primeira revisão constitucional aquilo que veio a ressaltar foi o seguinte: a epígrafe fala daquilo que o artigo não trata e aquilo que o artigo trata não tem projecção na epígrafe, já que o tema dominante do artigo são as diversas dimensões da constitucionalidade, e aquilo que se aborda é todo o conjunto de afloramentos desse princípio basilar estruturante do Estado de direito democrático. São, quanto a mim, secundárias as reflexões sobre o alcance do que seja o facto de o Estado se fundar na legalidade democrática, coisa em que vejo uma relação de submissão à legalidade democrática tal qual ela resulta do processo de produção dos actos de vontade, designadamente no plano normativo, dos órgãos de soberania que têm poder legislativo. Não consigo ver aí um afloramento de qualquer concepção restrita do que seja a democracia, pele menos com o sentido (amplo) em que a Constituição a consagra na sua versão actual - assim a mantivesse, coisa que infelizmente não é indiciada por alguns consensos pactuados em matéria de revisão. Essa, sim, é nossa preocupação. Não creio que haja grande vantagem em alterar a Constituição neste ponto. Pelo contrário, poderia haver desvantagem, sobretudo na versão do PSD.

Curiosamente, o PSD expurga e adita. Expurga o "democrático" e adita o "direito": o direito não qualificado e o democrático com a qualificação que é sabida.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, nós não expurgamos o "democrático". Expurgamos, sim, a expressão "legalidade democrática", o que é radicalmente diferente. É só uma questão de precisão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - o Sr. Presidente sabe perfeitamente...

O Sr. Presidente: - Por saber isso perfeitamente é que digo isso, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. conhece a génese do conceito da legalidade democrática e a preocupação de qualificação da legalidade, ultrapassando a postura idolátrica de respeito pelo direito (qualquer que ele seja) e pela lei (qualquer que ela seja) - num positivismo bastante raso ao chão, que pode conduzir ao cumprimento de uma legalidade antidemocrática em homenagem a uma obediência abstracta à lei. Os constituintes portugueses reflectiram neste texto demasiados anos de submissão a um quadro constitucional que tinha entre as suas matrizes fundamentais esta componente que acabei de descrever. A opção pela utilização frequente da expressão "legalidade democrática", que tem, como é óbvio, dificuldades hermenêuticas, é marcada pela necessidade de um contraste na parte negativa e pela necessidade de uma apologia e até de uma pedagogia democrática na outra vertente. Assim,