Também em relação ao referendo, que vem previsto no artigo 115.º, no nosso projecto de revisão constitucional aparece um princípio de acordo com o qual se deve dar ainda mais primazia à opinião dos portugueses. E, para além de possibilitar, porque em algumas situações tal trará mais participação, a existência em simultâneo de eleições e referendos, também se abre, mantendo sempre um núcleo restrito que nunca pode ser sujeito a referendo, a possibilidade, quanto a alterações de natureza constitucional que ultrapassem o núcleo essencial, de as mesmas poderem ser sujeitas a referendo. Também esta é uma ideia antiga, também esta é uma ideia que quer o PSD quer o CDS-PP têm defendido, em relação à qual consideramos sempre que a discussão é extraordinariamente positiva.
Por outro lado, apresentamos modificações em relação aos limites materiais de revisão constitucional. Há alguma discussão na doutrina quanto à natureza que tem o artigo da Constituição que determina quais são os limites materiais de revisão constitucional. Há, desde logo, doutrina que considera que os mesmos são meramente declarativos, porque já vêm da própria Constituição, e também há quem considere que eles têm uma natureza que é mais do que declarativa é constitutiva, isto é, são aqueles limites porque é o próprio poder constituinte quem o diz.
O que nós consideramos é que é essencial e fundamental que os limites materiais se refiram ao núcleo essencial da Constituição. Mas atenção! Qualquer modificação do que sejam os limites materiais da Constituição não quer dizer que se venham a colocar na Constituição ideias de sentido contrário. Explicitando um pouco melhor: não é pelo facto, por exemplo, de a forma republicana poder sair como limite material que se passa a ter uma forma de governo de sentido contrário. Nada disso, obviamente, acontece. Obviamente, estamos aqui a tratar da questão dos limites à revisão da Constituição, não mais do que isso. Portanto, é importante que estes esclarecimentos também sejam concedidos.
Quanto à questão da organização territorial e das autarquias locais, entendemos que na matéria da regionalização se deve simplificar o texto constitucional. Simplificar, desde logo, porque houve um referendo sobre a instituição em concreto de regiões administrativas em Portugal, com o resultado que sabemos, e simplificar porque é matéria que, naturalmente, pode ser regulada por simples via legislativa, não necessitando de ser regulada na Constituição. E, portanto, consideramos que em relação à regionalização se devem fundamentalmente prever os princípios de natureza geral.
Aliás, uma das características que o projecto de revisão constitucional apresentado pelos dois partidos da maioria tem é o de simplificar o texto constitucional. Há matérias que estão excessivamente regulamentadas no texto constitucional, o que não é necessário, e grande parte delas ou algumas delas são verdadeiramente letra morta, e, portanto, não têm razão de ser serem consideradas de natureza constitucional. Pense-se, por exemplo, no que está determinado em relação ao estatuto de Macau, à situação de Timor-Leste e às organizações de moradores. É um conjunto de artigos constitucionais que não têm a mínima aplicação prática e, portanto, não têm razão de ser como previsão de natureza constitucional.
Por fim, e porque não quero alongar muito esta apresentação feita a duas vozes, vou apenas falar de uma das novidades que quer o PSD quer o CDS-PP decidiram incluir neste projecto de revisão constitucional, que é o senado ou segunda câmara. senado que já existiu em vários textos constitucionais portugueses e que é, aliás, uma tradição em vários Estados da União Europeia, estando previsto em várias constituições.
Fundamentalmente, a razão para esta solução é, em primeiro lugar, a consideração da existência de variadíssimas personalidades afastadas da vida política que podem por esta via dar um contributo institucional verdadeiramente relevante e, em segundo lugar, a consideração de um problema que preocupa esta Comissão e que até hoje já surgiu como mote de discussão: a representação das comunidades territoriais. Esta representação seria feita de um modo mais positivo com a existência de uma segunda câmara, até porque em relação à figura dos senadores estaríamos perante duas legitimidades distintas entre si, ou seja, a existência de senadores de pleno direito e a existência de outros senadores eleitos com uma divisão pelos vários distritos, havendo, por essa via, uma representação igualitária dos mesmos.
É também importante referir que este senado tem por objectivo, por um lado, ser uma câmara de reflexão importante para o País e, por outro lado, ser uma câmara de acompanhamento, no plano legislativo, de todas as matérias que sejam decididas e que tenham que ver com a coesão nacional e o desenvolvimento local.
Para terminar, uma vez que não gostaria que esta apresentação fosse extensa, quero dizer que, para além daquelas origens e ideias antigas dos dois partidos de acompanhamento da realidade, grande parte do que está previsto no projecto do PSD e do CDS-PP tem uma base de Direito Comparado, isto é, tem por base previsões expressas noutras constituições da União Europeia e até no projecto de constituição para a Europa.
Por exemplo, aquilo que está determinado a nível do artigo 9.º, relativo às tarefas fundamentais do Estado, o respeito pelo direito à vida, na medida em que a expressão "direito à vida" pura e simplesmente não existe no actual texto constitucional, tem uma referência no projecto de tratado da Constituição europeia, em que se diz claramente que todas as pessoas têm direito à vida. Não há uma referência do mesmo género no nosso texto constitucional.
Devo dizer que a proposta quanto ao artigo 9.º não modifica juízos que se façam quer de inconstitucionalidade quer de concordância constitucional em relação a nenhuma norma legislativa actualmente em vigor no nosso ordenamento jurídico. Portanto, não há modificações em relação a essa matéria com a proposta apresentada pelos dois partidos da maioria, sendo esta uma explicação que deve ser dada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, é nosso propósito, já várias vezes enunciado, debatermos a revisão constitucional incidindo essencialmente em três matérias: as autonomias regionais, a regulação da comunicação social e a limitação dos mandatos. Porém, tendo em conta a apresentação feita pelos Srs. Deputados Luís Marques Guedes e Diogo Feio, e sem prejuízo dessa incidência essencial, não queria deixar de rapidamente, à vol d'oiseau, fazer uma incursão sobre um outro ponto tocado.