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SEPARATA — NÚMERO 73

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De facto, a investigação de Erin Reid, especialista em comportamento organizacional e docente da McMaster

University (Ontário), demonstra que estar sempre disponível é disfuncional para toda a gente em determinado

ponto. Nas suas palavras “As chefias assoberbam os subordinados, contactam-nos fora do horário de trabalho

e fazem pedidos de trabalho adicional no minuto antes de saírem. Para satisfazerem as exigências, os

trabalhadores chegam mais cedo, saem mais tarde, fazem diretas, trabalham aos fins-de-semana e

permanecem ligados aos dispositivos eletrónicos 24 horas por dia, sete dias por semana. E aqueles que não o

conseguem, ou não querem, saem penalizados.”. Defende ainda que as organizações pressionam os

profissionais para serem “trabalhadores ideais”, totalmente dedicados ao seu emprego e sempre disponíveis.

Qualquer sugestão de interesses ou compromissos exteriores ao trabalho pode sinalizar falhas de atitude para

com o trabalho e pode, de facto, significar menos oportunidades de progressão na carreira. Por isso, um grande

número de profissionais continua a acreditar que, para atingir o sucesso, tem de se conformar a esse ideal,

priorizando uma e outra vez a esfera laboral.

Esta situação é de tal modo preocupante que a França aprovou recentemente legislação sobre esta matéria

que entrou em vigor no início deste ano. Esta reconhece aos trabalhadores o “direito a desligar”, ou seja, ficar

offline, sem atender telefonemas ou responder a emails profissionais fora do horário de trabalho.

Esta ideia não é, porém, nova. Em 2014, a Alemanha já tinha feito aprovar uma legislação que impede as

chefias de contactarem as suas equipas por telefone ou por correio eletrónico fora do horário de trabalho, a não

ser em caso de emergência. Na Wolkswagen, desde 2011, que foi adotado um sistema informático que bloqueia

o envio de emails para os telemóveis dos trabalhadores entre as 18h15 e as 7h dos dias úteis e durante os fins-

de-semana.

Em Portugal, a Constituição da República Portuguesa estabelece expressamente no artigo 59.º, n.º 1, alíneas

b) e d) que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião,

convicções políticas ou ideológicas, têm direito à organização do trabalho em condições socialmente

dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a

vida familiar e ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a

férias periódicas pagas.

O Código do Trabalho faz algumas referências ao período de descanso do trabalhador, considerando-o, nos

termos do artigo 199.º, como aquele que não seja tempo de trabalho. O Código do Trabalho estabelece ainda o

direito ao intervalo de descanso, no artigo 213.º, nos termos do qual o período de trabalho diário deve ser

interrompido por um intervalo de descanso, de duração não inferior a uma hora nem superior a duas, de modo

a que o trabalhador não preste mais de cinco horas de trabalho consecutivo, ou seis horas de trabalho

consecutivo caso aquele período seja superior a 10 horas. Estabelece ainda um período de descanso diário, o

qual, nos termos do artigo 214.º, deve ser de, pelo menos, onze horas seguidas entre dois períodos diários de

trabalho consecutivos.

Todavia, ainda que tal resulte da interpretação da Constituição e do espírito e das normas acima referidas

do Código do Trabalho, não existe nenhuma norma que, expressamente, impeça o empregador de contactar o

trabalhador fora do horário do trabalho. Assim, ainda que exista na legislação o direito ao descanso diário dos

trabalhadores, a experiência tem demonstrado que a evolução tecnológica aliada à pressão existente no mundo

laboral contribuem para que o trabalhador esteja constantemente ligado ao trabalho, não sendo fácil traçar uma

linha entre o tempo que se dedica ao trabalho e aquele que se pode despender com o lazer, a família e outros

compromissos pessoais.

Deste modo, tendo em conta as consequências gravosas, já largamente demonstradas, que o excesso de

trabalho e a incapacidade de desconexão têm na vida das pessoas, é nosso entendimento que a lei portuguesa

deve prever expressamente o direito do trabalhador à desconexão profissional, facto que se tornou necessário

em virtude do desenvolvimento crescente das novas tecnológicas.

A intervenção do legislador é importante na medida em que, clarificando a legislação, reforça a posição do

trabalhador contra intromissões da entidade empregadora no seu tempo de descanso, protegendo-a destes

comportamentos.