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10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Dias Ferreira: - Combate abertamente o projecto, porque n'elle vê uma manifestação de reacção religiosa, a derogação das leis de 1833 e 1834 e a entrada fraudulenta das ordens religiosas em Portugal.

O projecto, a seu ver, tem de ser enterrado para dignidade de todos, porque representa a suprema audacia da reacção; pois onde ha nas faculdades de Roma as cadeiras de direito canonico, a cadeira em que se ensina que ha um beneplacito regio?!

Se querem o ensino livre, o orador não se oppõe a isso, mas com o que não póde concordar, é com o que está estabelecido no projecto, em que tudo se torna dependente da vontade do bispo da diocese, sem que o governo tenha intervenção alguma no assumpto.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Sr. presidente, eu vou dizer á camara qual é opinião do governo a respeito do projecto em discussão.

Este projecto, não é de iniciativa governamental; veiu da camara dos dignos pares, onde foi votado sem o concurso nem a assistencia do governo, e n'esta camara, sendo presente á commissão respectiva, é que o governo foi ouvido sobre elle.

O governo, concordou na commissão em que o projecto fosse apresentado á discussão, ficando livre á camara o pronunciar-se sobre elle como entendesse, (Apoiados.) mas com a clausula de que, os individuos que tivessem os graus de doutoramento conferidos pelas universidades pontificias fossem sujeitos a um exame perante o seminario da diocese a que pertençam, para poderem solicitar do governo licença para a sua ordenação.

Foi esta, sr. presidente, a condição que o governo impoz para a apresentação do projecto, porque, como disse, elle não é da iniciativa governamental, declarando ao mesmo tempo, que elle não poderia deixar de oppor-se á sua approvação, se n'elle não fosse consignada esta clausula, que é a mesma que vigora para os individuos que frequentam as faculdades de medicina e cirurgia no estrangeiro, o que a lei permitte, mas com a condição de serem sujeitos a um exame, nos termos do respectivo regulamento, para poderem exercer a clinica no paiz. Não é portanto um principio novo na nossa legislação o que só pretende estabelecer, é um principio que já vigora para os individuos que se dedicam á medicina.

Não se trata de nenhuma questão de reacção, não ha nenhum ataque á liberdade, não estão offendidos os principios liberaes.

E a este proposito, permitta-me a camara que lhe diga, muito serenamente, que eu tenho hoje muito menos medo da reacção religiosa, do que de outras seitas que atacam e procuram minar a sociedade. (Apoiados.) Estas questões vão passando de tempo e de moda. A reacção religiosa já não existe hoje em parte nenhuma, e muito menos em Portugal. Felizmente os nossos habitos, as nossas tradições, os nossos costumes, direi mesmo a civilisação dos nossos tempos, são bastantes para nos defender de qualquer invasão d'esse inimigo.

Eu não tenho por consequencia medo da reacção religiosa. Tel-o-ía n'outro tempo; mas hoje, com a atmosphera que se respira, com a liberdade de imprensa que temos, entendo que a grande missão do governo, n'este particular, é reunir, associar todas as forças conservadoras para defender a sociedade de perigos bem mais serios de que os que podem provir da reacção religiosa. (Apoiados.)

O projecto não reconhece nenhum grau de doutor conferido nas universidades pontificias, nem dá força a esses graus. Não se precisa, por consequencia, saber quaes são as materias que constituem o curso d'essas universidades, visto que o projecto se limita a auctorisar o governo a conceder licença para ordenação, e nada mais. (Apoiados.)

N'estes termos, parece-me que o projecto não tem o alcance que lhe attribuio o sr. Dias Ferreira e o sr. Montenegro.

Eu comprehendo perfeitamente que ainda hoje haja resentimentos da questão desagradavel havida entre o sr. bispo de Coimbra e a faculdade de theologia, conheço essa questão bem, mas o que não comprehendo, é que a proposito de um assumpto tão modesto como este é, se levante uma questão de liberdade, porque se julgou que pretendiamos apoucar ou amesquinhar a faculdade de theologia. Digo mais, se os illustres deputados que atacam o projecto, pedissem mais garantias, outras fórmas, ou outro processo de exame differente d'aquelle que se propõe no projecto; se em logar do exame nos seminarios propozessem o exame feito por outra fórma, eu admittiria a discussão n'esse ponto, porque o principio que está no projecto é a ordenação, só a ordenação, e não o reconhecimento do grau de doutor conferido pelas universidades pontificias.

A ordenação póde ser auctorisada pelo governo áquelles que tiverem o grau de doutor conferido pelas universidades pontificias, mas mediante um exame feito no respectivo seminario. Eu comprehendo, repito, que se queira outro exame que dê mais garantias, que se proponham quaesquer alvitres a esse respeito, mas não que se queira dar ao projecto uma significação que elle não tem.

O projecto propõe apenas, como já disse, o mesmo que se exige para os clerigos que se ordenam no paiz, mas, novamente repito, se se entende que para os clerigos que estudam em Roma é preciso um outro exame, ou um exame regular ordenado pelo governo, e providencias especiaes que deem garantias de que esse exame seja serio, eu não tenho duvidas, n'esse ponto, de acceitar qualquer proposta, qualquer alvitre que seja rasoavel. O que está no projecto é a, applicação aos clerigos que se douctorem ou vão procurar grau nas universidades pontificias do mesmo que se pratica em Portugal para com os clerigos que aqui fazem o seu curso.

Contra o que, porém, eu não posso deixar de protestar, é contra o suppor-se que ha no projecto qualquer desejo de favorecer a reacção religiosa em Portugal. Eu acredito no liberalismo de todos, mas peço licença para dizer que a minha vida inteira protesta contra qualquer condescendencia ou contemplação com idéas reaccionarias. Não deem, portanto, v. exa. ao projecto, proporções que elle não tem.

O projecto é, a meu ver, uma providencia que me parece não é inutil, e que, pelo contrario, póde ser util, pois nós não temos o direito de obstar a que os individuos que têem meios de ir a Roma frequentar as sciencias ecclesiasticas nas universidades pontificias se ordenem em Portugal, desde que provem a sua idoneidade, sciencia e illustração. Não me parece que seja justo que os poderes publicos se opponham a que os individuos que se apresentem n'essas condições o que, perante um jury legal e competente provem a sua aptidão e idoneidade, se lhes negue o direito de se ordenarem.

Estas considerações entendi que as devia fazer quando vi que, por parte do sr. Arthur Montenegro e do sr. Dias Ferreira, se levantavam apprehensões contra este projecto, suppondo que por elle ficava aberta a porta á reacção anti-liberal e religiosa.

Eu entendi que me devia levantar para dar por parte do governo esta simples explicação, para dizer o que o projecto é na minha intenção e modo de pensar, e para declarar que, se sobre o seu artigo principal, aquelle que se refere aos exames nos seminarios, a camara entender que deve fazer qualquer proposta, ou apresentar qualquer alvitre, que eu, pela minha parte e por parte do governo, não tenho a menor duvida em que seja discutido, porque,