6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
o valor ou a significação que essa manifestação pudesse ter? Não. E a prova é que na gare de S. Bento deixou que tudo se passasse e realizasse como bem aprouve a quem se manifestava e a quem sentia essa manifestação.
A liberdade concedida pelo Governo não podia ser mais ampla nem mais evidente. Procurou-se na justa medida que tem sempre inspirado os actos do Governo e ha de inspirá-los emquanto for Governo, um perfeito espirito de tolerancia e de respeito pelas liberdades publicas e ao mesmo tempo a manutenção da ordem e a segurança das pessoas em harmonia- com o que as circunstancias indicavam.
Não é a mira, nem aos meus amigos, nem a nenhuns elementos de partidos monarchicos que se podem attribuir quaesquer factos, acontecimentos, ou successos por virtude dos quaes não possa ser mantida a tolerancia que o Governo logo que chegou ao poder mostrou para com todos os partidos, permittindo as manifestações politicas. (Apoiados).
O Governo concedeu a maior liberdade para se poderem fazer manifestações a qualquer individualidade do partido republicano ou de qualquer outro partido (Apoiados) e não fomos nos que nos apressámos a contrariar essas manifestações, porque isso seria contrario aos nossos sentimentos. (Apoiados).
A verdadeira liberdade, a unica que pode ser mantida e que eu estimo, a unica que eu considero e respeito é a que julga a liberdade dos outros irmã gemea da nossa, e não a que se lhe pretenda sobrepor. (Apoiados). Nos não podemos de forma alguma impor os nossos sentimentos, paixões, ideias e principios por mais nobres que sejam e por mais consentaneos que sejam aos interesses do país, á vontade dos nossos adversarios. (Muitos apoiados).
Ao chegar ao poder-consenti na livre propaganda entre todos os partidos politicos, sem querer saber da cor da sua bandeira, ou das instituições que desejavam defender. (Apoiados). Dei a todos os partidos inteira liberdade para a sua propaganda.
Portanto o Governo não pode ser accusado de pretender coarctar os meios de realizar essa propaganda, desde que todos se mantivessem dentro da ordem e respeito pelo chefe do Estado. (Apoiados). E esta obrigação impunha-se a todos, era absolutamente igual para todos. O que sem severidade se exigia para uns, exigia-se para com todos. (Apoiados).
Por isso o Governo deixa ao pais, que é quem julga e quem nos pode dar o apoio para vencer e triunfar, que entre os actos de cada um possa avaliar e julgar e dar o premio que elles merecem, ou a censura de que elles se tenham tornado absolutamente credores. (Muitos apoiados).
Não é a paixão de cada um, nem mesmo o sentimento exaltado de qualquer collectividade que hão de fazer, com que o país, entre as varias e oppostas propagandas que são feitas, em ordena a cativar o seu espirito e a sua vontade, se decida por ellas. (Apoiados). O que ha de cativar o país ha de ser a dedicação que cada um mostra pelos interesses jiacionaes, a absoluta necessidade com que cada um procure servi-lo, (Apoiados) e o absoluto respeito que se tenha para com qualquer individualidade. (Apoiados).
Mas, voltando aos acontecimentos do Porto: como disse, é um facto incontestavel que, era menosprezo das ordens da autoridade para que se não fizessem manifestações nas ruas, e isto em harmonia com a lei, alguns milhares de pessoas se reuniram em volta da estação de S. Bento, manifestações que se fizeram por milhares de pessoas em volta, e logo a saída da estação de S. Bento.
Já hontem disse, e hoje. repito porque nunca é de mais repetir este ponto do pensamento do Governo, para convencimento d'aquelles que porventura não estejam informados. Dada uma vez uma ordem, estabelecida uma disposição, e envolvido assim o prestigio da autoridade em qualquer facto, o Governo ha de manter essa prescrição e o prestigio da autoridade.
Mas, continuando. Immediatamente, em virtude da contravenção ás ordens dadas, e em harmonia com as instrucções recebidas, os agentes da autoridade e a força da guarda municipal intervieram para reprimir as manifestações que se faziam contra o que tinha sido ordenado; intervieram, mas não abusaram, e a maneira como deram as cargas de cavallaria, desde o principio até o fim, mostra que essas autoridades estavam consubstanciadas com o pensamento do Governo, e esse pensamento era o acommodado ás circunstancias, sem o menor sacrificio todavia para qualquer pessoa.
Foram dados immediatamente toques da ordenança, e antes que a força carregasse sobre o povo, o official que a commandava, fez os avisos verbaes.
Certamente houve da parte do Sr. Affonso Costa um equivoco, quando affirmou ter o official declarado que os toques não foram ouvidos. O que disse o official que commandava a força, é que os avisos verbaes só teriam sido ouvidos pelas pessoas que estavam proximas, o que não admira por terem sido feitos num sitio aberto, e no meio de vozearia, mas que os toques de clarim de certo foram ouvidos, e a prova de que o foram é que centenas de pessoas se retiraram. (Apoiados).
Depois de terem sido dados os avisos militares, a força carregou por não se terem dispersado os agrupamentos que se tinham formado.
Mas isso foi feito de tal forma que até hoje não consta que se tenha apresentado qualquer pessoa ferida como victima dessas cargas, e V. Exa., Sr. Presidente, comprehende que se a carga tivesse sido dada sem cautela é claro que muitas pessoas haviam de ter soffrido graves prejuizos. (Apoiados).
Isto mais prova que tanto as autoridades policiaes como a força militar procuraram fazer respeitar as ordens do chefe do districto, manter o principio da autoridade e impedir as manifestações nas das que tinham sido julgadas prejudiciaes para a segurança das pessoas; mas, procurando fazê-lo pela forma mais consentanea que é sempre imposta á força publica, de fazer o mal absolutamente indispensavel e na menor proporção.
Repito: houve repetidas e variadas cargas de cavallaria e até o presente não me consta, nem sequer vi nos jornaes, que qualquer pessoa se tenha apresentado ferida perante o tribunal judicial ou pelas espadas, ou em resultado das proprias cargas realizadas.
Foi a seguir a isto, na Rua de Santa Catharina, proximo do local onde tinham sido feitos os toques e os avisos verbaes, e onde se tinham realizado as cargas pela forma como estou dizendo á Camara - com o fim exclusivamente de dispersar a multidão e de impedir as manifestações - o que já representa uma manifesta desobediencia á autoridade, que não pode nem deve ser desacatada, e que, se tem a obrigação sagrada, nos meios a empregar para ser obedecida, de conter-se nos absolutamente indispensaveis, tem a obrigação, não menos sagrada, de se fazer obedecer; dizia eu, Sr. Presidente, foi na Rua de Santa Catarina que sobre a força da guarda, municipal começou a cair um chuveiro de pedras. E posso dizer assim, porque não se trata apenas de uma affirmação que só em palavras se possa estribar; trata-se de um facto porque muitos soldados saíram d'essa refrega feridos pelas pedradas; mais de um foi examinado no tribunal judicial a os ferimentos foram reconhecidos e com inteira impossibilidade de trabalhar durante alguns dias; até os arnezes dos cavallos apresentavam vestigios e sinaes das bastas pedras que sobre elles caíram. Não era então de admirar que a força publica já desacatada e assim aggredida tivesse carregado sobre o povo por uma forma menos cautelosa do que até ali o tinha feito, mas não o fez, conti-