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SESSÃO DE 8 DE ABRIL DE 1885 1027

de novas despezas, que se nos pede, é absolutamente esteril e perdido, porque o contrabando ha de continuar a existir, emquanto as circumstancias economico-administrativas actuaes, e os princípios vigentes da legislação aduaneira em Portugal e Hespanha, não mudarem radicalmente.
Ahi é que está o ponto central do problema, que devemos corajosamente atacar para chegarmos a uma solução definitiva.
Sou o primeiro a reconhecer com os illustres deputados que têem tomado a palavra d'este debate, que o estado das nossas relações commerciaes com a Hespanha é insustentavel e insupportavel especialmente para o nosso paiz.
N'este ponto estou plenamente de accordo com o sr. ministro da fazenda e com o illustre relator da commissão.
Todos sabem que muitas das nossas industrias, algumas mesmo das mais importantes, se queixam amargamente da concorrencia illicita que lhes faz o contrabando hespanhol. Todos sabem que successivos ministros da fazenda em differentes situações toem procurado, remodelando a curtos intervallos a organisação das nossas corporações fiscaes, introduzir a ordem n'este cahos e dominar por severas medidas de inspecção e fiscalisação esta anarchia. Apesar, porém, das numerosas reformas que successivamente se realisaram n'estes ultimos vinte annos, e ainda anteriormente vemos que o contrabando tem zombado de todas as providencias repressivas e continua a introduzir-se largamente no paiz, apesar de todas as pelas legaes que se lhe oppõe. V. exa. julga porventura que n'esta lucta ardilosa do estado com o contrabandista nós possamos chegar a organizar alguma vez as nossas forças fiscaes no pé em que as sustentam nas suas fronteiras nações de muito maiores recursos, como a Franca por exemplo? Pois, ainda que conseguíssemos, a questão do contrabando entre Portugal e a Hespanha ficaria pouco mais ou menos na mesma situação. Hoje o contrabando (tomarei sempre esta palavra como synonimo de descaminho de direitos, apesar de actualmente quasi não haver contrabando pela nossa legislação) entre os dois paizes faz-se ainda pelos antigos processos rudimentaes, sufficientes para illudirem uma fiscalisação rudimentar tambem.
A organisação fiscal de que dispomos não exige mais da habilidade dos que com tão grande facilidade a inutilisam, e por isso não temos a combatel-a por ora maior numero de astúcias, de subtilezas e de artimanhas da parte dos que constantemente pensam em invalidar as mais bem architectadas disposições repressivas e penaes. Mas se amanha melhorarmos os nossos serviços de inspecção aduaneira, veremos na mesma proporção augmentarem as manhas dos contrabandistas, que a final hão de acabar sempre por levar a melhor. Esta é a historia de todos os tempos e de todos os paizes.
Para que nos convencessemos com effeito de que uma simples disposição fiscal, por mais draconiana que fosse, bastava para impedir o descaminho de direitos, era necessario que não conhecêssemos nos seus interessantíssimos pormenores a historia do contrabando em todas as epochas e em todos os povos ainda os de legislação mais severa.
Não sabe v. exa., sr. presidente, que o contrabando zombou sempre da mais implacavel e poderosa das organisações repressivas que jamais foram inventadas, da organisação fiscal da Hespanha no tempo de Carlos V e de Filippe II, apesar das terríveis comminações do systema colonial então em vigor parecerem dever levantar uma muralha de ferro entre a metrópole e as suas possessões americanas, por um lado, e as nações estrangeiras pelo outro? Não nos diz isto a historia, fazendo-nos assistir dia a dia ao assalto do contrabando hollandez e inglez, que nunca a privilegiada e inquisitorial legislação da Casa de contratacion de las Indias foi capaz de evitar com todos os seus rigores?
Mas ha mais, e para isto chamo particularmente a attenção do sr. relator da commissão.
S. exa., que é um cavalheiro illustrado e versadissimo nestes assumptos, e a cujo saber eu presto a devida homenagem, não ignora de certo o que se passa hoje nas fronteiras da Suissa.
S. exa. deve conhecer as celebres matilhas de cães contrabandistas; e deve saber que apesar de todos os esforços que se têem feito para impedir o contrabando na fronteira franceza, apesar da creação em larga escala das matilhas de cães fiscaes para perseguirem os animaes habilmente empregados na industria illegal e fraudulenta do descaminho de direitos, o contrabando persiste por tal fórma e com tal segurança que relógios comprados em Berne em Zunich são mandados collocar habilmente pelos fabricantes suissos em qualquer ponto de França mediante apenas um pequeno premio contra o risco eventual do uma tomadia, que raras vezes tem logar, como bem se deprehende da insignificante percentagem do seguro.
Pois, se no seculo XVI o commercio illicito zombava impunemente da organisação fiscal de Carlos V e de Filippe II; se hoje mesmo com uma organisação fiscal perfeita, tanto quanto o póde ser uma organisação d'esta ordem, o contrabando da Suissa na fronteira franceza terá meios de conseguir os seus intentos, illudindo a mais prevenida vigilancia; como se quer que nós com uma pobre e incompleta organisação, que ainda será de todo o ponto insufficiente depois de o sr. ministro a ter reformado mais uma vez, como se quer que nós, repito, possamos impedir e Portugal e a Hespanha, quando ha causas permanentes, constantes, que estào actuando a todo o momento e que tornam fatal a continuação do que á face da lei escrita é um crime, ou pelo menos um delicto, mas que á lei d'essas outras leis de economia política não é mais do que o natural e necessario correctivo aos defeituosos systemas aduaneiros actualmente em vigor nos dois paizes da peninsula?
Eu podia citar aqui, sr. presidente, ora defeza d'esta minha asserção, as palavras de um distincto economista francez, mr. Blanqui, que sustenta com muito boas rasões, e mesmo com o exemplo da historia de todos os paizes, que o contrabando é o indispensavel correctivo e a benefica compensação á tyrannia dos falsos regimens aduaneiros. Mas este argumento de auctoridade nem sequer é preciso na presente occasião, e muito especialmente na hypothese que se discute. Todos os que me escutam, a começar pelo proprio ministro, que eu vejo n'este momento fazer um gesto de assentimento ás minhas palavras, estão convencidos de que o contrabando é uma consequencia, é um resultado que se torna mister combater nas suas causas, que é preciso destruir nesse anormal estado de cousas que lhe dá origem e o alimenta. Pois bem, se todos nós chegámos a este convencimento, não ataquemos o symptoma, ataquemos antes a doença que produz esse symptoma deleterio; não nos limitemos a atacar o contrabando que existe na fronteira, mas ataquemos sobretudo a sua causa predominante, isto é, as circumstancias económicas ou melhor as disposições aduaneiras que tornam possível a existencia de um largo e remunerador commercio fraudalento entre os dois povos.
Não quero alongar de mais este debate, sr. presidente, e serei por isso muito breve; mas não posso deixar de dar á camara conhecimento de algumas passagens de um escripto muitíssimo interesse, que de certo é conhecido do sr. ministro da fazenda e do sr. relator da commissão.
Intitula-se o livro a que me refiro: «Estudios ácerca de las relaciones mercantiles entre Espanã y Portugal» é seu auctor o sr. D: Manuel Marquez Perez de Aguiar, que o dedicou ao ex-ministro da fazenda do reino vizinho o sr. D. José Garcia de Barzanallana.
Este escripto bastante recente (1880), e como tal com todo o valor de actualidade, é muito importante, por isso que coteja constantemente os dados da estatística commercial portugueza com os dados correspondentes da estatística commercial hespanhola, podendo deduzir-se bem do resultado do exame d'esse curioso confronto até que ponto