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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

D'onde se conclue que nem a abundancia e a barateza augmentaram o consumo, nem a escassez e carestia o diminuiu sensivelmente; nem á duplicação do imposto lhe augmentou o rendimento, que era licito calcular.

Excepto o imposto que nos aqui votamos em 23 de setembro de 1870, sem comtudo deixar de dizer que esse augmento de imposto não é nem uma pallida sombra d'aquillo que as lisonjeiras experiencias do sr. Carlos Bento nos apresentou. O imposto em vinte annos não produziu mais de 160:000$000 réis.

Ora o fisco ou a camara dos deputados póde arbitrariamente elevar os impostos sem descriminação. Diz-se: «Faltara tantos mil contos para cobrir o deficit, e é necessario recorrer ao imposto». Pois augmente-se o imposto do consumo, e em logar de augmentar 10 que lhe póde dar 600, augmente 20 que lhe póde dar 1:200, porque eu já ouvi dizer que o consumo tinha augmentado na rasão directa do augmento do imposto, porque o consumidor, desde que o imposto se elevou mas 5 réis, vendo que, bebendo menos, o interesse da fracção do imposto ficava para o vendedor, para o taberneiro, bebia dobrado, para não deixar ficar esse beneficio ao taberneiro (hilaridade).

Eu creio que isto se affirmou e até se provou com documentos (hilaridade).

O sr. Santos e Silva: — E verdade que se disse, mas não se provou.

O Orador: — Mas ha de prova-lo o sr. ministro da fazenda; ou, se quizer, o sr. relator da commissão (riso).

O que porém na real verdade se prova d'estes documentos é o seguinte.

Tinha-se manifestado, uma certa quantidade de litros, mas desde que o sr. Carlos. Bento, tambem com o meu voto, lhe applicou o imposto de 5 réis, o manifesto desceu muito, e isto já hontem foi aqui exposto n'uma escala mais larga pelo sr. Mariano de Carvalho. Quer dizer, tornou-se inefficaz o meio de evitar o arbitrio, que o meu amigo, o sr. Pinheiro Chagas, apreciou com bastante imaginação e poesia da sua parte.

Para corrigir este inconveniente tenho eu aqui uma circular publicada pelo sr. Nunes dos Reis, escrivão de fazenda do concelho dos Olivaes, e um dos mais intelligentes funccionarios fiscaes que esta terra possue, e não podemos negar isto, nem o governo o póde negar, desde que esse empregado pelos seus trabalhos estatisticos ácerca da contribuição predial d'aquelle concelho, trabalhos de um grande merecimento e grande minuciosidade, foi mandado louvar por uma portaria. Tenho presente, digo, uma circular em que este senhor se dirige a todos os srs. taberneiros da localidade, e insta por todos os modos para que elles venham fazer os seus manifestos, e para que se approximem o mais que seja possivel da rasão, e usando todos os meios suasorios diz o seguinte: «Esta responsabilidade é-me exigida, não a posso solver senão pela maxima fiscalisação, que o meu dever e conservação propria aconselha a por em pratica, e que as leis e regulamentos fiscaes me mandam executar».

Isto dizia elle, querendo corrigir os inconvenientes do arbitrio, e por isto se póde bem claramente conhecer a pressão que o governo, em virtude da auctorisação que pede para converter as camaras municipaes em exactores fiscaes do estado, ia fazer pesar sobre esses corpos administrativos, que devem ser, primeiro que tudo, defensores e zeladores dos interesses dos seus municipios. Pois o governo pretende transformados com as funcções fiscaes em decuriões do baixo imperio, que no tempo de Diocleciano levavam as exacções a ponto de fazerem abrir com alegria aos barbaros os braços dos povos que estavam debaixo do dominio romano. E citarei, a proposito, o que tambem dizia o sr. Guizot. Creio que o sr. Guizot não passa por ser um dos maiores liberaes, e creio que não commetteu ainda nenhum peccado pelo qual merecesse ser expulso do gremio dos mais extremos conservadores.

Eis o que diz o sr. Guizot:

A queda do imperio romano ao Weste apresenta o phenomeno mais singular. Não só a nação não quiz sustentar o governo na luta contra os barbaros, porém, quando deixada a si propria, não tentou lutar por sua conta, e, ainda mais, nada n'esta porfiada luta nos revela que tal nação existisse.»

Não era o homem ao mar do illustre deputado, o sr. Matos Correia, era a nau do imperio que dava á costa e desapparecia. O sr. Guizot attribue isto ás causas seguintes: quando nos melhores dias de Roma o officio de decurião nas cidades municipaes de Italia e da Gallia, os dois exemplares que serviram de modelo ao sr. ministro da fazenda, era requestado como distincção honorífica, as exacções de que se tinham tornado instrumentos para supprir as necessidades do imperio que se submergia, arruinaram e destruiram as classes medias e o espirito municipal.

O abbade de Bede reproduz aquelle grito agonisante dos povos queixando-se á divindade de que «os barbaros os lancem para o mar e o mar os repi la outra vez para os barbaros».

«Sob Diocleciano, os municipios empobrecidos, impossibilitados de fornecer as sommas pedidas, a curia, na qual entrava toda a classe media, era responsavel — corpo e bens — pelo pagamento integral do imposto.»

E aonde quer chegar o sr. ministro da fazenda! Salviano nos explica de que modo os conquistadores eram a unica esperança e refugio contra a cubiça do imperio!

(Sensação.)

E pergunto — é esta a descentralisação que nos offerecem?...

Esta é a missão destinada pelo pensamento liberal e descentralisador do governo aos municipios do seculo XIX!... É isto e nada mais, é isto e nada menos (apoiados).

Vejamos porém a parte pratica dos actos da fiscalisação.

Em primeiro logar faz se o manifesto de que resa o formulario seguinte:

CONCELHO... Freguezia... Logar...

O abaixo assignado participa na repartição de fazenda do dito concelho, que para consumo do seu estabelecimento comprou no dia... do corrente mez a (a)

Almudes ou litros de vinho,... Litros de bebidas alcoolicas... Kilos de carnes seccas, fumadas ou salgadas.

Logar de... de... de 187...

(a) N'este logar devo declarar se comprou a almocreve volante, se no mercado em Lisboa, se em algum retem e onde é a situação d'este, se ¿ destinado a deposito para fornecer a sua venda diaria, ou se finalmente é para expor á venda na sua totalidade.

Temos portanto manifesto do genero comprado e do deposito, depois manifesto do que se pretende vender para consumo; como porém no tal systema não se paga senão pelo genero vendido, o manifesto faz-se para aquelle que se deve vender, e pelos depositos. Pergunto eu como se póde distinguir, como se póde limitar o direito que tem aquelle que tiver casa de venda por miudo, de vender por grosso a outras pessoas para exportarem ou vender tambem, o vinho que tiver nos seus depositos? Não sei se faço perceber o meu argumento.

Um taberneiro, por exemplo, que faz o seu negocio, em logar de vender o vinho que depositou para consumo, vede-o todo por junto.

Pergunto como é que aquelle que tem deposito de vinhos, pelo facto de vender tambem a retalho, póde ser prohibido de vender por grosso a outrem, para esse outrem dispor d'elle como quizer!? Pode ser multado por este facto á vista da legislação e, se pagar o imposto do deposito, e vender por grosso, fica sujeito o comprador, que o quizer vender a retalho, a dois impostos? O que paga aquelle que tem deposito e o que paga aquelle que o for vender?