SESSÃO N.º 65 DE 12 DE MAIO DE 1900 3
fazenda e n'isto lhes não vae censura, pois que tinham tantos outros deveres a desempenhar, que não exerciam nunca directamente o cargo de escrivães das execuções, mas faziam-se substituir por simples escreventes de repartição.
Os numeros de que dei conhecimento á camara parecem-me argumento bastante e mais que sufficiente a favor da conservação dos logares de escrivães privativos das execuções fiscaes, e por isso nada mais direi a seu respeito.
Mas já que fallei n'este assumpto, e antes de entrar na materia que constituo o meu terceiro aviso previo, permitta-me v. exa. que eu lembre ao sr. ministro algumas alterações que, a meu ver, devem ser feitas na legislação em vigor, na hypothese de ter de ser alterada.
Não são os logares dos escrivães privativos que convem extinguir. (Apoiados.) O que é preciso é modificar algumas disposições da legislação vigente, mas sem alterar a constituição dos tribunaes.
E a primeira alteração a fazer será, a meu ver, revogar o artigo 74.° do decreto de é8 de março de 1895, que prohibe terminantemente que aos devedores de contribuições de rendas publicas seja concedida moratoria, sob qualquer forma, nos seus pagamentos, ou se lhes facilite o pagamento em prestações.
A pratica tem-me mostrado quanto é prejudicial para a fazenda esta disposição, e por isso considero de vantagem substituil-a por outra que permitia ao juiz conceder moratoria de dois ou tres mezes, quando o julgar conveniente, e auctorise o pagamento em prestações.
E n'esta parte, sr. presidente, não ha sequer innovação. Basta applicarmos ás execuções fiscaes a disposição da tabella judicial, que, como v. exa. sabe, permitte que nos processos criminaes as custas sejam pagas em prestações. (Apoiados.)
Com o artigo 74.°, tal qual está, dá-se todos os dias o seguinte: ou o juiz concede moratoria e pagamento em prestações, e desacata a lei, o que é um mau exemplo, ou cumpre-se a lei e a fazenda perde as quantias exequendas, porque, em milhares de hypotheses, os executados não podem pagar a totalidade da divida de uma só vez, nem têem bens que permitiam fazer-se-lhe a penhora para a garantir. (Apoiados.)
Só quem não conhece este ramo de serviço poderá julgar o contrario. (Apoiados.)
Um outro artigo que deve tambem ser modificado é o 61.° do decreto de 31 de dezembro de 1897.
Pelo regulamento de 1895 as execuções fiscaes só podiam ser interrompidas no caso de embargos e estes só podiam deduzir-se nos casos taxativos marcados no artigo 47.° e que eram illegalidade da contribuição por não estar devidamente auctorisada por lei ou decreto com força de lei; illigitimidade da pessoa citada; falsidade da certidão que servisse de base ao processo; pagamento da divida exequenda ou sua annullação devidamente comprovada; prescripção; litigio pendente ou instaurado depois da penhora acêrca dos bens apprehendidos, e finalmente não pertencerem ao executado os bens penhorados.
Veiu, porem, o decreto de 31 de dezembro de 1897 e, muito sensatamente, estabeleceu no artigo 61.° que, nos casos de illigitimidade da pessoa citada, pagamento da divida exequenda, prescripção e duplicação da collecta, podia interromper-se a execução por um simples requerimento, poupando assim ás partes as despezas do preparo dos embargos, honorarios ao advogado, papel sellado do duplicado e inquirição de testemunhas, o que foi de uma grande vantagem para os executados; mas exige que esse requerimento seja documentado.
Ora, sr. presidente, ha casos, como, por exemplo, na prescripção, em que o executado nem carece nem póde juntar ao processo documento justificativo algum (Apeia dós.) para provar que não deve a quantia exequenda.
O que acontece se elle não documenta o requerimento?
Acontece que o juiz indefere-lh'o, em obediencia á lei, iuja benéfica intenção é assim falseada pelo seu exacto 3umprimento. (Apoiados.) Parece um paradoxo, mas é a verdade.
Convem, pois, alterar o artigo de fórma a que não seja obrigatoria a juncção de documentos com o requerimento. E desde que elle se altera deve tambem eliminar-se o seu § 1.° que impõe ao juiz a obrigação de ouvir sempre, sobre o requerimento, o escrivão de fazenda que fez o lançamento da collecta exequenda, porque esta disposição é absolutamente inutil. (Apoiados.)
O escrivão de fazenda, desde que lançou a contribuição, não deixa nunca de sustentar na sua resposta, que a colecta foi bem lançada. E pelo menos o que tenho visto em odos os processos. E portanto a sua resposta não serve senão para augmentar as custas, sobrecarregando injustamente o contribuinte, com termos superfluos e escusados nos autos. (Muitos apoiados.)
O juiz deve poder ouvir ou deixar de ouvir, conforme julgar conveniente, o escrivão de fazenda; deve ter plena liberdade a este respeito.
E dito isto, passo agora a tratar do terceiro aviso previo, alterando a ordem por que os apresentei, visto elle referir-se tambem a execuções fiscaes.
No Diario do governo de 9 d'este mez vem publicado am decreto, que eu entendo não dever nem poder deixar passar sem protesto, porque ataca directamente a independencia do poder judicial. É o decreto de 26 de abril.
Este decreto, sr. presidente, creou umas commissões compostas do inspector superior de fazenda e do recebedor do concelho ou bairro, do parocho da freguezia, de um empregado addido nomeado pelo ministro, e nos bairros de Lisboa e Perto tambem pelo escrivão privativo das execuções fiscaes, com o fim de verificarem em presença dos verbetes dos devedores do estado se estão ou não instaurados os competentes processos de execução, se os relaxes foram feitos no tempo proprio, etc., etc.
E até aqui está perfeitamente e nada tenho que dizer contra elle.
Mas não é só ás repartições de fazenda que as commissões hão de ir syndicar (porque isto é uma verdadeira syndicancia); têem tambem obrigação de ir aos tribunaes privativos das execuções fiscaes de Lisboa e Porto examinar todos os processos executivos, para verificar se a divida é cobravel ou se tem de ser proposta para julgamento em falha, e têem igualmente attribuições para fazerem proseguir immediatamente todas as execuções cujas dividas forem reputadas cobraveis!
Isto é simplesmente phenomenal, sr. presidente.
Pois então ha tribunaes judiciaes presididos por magistrados inamoviveis, perpétuos e independentes, cujos actos só por recurso podem ser revogados, contra os quaes as syndicancias só podem ser feitas quando houver qualquer queixa contra elles, e ainda assim só depois de decretadas pelo conselho disciplinar da magistratura; ha n'esses tribunaes agentes do ministerio publico para promoverem, e nem outra é ali a sua funcção, tudo quanto julgarem util para a fazenda nacional, e vem o sr. ministro da fazenda, e n'um decreto de mais a mais sem a assignatura do sr. ministro da justiça, tratando-se de magistrados, o que tambem é novo, ordena syndicancias aos tribunaes, destitue os delegados das suas funcções, passando-as para quem, sr. presidente, para os escrivães d'esses mesmos tribunaes!
Para os escrivães que são subalternos dos juizes, empregados que elles podem reprehender, suspender e castigar!
Ora diga-me v. exa., que é magistrado dignissimo e que portanto preza a sua classe, se isto póde admittir-se, se