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APPENDICE Á SESSÃO NOCTURNA DE 7 DE AGOSTO DE 1890 1776-G

A nossa marinha mercante não poderá mais apparecer n'aquellas paragens.

A bandeira portugueza não pode mais fluctuar nas nossas embarcações mercantes nas possessões ultramarinas, porque a mala real, cercada de tantos privilegios, com um subsidio pecuniário de 500 contos de réis por anno e o exclusivo da carga e passageiros do estado, põe fóra de combate toda a nossa marinha mercante, que não póde competir com uma empreza tão privilegiada.

Continúa a prosperar a marinha mercante estrangeira, que não carece d'estes favores, mas a portugueza desapparece de todo, se ainda existe.

Paga-se por alto preço uma providencia destinada a proteger a marinha mercante portugueza, condemnando ao exterminio a bandeira nacional!

Tanto se inspirou no bem do serviço este projecto, que por elle fica condemnado o commercio do Lisboa a receber a correspondencia de Moçambique com a demora de cincoenta e cinco dias, quando podia tel-a em vinte e quatro dias!

Não póde o governo ainda que queira contratar com uma dessas companhias transatlanticas, que fazem a carreira em grande velocidade, o transporte da correspondencia, a troco de qualquer pequena commissão.

Como não permittia já o contrato de 1867, que fizera esta funestissima innovação nos anteriores contratos, que se ajustasse com qualquer outra empreza o transporte das malas do correio, desde que houvesse de se lhe pagar algum subsidio por mais insignificante que fosse!

Mais este grave inconveniente foi-lhe notado pela commissão extra-parlamentar, que elle nomeou para o aconselhar.

A tal perfeição chegou o desejo immoderado de favorecer a empreza, que se lhe permitte a ella, e se nega ao governo denunciar o contrato!

Podem ámanhã as circumstancias reclamar, como absolutamente indispensavel a denuncia d'este contrato por muitas rasões politicas ou economicas, umas já previstas e outras que podem surgir de momento. Pois o governo não pode resilir o contrato antes do praso, podendo aliás resilir a empreza!

Na proposta primitiva ainda se guardava o direito de reciprocidade para ambas as partes, governo e empreza, porque se facultava ao governo, como á empreza, denunciar o contrato. O parecer das commissões, porem, nega esse direito ao governo e reserva-o só para a empreza!

A empreza póde fazer o que quizer com o enorme subsidio de 500 contos do réis por um serviço que se ajustou por 98 contos de reis, e com o exclusivo do transporte de passageiros e da carga do estado. O governo nem o transporte da correspondencia pode contratar com outra empreza, desde que tenha de abonar-lhe por isso algum subsidio! A empreza pode denunciar o contrato, o governo não.

Este contrato e franca e abertamente leonino. Não tenho outro nome para exprimir claramente o meu pensamento, salvo aliás o devido respeito pelas opiniões e pelas intenções dos que o approvam.

Passaram as commissões de coração leve por cima das rasões, com que o relatorio justificava o direito do estado a denunciar o contrato.

Dizia o relatorio:

«O governo não esqueceu, porem, que a transformação por que está passando a provincia de Moçambique pode felizmente accentuar-se no sentido de acrescimo do movimento commercial de uma maneira tão consideravel que o serviço deva, por interesse publico inadiavel, organisar-se em outras condições de rapidez e de frequencia de carreiras.

«É este pensamento que dictou o artigo das bases que estatue que, em qualquer epocha, e não se havendo dado causa de rescisão derivada da falta de execução do contrato que se celebrar, seja permittido ao governo rescindil-o mediante o pagamento de multa. Considerações que são obvias levaram a ampliar igual faculdade á empreza, tendo-se acautelado qualquer abuso com a fixação de uma multa avultada, no caso de rescisão pelo não cumprimento do contrato.»

A approvação de um projecto em similhantes condições, com a circumstancia aggravantissima de se dispensar o concurso para dar 500 contos de réis por um serviço que custa 98 contos de reis, representa a mais alta coragem nos poderes do estado!

Entrega-se a uma empreza o monopolio da navegação para as duas Africas, e paga-se-lhe ainda á larga o favor de exercer esse monopolio, e pratica-se este erro de administração, ou o que e, quando está assegurada ainda por dois annos a navegação para a Africa Occidental em magnificas condições de serviço, sem subsidio pecuniario, salva a modesta retribuição pelo serviço directo entre as ilhas de Cabo Verde.

Podiamos tratar provisoriamente com alguma das companhias hespanhola ou allemã, que fazem esta carreira, a navegação para a Africa oriental, que alcançariamos de certo sem subsidio pecuniario, e daqui a um ou dois annos tomariamos a respeito da navegação para as duas Africas as providencias que as circumstancias aconselhassem.

E fallo em empreza allemã ou hespanhola, visto que a não querem ingleza.

É extremamente pueril, se e que não serve de pretexto para varias despezas a exigencia da navegação portugueza para a carreira da Africa oriental. Se por via das nossas contendas com o governo inglez não querem navios inglezes aproveito se um paquete allemão que toca todas as semanas em Lisboa, e que faz em vinte e quatro dias a viagem entre Lisboa e Moçambique, segundo declara a commissão technica consultada pelo governo sobre o assumpto, a companhia hespanhola transatlântica, com carreiras estabelecidas para a Africa oriental, a que a mesma commissão technica se refere. Não ha necessidade, absolutamente nenhuma, de empenhar a nação em mais 500 contos annuaes, que o contribuinte não pode pagar sem alto sacrificio, porque com grande sacrificio elle paga mesmo a despeza já existente e urgente. Nem o sr. ministro da fazenda podo ir de boa vontade para similhante medida. Quem não teve duvida de escrever no relatorio de fazenda amargas verdades sobre a situação do thesouro, e de proclamar a necessidade de economias, não pode associar-se a um projecto que em definitiva se reduz a sacrificar o contribuinte em beneficio do em prezas particulares. (Apoiados.)

O governo devia contentar-se, em relação ao ultramar, com o celebre caminho de ferro de Mossamedes. Só essa providencia era bastante para illustrar esta administração, não fallando agora no caminho de ferro de Lourenço Marques.
Podia, portanto, prescindir o governo deste projecto, porque já com outras providencias tinha creado encargos onerosissimos para o thesouro! (Apoiados.)

Cria-se á custa do contribuinte em favor de uma empreza particular o monopolio da navegação, annullando-se a nossa marinha mercante em Africa, e entregando-se ao estrangeiro o nosso commercio n'aquellas paragens, papando-se ainda por cima um subsidio de 500 contos de réis por anno, quando muito duvidoso se as forças tributarias do paiz podem com as despezas já creadas, quanto mais com despezas novas e desnecessarias!!

Vozes: - Muito bem.