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84 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O sr. José Luciano de Castro: — Sr. presidento, mal imaginava eu que as poucas palavras que lia pouco proferi, iriam levantar uma replica tão expressiva da parte do sr. conde de Lagoaça e da parte do sr. presidente do conselho.

S. ex.a o sr. conde espantou-se de que eu, progressista, viesse levantar ou interferir em uma questão em que principalmente eram interessados os regeneradores, quando eu, francamente o digo, nem olhei para as apreciações políticas do digno par, nem para aquellas que partiram dos seus amigos de S. Thomé, nem quiz saber ou inquirir se o arguido ora progressista ou regenerador, nem mesmo sei se n’essas longínquas paragens ha progressistas e regenedores.

O sr. Conde de Lagoaça: — Ha, sim, senhor.

O Orador: — Ha de certo especuladores de differentes ordens e feitios, e sei tambem que esta especie damninha existe em todas as nossas colonias.

O sr. Thomás Ribeiro: — Apoiado.

O Orador: — Indivíduos que tratam questões locaes a sabor das suas conveniências é possivel que lá existam, mas não sei se em S. Thomé ha progressistas, pelo menos, se os ha não estou em relações com elles para poder ser n’esta camara instrumento ou orgão de quaesquer interesses politicos.

Refiro-me ao que vi n’um impresso, que recebi, e que fallava com tanta individuação dos casos de S. Thomé, que não sei se a paternidade d’esse escripto pertence ao sr. conde de Lagoaça.

O sr. Conde de Lagoaça: — Não, senhor. Não sou eu o auctor,

O sr. Presidente: — Peço ao digno par que não interrompa o orador.

O Orador: — Appareceu em Lisboa um impresso em que se fallava com tanto conhecimento de causa das questões de S. Thomé, que eu, francamente, attribui esse escripto ao sr. conde do Lagoaça.

O sr. Conde de Lagoaça: — Não era.

O Orador: — Nem eu sabia de quem era; mas, repito, suppuz que era do sr. conde de Lagoaça. Esse escripto causou-me uma grande impressão.

Não quiz saber se o seu auctor era progressista ou regenerador, e se a camara era progressista ou regeneradora; o que me pareceu quando acabei a leitura d’esse impresso é que o sr. ministro da marinha tinha praticado uma grande violência, e foi n’este modo de ver que eu insisti ha pouco.

Não censuro o sr. presidente do conselho, não censuraria o governo se entendesse que devia fazer vigorar o codigo de 1880 ou outro qualquer da metropole em todas as províncias do ultramar.

Era esta uma providencia geral que poderia discutir-se e apreciar-se segundo o critério de cada um, mas que se explicava perfeitamente.

O governo, adoptando uma medida para acabar no ultramar com o codigo de 1842, tomava uma resolução genérica, indeterminada, sem applicação a nenhum caso especial. N’isso estaria eu de accordo.

Mas o que se fez não foi isso; o que se fez foi tirar do codigo de 1886 uma sé disposição e applical-a, durante o periodo eleitoral, á província de S. Thomé; e como o Diário do governo não podia chegar a S. Thomé se não depois de feita a eleição, o sr. ministro da marinha mandou essa disposição por telegramma. É isto o que se diz no impresso a que já me referi. Esse telegramma foi publicado no Boletim da província. A disposição n’elle contida foi logo applicada á eleição que se estava fazendo; e em virtude d’essa disposição ad hoc, odiosa, determinada para certos individuos se absterem de ir á eleição, conseguiu-se que o governador organisasse uma camara em que entram individuos que não são de raça branca.

E n’este estado que está aquella província, que é, peço licença para o dizer ao sr. presidente do conselho, uma das nossas mais ricas possessões, que tem um futuro brilhantissimo, e que está infelizmente opprimida por uma administração que eu não posso deixar de dizer que é perfeitamente anarchica. Digo isto sem nenhuma intenção politica; digo-o, porque sei, porque tenho d’ali informações directas, inteiramente imparciaes.

O que se está fazendo n’aquella província, por parte da admmistração superior, é verdadeiramente inqualificável. E não quiz referir mais factos, porque não está em discussão o governador da província de S. Thomé; quiz apenas referir-me a um facto só, que mostra que por parte do governo não tem havido a comprehensão verdadeira dos interesses d’aquella colonia para a fazer progredir como devia ser, e como tinha direito a ser.

Disse o sr. presidente do conselho que eu fui o auctor do codigo de 1886, e que, portanto, devia rejubilar-me pelo facto de se applicar á província de S. Thomé uma disposição d’esse codigo.

Se o sr. ministro da marinha resolvesse applicar ás províncias ultramarinas o codigo administrativo de 1886, com algumas modificações o que julgassem conveniente, eu nada tinha a dizer, e, pelo contrario, louvaria o ministro que tal determinasse.

Mas o que se fez não foi isso; foi ir tirar ao codigo de 1886 uma disposição especial para applical-a, durante o periodo eleitoral, aos cavalheiros que tinham pertencido á camara municipal dissolvida, e que por essa maneira ficaram inhibidos de se apresentarem como candidatos perante o collegio eleitoral.

Quer isto dizer que o governador tinha justos receios do que elles fossem reeleitos; e por isso, depois da dissolução da camara, solicitou do sr. ministro da marinha que, usando das attribuições que lhe confere o acto addicional, decretasse a applicação excepcional e ad hoc de uma disposição especial do codigo de 1886 á provincia de S. Thomé, a fim de arredar da urna os individuos que pertenciam á camara dissolvida, e que estavam a ponto de serem reeleitos.

Contra isto é que eu protesto. Este facto é que eu reprovo.

O sr. presidente do conselho não póde, de modo algum, defender-se allegando que o codigo de 1842 está obsoleto, e que devia de ha muito desapparecer do ultramar; porque s. ex.as estão ha perto de dois annos no poder e já têem tido tempo de substituir esse codigo pelo de 1886 ou qualquer outro; mas o que não podem é, com justificada rasão, vir dizer ao parlamento que applicaram o codigo de 1886 ás províncias ultramarinas, o que é um progresso. S. ex.as só mandaram dizer ao governador de S. Thomé que publicasse no Boletim official uma disposição especial d’aquelle codigo para arredar da eleição os individuos que tinham pertencido á camara diissolvida.

Foi contra isto que eu protestei; e o sr. presidente do conselho ha de estar convencido de que o acto praticado pelo sr. ministro da marinha 6 absolutamente insustentável, porque é um acto do favoritismo.

Se o sr. ministro da marinha entendia que era chegada a occasião de reformar a legislação administrativa de 1842, em vigor no ultramar, tivesse feito isso por uma disposição de caracter generico, c não o fosse fazer unicamente para acudir á eleição de S. Thomé.

O que não se póde justificar c o facto que s. ex.a praticou para salvar o governador que tinha dissolvido indevidamente uma camara municipal.

Soffresse o governador as consequências do seu acto; que o julgassem os eleitores de S. Thomé, e depois do condemnado perante a urna, o sr. ministro da marinha procedesse então como entendesse.

Antes d’isso, porém, privar alguns cidadãos de um direito que tinham, esbulhar esses cidadãos das suas garantias constitucionaes, por um decreto transmittido pelo te-