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298 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Nem mesmo elogios permittia que se fizessem! E com toda a razão, porque o proprio elogio aqui proferido fica sujeito á discussão, sob pena de se restringir a liberdade da palavra. A pessoa do Soberano está fora, porque está acima do elogio e do vituperio. É assim que a Constituição a considera: absolutamente indiscutivel.

E era algum demagogo ou algum jacobino o homem que presidia a esta, em todos os tempos, respeitavel assembleia?

Não, Sr. Presidente, era o Duque de Palmella.

Era o homem que com a sua finissima diplomacia tinha ajudado a fundar o Governo Constitucional, como Saldanha e Terceira o tinham conquistado com a lamina fulgurante das suas espadas.

O seu busto está ali! (Apontando para elle). E se o marmore fosse susceptivel de impressões, quantas vezes se teria arripiado ao ouvir e presencear as discussões nesta casa do Parlamento, provocadas sempre pelo Governo, arrastando para ellas a sagrada e inviolavel pessoa do Chefe do Estado!

Supponho ter exposto a boa doutrina e creio que se o Governo a tivesse seguido, e se o Sr. Presidente do Conselho, em vez de andar pelos comicios fazendo programmas e inventando theorias, por mais brilhantes que fossem, falasse á sociedade portugueza do alto da sua magistratura, não por meio de discursos, mas por meio de providencias convenientes; não por palavras, mas por acções; se S. Exa., sobre ser um orador eloquente, fosse um estadista sempre energico, veriamos, com legitima gloria para S. Exa., que esta anarchia, que infelizmente presenceamos, teria desapparecido, e não seria necessario fazer, como agora se faz, uma lei para reprimir aquillo que elle mesmo provocou; para cohibir aquillo de que na verdade foi elle o principal agente.

Poderia alongar-me muito mais ainda na parte puramente politica, mas creio ter demonstrado sufficientemente á camara que foi a postergação dos verdadeiros principios constitucionaes que originou os factos que se pretendem regular agora por meio de novas leis.

Está o Rei em discussão sem duvida alguma. É um facto inegavel. Mas pode o Governo por meio d'estes processos vexatorios, evitar essa discussão? Não pode.

Em primeiro logar, o Governo não tem autoridade politica para o fazer, e em segundo logar o remedio que apresenta para curar tão grave mal, longe de o attenuar, só serve para o recrudescer, porque a reacção será tão violenta que, se o Rei até agora tem sido muito discutido, d'aqui para o futuro mais o será ainda.

Sr. Presidente: vou agora examinar o elixir, ver quaes as propriedades d'este remedio, que se suppõe infallivel, indagando se elle pode curar o doente e satisfazer ás necessidades a que é urgente attender.

Vou por consequencia entrar na segunda parte do meu discurso, que é o exame technico, juridico, o exame a que não posso faltar, porque de contrario dir-se-hia que eu não só tinha abandonado o projecto, mas que não cumpria as minhas obrigações profissionaes.

Este projecto synthetiza-se no seguinte: o que havia de mau na actual lei de imprensa ficou; o que havia de bom e toleravel foi modificado para peor no sentido anti-liberal.

Eu tenho pena de que não esteja presente o Digno Par Sr. Beirão, o auctor da lei de 1898.

Vejamos quaes os pontos da lei em vigor que deviam, no meu entender, ter sido modificados.

Começo pela apprehensão.

Até agora, segundo a lei de 1898, havia a apprehensão dos jornaes em certos e determinados casos.

Ora, Sr. Presidente, eu nunca reconheci, não reconheço, nem hei de reconhecer, a legitimade, em caso nenhum, das apprehensões.

Ou a apprehensão se faz antes do jornal ter sido distribuido pelo publico, ou ella se realiza antes da publicação. A apprehensão envolve sempre a censura. E uma de duas: ou a apprehensão se faz antes da distribuição e ao sair o jornal da officina e temos a censura previa, ou se faz depois de ter começado a distribuição, e temos igualmente a censura. A censura não deixa de ser previa por se fazer depois da impressão; é sempre previa quando for anterior ou preliminar ao acto da publicação.

A censura é mais prejudicial ainda quando se exerce depois da impressão, porque, alem dos vexames que tinha a censura antiga, é tambem aggravada pela perda das despesas de impressão.

Se a censura se faz depois da distribuição do jornal, a censura é absurda e não evita o delicto, porque este não é maior ou menor conforme a tiragem do jornal, nem conforme o numero dos exemplares que tiverem sido vendidos, aliás o delicto ficaria sujeito a uma escala penal tão larga e a penas tão diversas quanto o fosse o numero dos exemplares expostos ao publico.

Em caso nenhum é applicavel a censura, já porque é contra as disposições da Carta Constitucional, quando fôr previa, já porque depois da publicação do jornal é inconveniente e contraproducente. É inconveniente, porque não consegue o fim que pretende attingir, pois que o delicto já está praticado, e contraproducente, porque excita no publico o desejo de ler a publicação apprehendida.

O que deve fazer o Governo é abolir de vez a apprehensão.

Mas o Governo não procede assim. O projecto admitte a apprehensão para as publicações estrangeiras e para as folhas periodicas que contiverem offensas aos Chefes de Estado estrangeiros, quando se encontrem no reino. Mas o que é realmente curioso, para não empregar outro termo, é o modo como é regulada nestes casos a apprehensão.

O jornal que insere uma offensa ao Chefe de Estado estrangeiro, de passagem em Portugal, é apprehendido e os vendedores ou distribuidores são enviados para o juiz, que tambem recebe um dos exemplares offensivos.

Para que é enviado o jornal ao juiz?

Dir-me-hão, naturalmente: para o juiz julgar da validade ou nullidade da apprehensão.

Mas qual é a disposição do projecta que diz isso? Nenhuma. E nem se pode applicar subsidiariamente a disposição da lei antiga, porque, convertido o projecto em lei, é ella que regula exclusivamente toda a materia de liberdade de imprensa.

A verdade é esta: admittiram apprehensões, mas esqueceram-se de acrescentar as disposições regulamentares respectivas, que existem na lei actualmente em vigor.

É apprehendido o jornal que traga offensas aos Chefes de Estado; é remettido para o poder judicial. Está isso no pensamento do Governo. Mas o que faz o juiz?

No systema actual apreciava o facto da legalidade ou illegalidade da apprehensão, porque a lei lhe dava essa faculdade, e lhe marcava essa competencia; concedia ou negava perdas e damnos ao responsavel pela publicação, facultava-lhe os competentes recursos, mas no projecto em discussão tudo isto foi omittido, porque os auctores do projecto não se lembraram de lhe introduzir os preceitos complementares da apprehensão.

D'esta maneira o redactor do jornal apprehendido fica sem as garantias que lhe concedia a lei de 1898.

É um proposito ou foi um equivoco na redacção do projecto? Responda o Sr. Ministro da Justiça ou o Sr. relator da commissão.

O que é manifesto é que os jornaes continuam a ser apprehendidos em determinados casos, tendo sido expungidas as garantias, embora restrictas,que a lei actual concedia aos donos de jornaes apprehendidos.