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SESSÃO N.° 30 DE 26 DE FEVEREIRO DE 1907 301

não me atrevo a pronunciar do alto d'esta tribuna? (Riso).

E não seria irracional encontrar aqui uma falta de respeito ao Rei?

Podia comprehender-se por acaso que um homem que tinha recebido a maior prova de confiança do soberano, que com elle partilhava na administra cão do Estado, empregasse uma expressão que pudesse reputar-se offensiva?

Não. Ninguem bem intencionado pode ter duvidas a esse respeito. É que muitas vezes no calor da palavra, nos arrebatamentos da eloquencia, que é tanto mais convincente quanto mais espontanea, saem termos que, pelo exagero do combate, excedem o pensamento de quem os emprega.

Eu proprio, Sr. Presidente, quantas palavras não terei proferido, e agora mesmo durante esta discussão, que possam ser mal interpretadas como faltas de respeito para quaesquer pessoa e até para o proprio Chefe do Estado! De um acto meu me recordo perfeitamente que constitue pelo projecto um verdadeiro delicto de imprensa.

Trabalhei na imprensa durante alguns annos e lembro-me de que, tratando-se de uma dissolução das Côrtes, feita sendo Ministro do Reino o Sr. João Franco, sob a presidencia do Sr. Hintze Ribeiro, ataquei o Chefe do Estado, sustentando que elle praticava um erro, satisfazendo a vontade do seu Governo.

Isto é realmente um delicto, porque delicto é censurar o Rei pelos actos dos seus Ministros.

E toda a gente sabe que eu, em quaesquer circumstancias da minha vida, seria incapaz de faltar ao respeito que devo ao Rei, já pela alta situação constitucional em que se acha collocado, já pelo decoro que devo ás funcções sociaes de que elle, como chefe do poder executivo, me tem investido.

Dir-me-hão, que esta disposição não é nova e que já existia na lei actual. É certo. Mas que differença profunda no seu modo de applicação!

O processo seguido actualmente para a perseguição dos delictos da imprensa, disiancia-se largamente d'aquelle que vae ser adoptado.

Estava nas mãos do Governo a direcção da acção criminal contra os jornalistas; agora fica sob a vigilancia de um tribunal especial.

Eu não tenho medo da disposição da lei nas mãos do Governo, porque elle, antes de mandar perseguir um jornalista, ponderava todas as circumstancias de conveniencia publica, attendia até á situação especial das pessoas, apurava das suas intenções e do alcance das suas palavras e muitas vezes reconhecia que a applicação da lei.

de imprensa podia occasionar mais prejuizos do que a tolerancia em deixar circular livremente o jornal.

Se o tribunal vigilante encontra uma expressão qualquer que possa representar falta de respeito, ainda que não tenha havido intenção, o jornalista tem sempre deante de si ou o vexame das explicações em audiencia de julgamento, ou a pena de seis mezes de cadeia!

Aqui tem V. Exa. como as mesmas disposições na lei de 1898 não produzem os mesmos resultados que hão de produzir no actual projecto, porque varia completamente o systema da perseguição dos delictos de imprensa, e se até agora podia haver tolerancia, d'aqui em deante só pode haver severidade.

Mas vamos á questão do jury.

Eu quero o jury para a imprensa. A liberdade de imprensa nasceu com o jury.

No dia em que supprimirem o jury acabou a liberdade de imprensa. (Apoiados).

Como é que liberdade de imprensa nasceu em Portugal com o jury?

Aqui está a sua certidão de nascimento:

O registo é a Constituição de 1822.

Seja aberto esse codigo sagrado e seja lido o assento no meio da veneração de nós todos:

«A livre communicação dos pensamentos é um dos mais preciosos direitos do homem.

Todo o portuguez pode conseguintemente, sem dependencia de censura previa, manifestar suas opiniões em qualquer materia, comtanto que haja de responder por abusos d'esta liberdade nos casos e pela forma que a lei determinar.

As Côrtes nomearão um tribunal especial para proteger a liberdade de imprensa.

Haverá juizes de facto, assim nas causas eiveis como nas crimes, nos casos e pelo modo que os codigos determinarem.

Os adidos de abuso de liberdade de imprensa pertencerão desde já ao conhecimento d'estes juizes».

Aqui está a certidão do registo civil ou, antes, do registo constitucional do nascimento da liberdade de imprensa. Nasceu com o jury. São irmãos gemeos.

Alem do jury, aqui está um tribunal special, não para perseguir os que praticavam abusos de liberdade de imprensa, mas para os proteger quando eram dignos de protecção.

Agora a obra da revolução de setembro, a criação de Manoel Passos.

Fala a Constituição de 1838:

«Nos processos de liberdade de imprensa o conhecimento do facto e a qualificação do crime pertencerão exclusivamente aos jurados».

Até a qualificação do crime!

Agora pergunto eu: será um pensamento revolucionario dizer que se torna indispensavel o julgamento pelo jury dos delictos de imprensa? Pois não foram essas as ideias com que nasceu o systema liberal entre nós?

A lei de 1834, que foi a primeira do nosso regimen constitucional sobre liberdade de imprensa, estabelece o jury e o jury vigorou nos delictos de imprensa até 1884.

Durante 50 annos o jury acompanhou sempre a liberdade de imprensa.

Quantos periodos calamitosos da nossa historia atravessou a liberdade de imprensa sempre ao lado do jury! O periodo revolucionario de 1830, o periodo conservador de Costa Cabral desde 1842, em que foi restaurada a Carta, até 1851, o periodo nem sempre socegado da regeneração.

Pois no meio de todas as luctas intestinas que occorreram n'este paiz, no meio das maiores aggressões da imprensa, no meio dos debates mais vehementes, em que se aggrediam mutuamente homens e partidos, e em que a propria pessoa do reinante não era poupada, o jury conservou-se sempre como uma regalia inquebrantavel.

Nenhum dos nossos homens de Estado, por mais conservador e reaccionario que fosse o seu systema de governo, teve coragem para o supprimir.

Já V. Exa. vê que defender o jury não é difficil; o que é difficil é combatê-lo. Bastam estes exemplos historicos de 50 annos para se poder affirmar que a monarchia pode viver muito bem com a liberdade de imprensa, reprimida nos seus desmandos, quando os tiver, por essa instituição tradicional que se chama o jury.

Mas como e porque motivos foi supprimido o jury em 1884?

Agora entro eu em scena, podendo repetir o que disse o poeta clássico: quoeque ipse vidi et quorum pars magna fui.

Eu entrei para o Ministerio da Justiça em 1881. Tinha havido pouco tempo antes a chamada conferencia de Caceres. O rei D. Luiz tivera ali uma entrevista com Affonso XII. E eu posso asseverar a V. Exa., assim como o pode fazer o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, Ministro dos Negocios Estrangeiros n'essa occasião, que n'essa conferencia não se trocou uma unica palavra acêrca de relações entre Portugal e Hespanha, nada houve que pudesse directa ou indirectamente ligar-se com a politica internacional. Foi uma entrevista puramente cerimoniosa, em que