O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

387

O exercicio desta attribuição das Côrtes, não depende da Sancção Real, nem do assentimento, modo de vêr, ou de julgar de uma das Camaras, ambas são independentes, e com responsabilidade propria, moralmente faltando, e compete a qualquer dellas, tanto por meio de Propostas de Lei, se tracta de constituir ou declarar, como por meio de admoestações ao Governo, interpellações, votos de censura, e outros parlamentares de que temos tantos precedentes, e que são respeitados em todos os paizes que tem Parlamentos e Governos, que presam a moralidade e a legalidade, e sabem sentir a força moral que resulta de similhantes manifestações.

A Commissão fulminou a Proposta do D. Par o Sr. C. de Lavradio com um Parecer de rejeição como se ás Côrtes sómente compelisse fazer Leis, seguindo se os tramites marcados na Carta, e pelo que acabo de ter a honra de expor á Camara parece que ha nisto uma grave inexactidão, e um falso supposto, que torna inconcludente um tal Parecer.

Não é só pelo dever que em geral impõe a Carta do §. 7.º do artigo 15.° de velar na guarda da 'Constituição, que a Proposta do D. Par devia merecer outra contemplação, era ainda em especial, em vista do artigo 85.° da mesma Carta, e do Decreto de 18 de Março de 1834, commettendo ás Côrtes o cuidado particularmente nas acquisições e construcções que ellas julguem convenientes á decencia e recreio do Rei. Se os bens nacionaes, como são os do antigo Almoxarifado do Alfeite, e os 'outros destinados para a pessoa de Sua Magestade a Rainha, pelo artigo 2.° do Decreto de 18 de Março de 1834 não podem ter outra applicação, alem do recreio e decencia de Sua Magestade; se. o juizo das conveniencias com applicação a este fim politico é da exclusiva competencia das Côrtes; se o attender e prover ao que exigem essas conveniencias é uma obrigação imposta ás mesmas Côrtes; se é de rigor logico que a Carta não podia querer um fim, nem impor a respeito delle uma obrigação, sem authorisar desde logo virtualmente o emprego de todos os meios parlamentares tendentes a affastar quando podesse prejudicar ou empecer a consecução do mesmo fim; se em uma palavra ás Côrtes compete velar na guarda da Constituição, parece-me que a Camara deixará de cumprir um dos seus mais sagrados deveres, se por todos os meios que estiverem ao seu alcance não fizer examinar se o contracto do arrendamento do Almoxarifado do Alfeite foi ou não um acto nullo, um acto exorbitante da Vedoria da Casa Real, e como tal offensivo da competencia das Côrtes, seja em geral sobre os bens do Estado nos termos do §. 13.° do artigo 15.° citado na Proposta do D. Par o Sr. C. de Lavradio, seja em particular sobre bens immoveis destinados para I decencia e recreio da Rainha nos termos do Decreto de 18 de Março de 1834, do mesmo modo que os palacios e terrenos de que falla o artigo ' 85.° da Carta. Era vista do que acabo de dizer, e do que já tive a honra de expor quando comparei os dois contractos pelo lado da legalidade, parece me haver demonstrado que ò dever desta Camara exige que ella approve a Proposta do D. Par o Sr. C. de Lavradio, e por isso hei-de votar contra o Parecer da Commissão.

Tenho ouvido dizer a homens de lei, e que teem pratica do fôro, que os maus pagadores, os injustos detentores, e outros responsaveis, se consideram muito felizes quando, sendo demandados, podem impugnar a competencia do meio, ou do processo, fazendo por esse modo de cahir o seu contendor. Ainda que assim fique sempre salvo o renovar-se a questão principal em outro processo mais curial, o resultado é comtudo no entretanto prolongar-se a intrusão do injusto possuidor, ou adiar-se o cumprimento da obrigação.

É precisamente o que está acontecendo com a Proposta do Sr. C. de Lavradio. Na essencia o Parecer da Commissão importa o mesmo que a rejeição da Proposta do D. Par por inepta e por incompetente, sem se entrar por ora no merecimento da questão principal, e o resulta lo seria ficar o Sr. C. de Thomar no goso do Alfeite e suas dependencias. O amor do Sr. Conde ás suas conveniencias não lhe deixará rescindir o seu contracto; pouco lhe importa que os Tribunaes pensem ou possam julgar de um modo differente do que lhe convem; e uma Lei interpretativa sobre tal objecto como depende da Sancção Real, e das duas Camaras, não lhe causa o menor recreio.

Mas, Sr. Presidente, o negocio é de summa gravidade, o seu ecco tem repercutido em todos os cantos do Reino, em todos os partidos, em todas as classes, em todos os individuos tem elle causado a mais profunda sensação.

Encarecidamente rogo aos D. Pares, que antes de emittirem o seu voto se lembrem que approvando o Parecer da Commissão farão vêr ao Paiz que o Sr. C. de Thomar possue o Alfeite e suas dependencias sem que nos meios regulares haja algum, que apresente apparencia de probabilidade para expellir a intrusão do Sr. Ministro de um dos palacios de nossos Reis que occupa como proprio.

Oxalá que as consequencias deste desengano não sejam as que eu antevejo (Muitos apoiados. — O N. Orador foi cumprimentado pelos seus amigos).

O Sr. Duarte Leitão — Sr. Presidente, incumbe-me como membro da Commissão, e julgo opportuno dizer algumas palavras, para sustentar o Parecer que assignei. Confesso que depois que ouvi dizer ao D. Par o Sr. C. de Lavradio, que estava de accôrdo com a Commissão nas proposições ou idéas que ella emittia, fiquei mais animado, e com mais alguma segurança de que eu conseguiria demonstrar que o Parecer da Commissão não deve de maneira alguma ser rejeitado. Já se vê para não desejando mais do que defender o Parecer da Commissão, não entrarei por modo algum em ri flexões que possam de certa maneira parecer arguições pessoaes, nem tambem no fundo da questão, isto é, no ponto da nullidade do contracto,

Concordo inteiramente com o D. Par na declaração que fez, de que não era por motivo de odio, ou de alguma outra paixão menos justificavel, que se havia trazido á discussão este negocio. Declaro que não attribuo, nem nunca attribui senão ao zêlo da causa publica, ao zêlo do cumprimento de um dever, e a nada mais a apresentação deste negocio no Parlamento. Digo-o com toda a sinceridade, o esteja S. Ex.ª certo disso; porque o conceito que agora faço de S. Ex.ª é-o mesmo que sempre fiz.

Disse o D. Par que quem lesse o Parecer da Commissão, e não tivesse lido a Proposta que S. Ex.ª havia offerecido, parecer-lhe-ia que seria difficil combater o Parecer; mas que na verdade a Commissão não tinha attendido ao pensamento da Proposta. Eu entendo que No Parecer está em perfeita conformidade com a Proposta, a qual está incorporada nelle, e diz que em execução do §. 13.° do artigo 15.° da Carta Constitucional se indique ao Governo a necessidade de dar conhecimento da escriptura, e de todo o processo do arrendamento ao Procurador Geral da Corôa, a fim de que este promova perante os Tribunaes o que segundo Direito cumprir, etc.... Se a arguição da parte de S. Ex.ª é que effectivamente a Commissão não deu um Parecer em conformidade com a sua Proposta, declaro que não acceito a arguição porque a Commissão considerou attentamente os termos da Proposta, e o pensamento della, e rejeitou-a tal qual ella se acha escripta.

Disse S. Ex.ª, e disse muito bem, que a Commissão não defendia o contracto do Alfeite: é verdade, a Commissão não defende o contracto, nem o ataca; exclue essa discussão, porque entende que a Camara dos Pares não tem direito de prevenir Authoridade alguma com a resolução que S. Ex.ª propõe, declarando nullidade, e violação de Lei em um contracto de arrendamento, celebrado entre partes, que podem competentemente litigar sobre seus direitos. Portanto o que está em discussão não é o contracto do Alfeite, é o Parecer da Commissão (Apoiados); é a questão unica da incompetencia ou excesso de poder. E esta questão é grave, e de grande importancia; e pela minha parte estou muito longe de entrar na apreciação da validade, ou nullidade do contracto do Alfeite; e muito menos na comparação deste contracto com outros, que se tenham feito. Mas se eu julgasse que era proprio, e opportuno tractar destas questões, não me seria talvez difficultoso resumir, ou referir as reflexões, que se tem feito em varios escriptos que se tem publicado. Não seria muito difficultoso aprender nas producções, que tem apparecido, escriptas com exactidão de lingoagem, e com esmero, as objecções que se tem | feito contra este contracto; assim como tambem nos escriptos que a necessidade da defeza tem suggerido, não seria difficultoso ver as soluções que se tem dado ás difficuldades propostas; e a cada objecção sua resposta. Mas eu não posso, nem devo emittir opinião sobre taes questões. Se alguma vez em razão do meu dever tiver de pronunciar sobre este objecto, então julgarei ou votarei, tendo empregado os meios legaes de instrucção, como a minha consciencia me inspirar.

O paragrapho 13.°. do artigo 15.° da Carta Constitucional, diz que compele ás Côrtes regular a Administração dos Bens do Estado, e decretar a sua alienação; e é claro, como diz a Commissão, que segundo este paragrapho as Côrtes teem a attribuição de regular esta Administração por actos Legislativos; e já S. Ex.ª de algum modo concordou em que delle senão podia concluir o que S. Ex.ª propoz. É exactamente o que a Commissão entende, que segundo este paragrapho não se deduz delle a proposta do D. Par, mas sim se poderia fazer outra proposta, (Apoiados) tendente a regular por Lei a Administração dos Bens do Estado; e effectivamente algumas Leis se teem feito para regular a Administração destes Bens, assim como para decretar a sua alienação. A respeito dos Bens de que tracta o artigo 85.° da Carta Constitucional, e o Decreto de 18 de Março de 1834 e a Lei de 19 de Dezembro de 1834, podem sem dúvida as Côrtes, se reconhecerem necessidade de interpretação do Direito existente, fazer por Lei as declarações que julgarem justas. Podem interpretar com tanto que debaixo do pretexto de interpretação não se derrogue disposição alguma Constitucional sem as formalidades legaes. Podem tambem restringir, e modificar por interesse publico o direito que o artigo da Carta dá ao Rei com tanto que debaixo deste pretexto o não destruam; porque se as disposições Constitucionaes não obrigam o Corpo Legislativo, então a Carta não garante nada. Podem por exemplo as Côrtes achar questionável e duvidoso se o paragrapho 13.° comprehende ou não comprehende na sua generalidade os Bens de que tracta o artigo 85.°, visto que uns são alienáveis, e outros são necessariamente transmissiveis ao successor. Podem entender que é duvidoso, se pelo artigo 85.° tem o Rei um Direito Inere, o usufructo ou mais que o simples usufructo nos Bens que lhe pertencem continuando a posse dos seus antecessores. Podem decidir, se a estes bens se poderia sómente applicar o paragrapho 21.° do artigo 145.° relativo á expropriação por causa do interesse publico, e não a disposição do §. 13.° do artigo 15 ° Podem achar dúvida nestes e em outros pontos; e mesmo se entenderem que o Direito é claro, que a Propriedade se regula pelo Direito commum quando não ha Lei especial: Se entenderem que não ha Lei que declare o Rei incapaz de ter os Direitos que tem qualquer uso fructuario: Se acharem, que não precisa de explicação a palavra — fruição — empregada na Lei de 19 de Dezembro de 1834, assim mesmo podem as Côrtes por motivo do Bem publico fazer as restricções e modificações que forem compativeis com o Direito que ao Rei deu a Carta Constitucional, e que forem exigidas pelo interesse do Estado; e qualquer que seja a discussão e deliberação sobre estas restricções e modificações ella pão versará, sobre especie individual,

Tudo isto é da competencia das Côrtes, que se compõem da Camara dos Pares e da Camara dos Deputados; mas a resolução que se propõe, tomada só pela Camara dos Pares, e versando unicamente sobre um caso especial excede os poderes desta Camara. A proposta reduz-se a que se declare a nullidade do Contracto e que se intime o Governo, para que faça solicitar dos Tribunaes a sentença Judicial da nullidade. Não é propor-se uma Lei: Não é propor-se uma resolução que haja de ser remettida á outra Camara para ser discutida e apresentada depois á Sancção do Rei; mas sim propor-se que a Camara dos Pares que não é senão parte ou um dos ramos do Poder Legislativo, faça uma declaração official sobre a nullidade de um Contracto, e influa no Governo, para que pelos seus agentes sollicite a sentença Judicial. A declaração da nullidade é o fundamento da resolução que se propõem, é indivisível, é a causa unica.

A Camara dos Pares não tem este direito. Nenhum artigo da Carta lhe dá esta attribuição, nem expressamente, nem como consequencia de sua disposição. Nos artigos da Carta que marcam as attribuições exclusivas da Camara dos Pares encontra-se sim determinado que ella é Tribunal competente para julgar os Ministros, mas não se encontra disposição alguma com a qual se possa combinar o direito de tomar resoluções analogas aquella que se propõe. Como parte do Corpo Legislativo as suas deliberações hão de ser remettidas á outra Camara para seguirem os termos que marca a Constituição.

A Camara, creação da Carta, não tem mais nem menos attribuições que as que se acham nella marcadas. A Carta quiz o principio fundamental da divisão dos Poderes, e se ella pôz este principio como base de toda a organisação; se neste principio assentam todas as garantias, certamente foi para que nenhum dos Poderes ultrapassasse os limites dessa divisão. Esses limites não os deixou a Carta á imaginação de ninguem, declarou-os muito bem declarados.

Bem longe de ser apoiado pela Carta o procedimento, que se propõe, é contrario ao caracter da Camara dos Pares, e á natureza da sua instituição. A Camara dos Pares moderada, conservadora, destinada a evitar resoluções precipitadas, e cujas decisões devem sempre ser muito pausadas, e meditadas (Apoiados), daria ella o exemplo da precipitação, discutindo, votando, e publicando a declaração da nullidade de um contracto, em que ha partes interessadas, sem meios alguns regulares de instrucção? A Camara dos Pares com o seu caracter de imparcialidade, á qual as personalidades são ainda mais extranhas -do que a outro qualquer logar (Apoiados), arriscar-se-ia á imputação de prevenção a respeito de pessoas, fazendo a denuncia que se propõe? Esta declaração involve necessariamente a imputação de erro, ou de prevaricação, e por consequencia de responsabilidade do Védor da Casa Real. Esta declaração tende a influir indevidamente nos Juizes (Apoiados). Pensa alguem que as partes se não haviam de queixar, de que a authoridade tão ponderosa da Camara era empregada para influir no julgamento? E isto em virtude de uma opinião emittida, não na sua capacidade legislativa, mas em um caso especial. Haviam de queixar-se os litigantes, como já aconteceu em outro caso, que teve logar, não nesta Camara, nem na actual Camara dos Deputados, mas em outra; haviam de queixar-se de que os Pares tinham procurado concorrer para que fossem lezados nos seus direitos, e nos seus bens sem terem poder para os julgar, nem caracter para os denunciar (Apoiados).

Agora, Sr. Presidente, é preciso examinar os argumentos com que o D. Par quiz de novo fundamentar a sua proposta, reconhecendo assim não só a conformidade do parecer da Commissão com a mesma proposta, mas a sua concludencia. Diz o D. Par que as Côrtes têm obrigação de velar pela observancia da Constituição e das Leis; e que a Carta, no artigo 139.°, diz que as Côrtes examinarão se a Constituição tem sido exactamente observada para prover como for justo. É verdade: as Côrtes, que são compostas de duas Camaras, tem obrigação de prover como for justo para evitar os abusos que se tiverem introduzido; e a Camara dos Pares é obrigada a vigiar pela observancia da Constituição e das Leis, mas na esphera das suas attribuições (Apoiados). Pôde a Camara dos Pares propôr uma Lei, e para este fim exigir as explicações e informações que julgar necessarias. Podem fazer-se interpellações, e tudo isto em consequencia das attribuições que á Camara são concedidas, porque são os meios necessarios para o exercicio dellas, a fim de concorrer para os actos legislativos. A Commissão de inquerito é igualmente da natureza da Instituição; e ainda que precise ser regulada por uma Lei, existe com tudo o principio, porque toda a authoridade que tem de resolver e decidir deve poder inquirir, e tem direito a informar-se. Sr. Presidente, todos os Poderes politicos do Estado são obrigados a vigiar pela observancia da Constituição e das Leis, mas cada um delles segundo a natureza das suas attribuições, e no circulo dellas. O Poder Moderador, diz o artigo 71.?, que incessantemente vele. O Poder executivo deve vigiar sobre a execução da Constituição e das Leis; e o Rei, como Chefe do Poder executivo, presta juramento de fazer observar a Constituição e as Leis. Até mesmo o Poder judicial é encarregado de vigiar conformemente ao caracter, das suas funcções nos termos que as Leis marcam, e nos objectos que ellas determinam.

Disse um N. Orador, que a Camara dos Pares era sentinella que devia vigiar; quero que seja sentinella, quero que vigie, e mesmo que grite bem alerta, mas não quero que saia do seu posto (Vozes — Muito bem).

Sr. Presidente, se pelo motivo do interesse publico que se allega, se pelo motivo de ser obrigada a Camara a vigiar pela observancia das Leis, se concluisse que ella tem direito de tomar esta resolução em caso especial, necessariamente o havia de ter em todos os casos em que se desse a mesma ou maior razão; e havia de fazer-se desse direito a mesma applicação (Apoiados). Se a Sentença dos Juizes sobre o contracto declarasse a sua validade; e parecesse á Camara que elles tinham violado a Lei, e dolosamente auctorisado a dilapidação dos bens do Estado, teria a Camara o direito de mandar vir o Processo e a Sentença, e declarar que ella era nulla, que os Juizes devem ser processados, porque nada importa mais á Causa publica do que ficarem sem reparação e impunes taes factos, e se o Poder Judicial é independente os Juizes são responsaveis (Apoiados).

Quaes seriam então os limites que houvessem de marcar-se á auctoridade da Camara? Ninguem os poderia achar; e de consequencia era consequencia tudo se acharia era confusão, e a Carta ameaçada de se abusar. Sr. Presidente, disse um N. Orador que se devia advertir o Governo. É verdade: as Camaras tem direito e obrigação de advertir o Governo. Não só advertir o Governo, mas toda a nação. Este é o effeito das discussões, das explicações, é das interpellações. Poderá pensar-se que mesmo no caso presente o Governo não esteja bem advertido? Eu sou o primeiro a reconhecer o direito de fazer interpellações, porque ainda que não ha artigo algum da Carta, que expressamente as auctorise, comtudo são uma consequencia immediata de suas disposições; mas intendo que ellas devem versar sobre esclarecimentos de factos, e não converterem-se em accusações improprias; e a este respeito, já que fui levado a fallar nesta materia de interpellações, peço á Camara me permitia lêr uma passagem dos escriptos de um homem cuja auctoridade ninguem aqui ha-de rejeitar; fallo do S. Silvestre Pinheiro (O Sr. C. da Taipa — Pois eu rejeito). Depois de ter dito que as interpellações devem ser feitas com a necessaria prudencia, que não devem ter logar sem que primeiro haja uma Commissão em particular; para prevenir os abusos que muitas vezes se tem feito das interpellações, diz o seguinte:

«Pareceu necessario regular por este modo o direito de censura, bem como o de accusação dos Funccionarios publicos em geral, e dos Ministros de Estado em particular; a fim de se atalharem de uma vez as indecentes scenas que offerecem cada dia as Assembléas legislativas dos diversos Governos representativos, onde os membros, aliás circunspectos, do Congresso, levados de verdadeiro ou de falso zêlo, não achando na Lei regra de conducta, atacam, umas vezes directa outras indirectamente, os Agentes do Poder: de ordinario com acrimonia, e de um modo irritante; e sempre com grande quebra de dignidade, tanto do Governo, como do Congresso.»

Já se vê que o Sr. Silvestre Pinheiro não se referiu aqui especialmente a nenhuma das nossas Camaras, e eu tambem não me refiro a facto nenhum particular; digo só que julguei proprio lêr esta passagem, por isso que se tinha fallado em interpellações, e eu dizia que ellas se deviam fazer com a maior prudencia e moderação.

Tambem se disse que este objecto era de grande consideração politica; e que em outros Paizes assim se tinha reputado, legislando-se relativamente ao direito que ao Rei compete sobre os bens affectados á dotação da Corôa. É verdade. É um objecto de grande consideração politica, e em outros Paizes se tem tomado providencias legislativas sobre os arrendamentos dos bens da dotação ela Corôa; e eu poderia, se fosse necessario, referir algumas dessas disposições decretadas para o futuro; e nas quis se tem reconhecido com algumas restrições o direito de arrendar esses bens. Mas de resolução, similhante a esta que se propõe, tomada pelas Camaras em caso especial, e antes de feitas essas Leis, não sei que haja exemplo; póde ser que o haja, mas eu não tenho disso noticia alguma.

Quando se tractar de fazer alguma Lei sobre este objecto, é justo, é conveniente que examinemos o que se tem legislado em outros Paizes; mas os Juizes que houverem de decidir qualquer questão que se lhes apresente sobre estes Contractos, parece-me que elles examinarão primeiro as Leis, que ha em Portugal, para decidir o caso, antes de procurarem saber o que se tem feito em outros Paizes. Parece-me que os Juizes, antes de irem á Inglaterra, e dahi passarem á França, e dahi passarem á Belgica, hão-de primeiro ver qual é o Direito portuguez para nelle fundarem a sua sentença. Mas seja qualquer que fôr o julgamento dos Tribunaes, e seja qualquer que fôr a resolução desta Camara, quando se tractar de discutir uma Proposta de Lei, o certo é que a resolução que agora se propõe não póde ser sustentada com os artigos da Carta que se teem citado, porque o artigo 139.°, quando diz que as Côrtes provejam, como fôr justo, claramente determina que estas providencias hão-de ser tomadas por ambas as Camaras, exercendo as suas funcções legislativas.

A Camara dos Pares, sem duvida alguma, póde tambem conhecer especialmente dos factos de dilapidação dos bens do Estado; póde resolver especialmente sobre cada um desses factos; mas sómente quando lhe forem apresentados pelo meio competente da accusação, para julgarem em termos regulares a responsabilidade dos Ministros por dissiparem, ou deixarem dissipar os bens do Estado; mas então mesmo é só criminalmente para julgar os Ministros accusados; e sem que tal julgamento criminal possa de modo algum prejudicar a acção civil sobre um Contracto entre outras partes. Esta Camara, como Authoridade neutral, que sómente por este modo póde conhecer em um processo regular de accusação dos Ministros, não póde agora resolver sobre a validade de Contractos feitos entre partes, cujos interesses possam ser lesados (Apoiados).

Sr. Presidente, não posso deixar de fazer uma ultima observação que é suscitada pelas palavras que disse S, Ex.ª, em quanto affirmou, que se a Camara approvasse o Parecer da Commissão, da