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Camara dos dignos pares

EXTRACTO DA SESSÃO DE 24 DE MARÇO.

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha. Secretarios os Sr.s V. de Gouvêa, Margiochi.

(Assistiam os Srs. Presidente do Conselho, e Ministros dos Negocio» Estrangeiros, da Marinha, e da Fazenda).

Í}ela uma hora e meia da (arde, lendo-se verificado a presença de 42 D. Pares, declarou o Em."° Sr. Presidente aberta a Sessão. Leu-se a Acta da anterior, contra a qual não houve reclamação.

Não houve Correspondencia. O Sr. V. de Si — Vou mandar para a Mesa um Projecto de Lei, que já annunciei outro dia, sobre o embellezamento da Cidade de Lisboa, e a construcção de um cáes na Boa-Vista. O Projecto é o seguinte (leu).

É certo que sem uma construcção desta natureza junto ás margens do rio, será inutil o trabalho que se faz na linha da circumvalação, porque estes trabalhos de circumvalação tem por objecto impedir o contrabando; mas deixando as praias do Boa-Vista, e outras como se acham, torna-se até certo ponto inutil este trabalho da parte da terra, Eu peço que este Projecto vá á Commissão de Administração Publica, para, ouvido o Sr. Ministro do Reino, ella dar o seu Parecer. A Commissão de Administração Publica. O Sr. C. da Cunha declara, que por grave incommodo de saude não podéra vir á Camara no dia 20, e que por esse motivo não assistira á votação do Parecer da Commissão Especial, o qual, se tivesse estado presente, rejeitaria, votando pela admissão do Sr. M. de Vallada (Susurro).

O Sr. V. de Algés — Parece-lhe que não póde ter logar esta declaração (Apoiados repetidos), porque se tracta do um escrutinio secreto, onde ellas não são admittidas (Apoiados). O N. Par faz esta observação porque receia muito estes precedentes (Apoiados).

O Sr. Serpa Machado — Leu e mandou para a Mesa um Parecer da Commissão dos Negocios Ecclesiasticos e de Instrucção Publica.

Foi a imprimir para entrar opportunamente em discussão. Entrou-se na

ordem do dia.

Continuação do Parecer da Commissão de Legislação, sobre a Proposta do Sr. C. de Lavradio, relativa ao arrendamento do Alfeite. O Sr. C. de Lavradio — Sr. Presidente, depois de ter pedido a palavra na Sessão passada, quasi que me arrependi de assim o ter feito, e declaro que hesitei se devia ou não usar della; isto por dois motivos principaes, o primeiro, porque quaesquer que sejam os argumentos, e quaes quer que sejam os esforços que eu empregue para defender a Proposta que offereci á discussão desta

Camara, estou intimamente convencido que o Parecer da Commissão ha-de ser approvado, e por conseguinte a minha Proposta rejeitada: esta é a minha convicção, ou, melhor direi, a minha certeza.

O outro motivo é, porque conheço a posição difficil e desfavoravel em que me acho collocado, tendo de responder ao D. Par que me precedeu, e que é geralmente considerado como um dos mais exímios Jurisconsultos não só deita Camara mas da nação.

Vou portanto fazer a diligencia para responder a alguns dos principaes argumentos que S. Ex.ª apresentou; e se tenho esta ousadia, Sr. Presidente, é pela consciencia de que os principios que defendo são verdadeiros, e então, embora eu tenha quasi a certeza de que hei-de succumbir no combate, julgo que o não devo recusar; e se eu nelle succumbir tenho fé que outros Oradores virão mais esforçados que farão triumphar a verdade e a justiça.

Sr. Presidente, os defensores da verdade, da justiça, e da liberdade, teem sido muitas vezes perseguidos, mas quando a perseguição cessa, os perseguidos são santificados, e os perseguidores são votados á execração publica. Não se julgue que eu me venho apresentar como victima, nem apresentar como perseguidor o D. Par, porque eu bem longe de o considerar como tal, julgo-o defensor da innocencia, e da verdade; e digo mais, eu seria o ultimo que podia considerar a S. Ex.ª como meu perseguidor e inimigo, quando muito me honro com o titulo de amigo de S. Ex.ª, embora discordemos nas discussões parlamentares. Portanto, Sr. Presidente, se por algum lado eu podia considerar o D. Par meu perseguidor, era só pelo lado da força dos seus argumentos, que eu difficilmente poderei combater pela inferioridade dos meus talentos.

Sr. Presidente, antes de entrar no objecto principal para que pedi a palavra, direi duas palavras, e muito poucas, sobre o contracto, que esta Camara mandou imprimir, celebrado pelo Sr. D. de Saldanha com a vedoria da Casa Real; eu muito de proposito, quando fallei nesta questão, não quiz nem de leve tocar naquelle contracto, porque previ que o nobre Duque havia querer dar explicações sobre elle, e então pedia a prudencia que eu esperasse por ellas, para então dar a minha opinião. Não posso deixar de dizer que o D. Par se explicou com tanta clareza, que não me deixou duvida nenhuma sobre o modo porque devia considerar aquelle contracto, posto que algumas antes tivesse; mas S. Ex.ª filiou com a franqueza propria do militar, e com a proficiencia do Jurisconsulto (O Sr. V. de Algés — Apoiado). Depois de ter comparado os dois contractos, e as suas maiores ou menores vantagens, demonstrou S. Ex.ª, que a condição 7.* do seu contracto lhe dava uma natureza inteiramente diversa da do contracto do Sr. C. de Thomar, por isso que por aquella condição 7,* ficava á disposição da Soberana toda a propriedade que se diz arrendada, logo que Sua Magestade della possa carecer para a sua decencia ou recreio, condição esta que se não encontra no contracto do Sr. C. de Thomar. Eu estou convencido que o Sr. C. de Thomar, se acaso a Soberana carecesse da propriedade por S. Ex.ª arrendada, se apressaria a offerece-la; mas o Sr. D. de Saldanha, segundo o seu contracto, não é por generosidade, é por obrigação que ha-de largar a propriedade que lhe foi confiada; portanto, S. Ex.ª não fez um verdadeiro arrendamento, recebeu aquella propriedade por emprestimo, e com obrigação de a entregar logo que fosse necessaria para os usos para que, pela Lei, é destinada. Logo, este contracto do Sr. D. de Saldanha em nada offende o artigo 85.º da, Carta Constitucional, e a Legislação, que eu, na Sessão de antes de hontem, citei nesta Camara; e por tanto não ha nenhuma paridade nestes contractos. Eu fallei nesta materia, porque queria declarar a esta Camara que não obstante a affeição que tenho ao Marechal Saldanha, e a consideração e respeito que tenho aos seus serviços militares, feitos em defeza da independencia, e liberdades nacionaes, se eu julgasse que o contracto feito por S. Ex.ª estava nas mesmas circumstancias do Sr. C. de Thomar, eu estava disposto a comprehende-lo tambem na minha Proposta, isto é, a propôr que fosse remettido ao Governo para dar conhecimento delle ao Procurador Geral da Corôa. Portanto, se eu affasto da discussão o contracto do Sr. D. de Saldanha, é porque assento que elle não offendeu as Leis, nem tem paridade alguma na sua parte essencial com o outro contracto.

Sr. Presidente, o nobre Orador que me precedeu insistiu em querer provar que o Parecer da Commissão de Legislação era applicavel á minha Proposta, eu poderia insistir tambem em querer provar o contrario, mas isto seria agora uma discussão verdadeiramente de amor proprio que de nada serviria para o ponto principal que vou discutir, e não serviria senão para fazer perder tempo a esta Camara sem nenhuma utilidade.

S. Ex.ª não disse que discordava, não disse que rejeitava a interpretação que eu tinha dado ao artigo 85.º da Carta Constitucional, e ao Decreto com força de Lei de 18 de Marco de 1834. S. Ex.ª tambem não indicou de modo nenhum que rejeitava a applicação que eu fazia daquella Legislação ao contracto em questão, e pelo contrario S. Ex.ª explicitamente declarou que não havia dar o seu parecer sobre o contracto senão quando fosse chamado competentemente a dá-la. (O Sr. Duarte Leitão — Apoiado.) Portanto, deixou S. Ex.ª intacta esta questão, que eu considerava a questão principal, mas veio S. Ex.ª com uma questão nova, e a que darei o nome, e parece-me que bem dado — de questão prévia — que esta Camara não tinha competencia para conhecer deste negocio, e que se ella tomasse conhecimento delle commettia um excesso de poder. Mas, Sr. Presidente, para provar esta asserção tinha S. Ex.ª necessidade de destruir alguns

argumentos, que me parece que colhiam,. e que eu tinha apresentado para sustentar a minha Proposta.

Eu tinha dito, e pretendi sustentar — que em virtude das disposições do §. 7.° do artigo 15.º da Carta Constitucional, a esta Camara pertencia velar na guarda da Constituição; e que em virtude do artigo 139.º da mesma Carta, esta Camara era obrigada a examinar todos os annos se a Carta tinha sido observada ou não, e se achasse que ella o não tinha sido devia, prover como fosse justo. Mas vamos á resposta de S. Ex.ª a este primeiro artigo. Disse S. Ex.ª que a Carta Constitucional mandava que esta Camara velasse na guarda da Constituição; porém que a Camara não podia cumprir com esse preceito da Carta, senão dentro da esphera das suas attribuições especiaes; muito bem. S. Ex.ª comtudo concedeu ainda a esta Camara, mas duvidosamente, um direito que S. Ex.ª disse que não achava escripto, isto é, o direito de interpellação: mas note-se, que para o D. Par ainda este direito está duvidoso. (O Sr. Duarte Leitão — Não está escripto, mas não é duvidoso.) Não é duvidoso diz S. Ex.ª, já não é pequena esta concessão que se faz á Camara dos Pares; todavia S. Ex.ª indicou-nos que era necessario regular e restringir muito esse direito. Eu não podia deixar de notar estas expressões, porque tenho receio que se pretenda ainda sujeitar esse direito de interpellar, a uma Commissão de censura. Ora, o D. Par escudou-se com uma authoridade muito respeitavel para todos nós, e especialmente para mim, a do primeiro publicista portuguez o Sr. Silvestre Pinheiro Ferreira, cuja memoria eu venero profundamente, e me é por extremo cara, e o mesmo espero que aconteça a todos os que respeitara a sciencia e a moral (Apoiados). É verdade que o Sr. Silvestre Pinheiro indica nos seus escriptos o modo porque se deve usar desse direito de interpellação; mas isso é regulado para um systema que está todo em harmonia. Eu estou prompto a adoptar a indicação do Sr. Silvestre Pinheiro, mas ha-de ser debaixo da condição que ha-de ser adoptado todo o seu systema: mas lembre-se S. Ex.ª que segundo esse systema, tudo é resultado de eleições, e prevenidas todas as fraudes: Sr. Presidente, o systema é tão bom, e tão admiravel, direi mais, tão perfeito, que o que eu só receio é que elle nunca venha a ser posto em pratica. (O Sr. Duarte Leitão — Se me dá licença eu direi como explicação, que S. Ex.ª está equivocado: o que eu disse foi, que esse direito não estava escripto, mas que era uma consequencia. Disse tambem, que convinha que se fizessem as interpellações, porém com alguma moderação, e propria de uma Camara tão respeitavel Como esta é. Foi portanto para este fiai unico que eu trouxe a authoridade do Sr. Silvestre Pinheiro, e li as suas proprias palavras, para provar que essas observações que elle faz, não são só applicaveis ás eleições, são applicaveis tambem a esta Camara, assim como a todas as Camaras do mundo. Eu pois não duvidei do direito da interpellação, como o D. Par me quiz attribuir.)

O Orador: — Muito bem, mas visto que o D. Par citou o nome do Sr. Silvestre Pinheiro, que me é caro, e que eu muito venero, como já disse, não posso por isso deixar de referir o que aquelle illustre publicista me disse muitas vezes nas longas conversações que eu tive com elle — Eu tremo que depois da minha morte fragmentos dos meus escriptos, sejam citados destacadamente para com elles authorisarem doutrinas que eu condemno, e que são contrarias ao espirito do meu systema.

Digo pois, Sr. Presidente, que na presença do que ouvi na Sessão passada ao D. Par, temi que houvesse a idéa de regular inquisitorialmente o direito de interpellação, e se quizesse sujeitar essas interpellações a uma commissão de censura, porque devendo ser essa commissão de censura composta dos membros da maioria desta Camara, seguir-se-hia que dentro de muito pouco tempo, as poucas garantias de liberdade que nos restam desappareceriam de todo, quanto mais que, para nós chegarmos ao absolutismo só faltam duas cousas, que é, o acabar com a liberdade de imprensa, o que já se tentou, e com a liberdade da tribuna: — e então eu confesso que temia ficar privado do unico desafogo que tenho ainda, de vir dizer aqui o que entendo a favor do meu paiz, embora não seja attendido. Já fui longo de mais neste incidente, e peço disso perdão á Camara.

Sr. Presidente, eu tinha dito que S. Ex.ª limitara de uma maneira notavel o dever que a esta Camara impõe o § 7.' do artigo 15.° da Carta Constitucional, de velar na guarda da constituição; — e de feito, abrindo eu o capitulo 3.°, que é aquelle que tracta das attribuições especiaes desta Camara, vejo que só ha um caso em que ella deva velar na guarda da constituição: e depois da fundação da monarchia, não me lembra que isso podesse ter tido logar senão uma vez. O artigo diz o seguinte (leu). Este caso é muito raro: — mas, Sr. Presidente, eu peço licença para insistir em que a esta Camara cumpre velar sempre constantemente na guarda da constituição: — e o D. Par não se lembrou de que uma das attribuições que tem esta Camara, é a da suprema inspecção sobre tudo e sobre todos (Apoiados). As côrtes são obrigadas a respeitar a independencia, a não invadirem os limites dos outros poderes do Estado, mas nem por isso deixam de ter o direito de os vigiar: — e este dever, e esta attribuição que as côrtes teem, é o que eu chamo direito de suprema inspecção sobre tudo e sobre todos. Mas o D. Par responder-me-ha, que este dever é exercido conjunctamente com a outra Camara; porém eu perguntarei a S. Ex.ª, como ha de ser esse conjunctamente com a outra Camara? As duas Camaras nunca deliberam juntas; — não ha senão duas occasiões em que ellas se reunem, e nessas duas occasião não e para deliberar, é sómente na Sessão de abertura, e na de encerramento para prestarem uma homenagem