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EXTRACTO DA SESSÃO DE 30 DE JUNHO.
Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha. Secretarios os Srs. Visconde de Benagazil, Margiochi.
Ar s duas horas da tarde verificado pela chamada acharem-se presentes 33 dignos Pares, o Sr. Presidente abriu a sessão.
Leu-se a acta da sessão antecedente contra a qual não houve reclamação.
(Estavam presentes os Srs. Presidente do Conselho, e Ministros, da Fazenda, e da Marinha.
O Sr. secretario Visconde de Benagazil deu conta da seguinte correspondencia:
1.º Um officio do digno Par Bispo de Beja, participando que por conselho de seus facultativos se retirava para as Caldas da Rainha afim de fazer uso de banhos.
A Camara ficou inteirada. 2.* Um officio do Presidente da Camara dos Srs. Deputados remettendo uma Proposição de lei authorisando o Governo a proceder á cobrança dos impostos e mais rendimentos publicos respectivos ao anno economico de 1852 a 1853.
O Sr. Presidente disse que esta Proposição seria remettida á commissão de fazenda para sobre ella dar o seu parecer.
O Sr. Ministro da Fazenda observando que estava a principiar o novo anno economico se tornava urgente a decisão da Camara a respeito desta proposta, e que por isso pedia a S. Em.ª que quizesse recommendar á commissão de fazenda que desse quanto antes o seu parecer.
O Sr. Silva Carvalho disse que suppunha que os membros da commissão de fazenda não terão duvida em se reunirem hoje mesmo, e então poder-se-ha ir trabalhar sobre esta proposta, agora
ou no fim da sessão porque ella é realmente simples. Por tanto, pede a S. Em.ª que convide a commissão a reunir-se.
O Sr. Visconde de Algés está convencido de que é um dever das casas do parlamento dar meios ao Governo (apoiados) para poder gerir os negocios publicos, que por sua parte o seu empenho todo está em conciliar esse dever com os demais que sobre tal objecto lhe incumbe observar.
Sentiu que, sendo a data da mensagem da outra Camara de 26 do corrente, não houvesse occasião devir nesse dia mesmo a esta Camara, durante sua sessão. Não quer com isto arrogar censura a ninguem, e unicamente dizer que se tivesse vindo naquelle dia, podia a commissão de fazenda dar o seu parecer sobre esta proposta, e discutir-se hoje; com tudo o seu dever como digno Par, e como membro da commissão de fazenda, é examina-la devidamente, e emittir a sua opinião de accordo, ou em dissidencia com a commissão.
O nobre orador não partilha da opinião dos que dizem que á vista da Carta o Governo não carecia desta authorisação para continuar a cobrar os rendimentos publicos; tanto porque lhe parece que o artigo da Carta, a que se allude, provê sómente ao caso extraordinario e insolito, em que as Camaras não possam estar reunidas, e não é applicavel quando o parlamento funcciona; mas alem disto ainda ha a considerar que o Governo não fica, pela simples authorisação para a cobrança, authorisado a applicar o producto della ás despezas publicas.
A questão que este projecto póde suscitar não é de politica, porque comprehende o reconhecimento da necessidade constante para os Governos de attenderem ao serviço, o que não podem fazer sem que tenham meios. Não obstante isto, reconhece S. Ex.ª que quem fôr inimigo do Governo (não falla de si que não é) póde negar-lhe esses meios, mas só com o fim de fazer caír o Ministerio.
O nobre Par foi de opinião que a commissão de fazenda se retirasse, mas sem que se interrompesse a sessão, para dar hoje mesmo o seu parecer, a fim de que, sem necessidade alguma disso, se não alterassem as boas praticas e costumes de cumprir os preceitos da Carta constitucional (apoiados).
O Sr. Presidente poz a votos a proposta do digno Par o Sr. Visconde d'Algés, e foi approvada
(Os dignos Pares membros da commissão saíram da sala.)
Passou-se á
ORDEM DO DIA.
Continuação da discussão na generalidade do parecer sobre o acto addicional.
O Sr. Conde de Linhares — Sr. Presidente, votando nesta questão com a provavel minoria, julgo do meu dever expor summariamente á Camara os motivos da minha convicção, não sendo instigado por nenhuns outros que sejam alheios do modo com que considero a materia, e o meu directo dever. <
Creio, Sr. Presidente, que a totalidade dos membros desta Camara estão perfeitamente de accôrdo sobre a necessidade de conservar intacta a observancia da Constituição do Estado, e por tanto, de todas as suas disposições. Comtudo hoje propõe-se aqui um acto addicional, que, no meu intender, está em directa opposição com os artigos 140.º, 141.°, 142.º, e 143.° da Carta constitucional, porque sempre, no meu intender, vejo no acto addicional artigos que são, segundo os definiu o artigo 144.º, constitucionaes. Não p isso, pois, conciliar este respeito á Carta constitucional, professado por todos os membros desta Camara unissonamente, com a proposta do acto addicional, são em contra-posição com assoas determinações. Disse-se que existe uma causa maior que impõe esta necessidade, e que esta é a opinião publica, á que seria imprudente resistir por mais. tempo, e que torna impossivel recorrer aos meios mais morosos que impoz a Carta e institucional, posto que ella não se opponha com assas liberalidade a serem reformados os artigos que ella chama constitucionaes, quando assim pareça necessario; pois quanto aquelles que não entram nesta cathegoria qualquer lei com as formalidades ordinarias o póde fazer.
Mas como conheceremos a influencia desta preconisada opinião publica que tanto urge? O meio é simples, e a sua solução, a solução, digo, deste problema está, ao nosso immediato alcance, no mesmo acto addicional, pois alli deve existir remediado o mal que reclama de nós tão prompta providencia.
Mas, Sr. Presidente, é forçoso confessar que por mais que se consulte tal acto addicional não se encontra nenhum indicio de uma opinião tão fortemente pronunciada. A mudança no systema -eleitoral, que figura no primeiro plano, e que não se poderia mudar como se propõe, é de facto um artigo constitucional, apesar que me consta já o não fóra considerado assim na outra Camara; mas como esta opinião declaratoria não foi transformada em lei devo considerar este caso como de nenhum resultado, e por tanto cingi-me á interpretação ordinaria que com muitos lhe dou; por tanto o artigo 63.º ainda está por interpretrar, antes de alterar o systema eleitoral que elle determina. Ora aqui cabe-me declarar, que longe da opinião publica ser tanto em favor da alteração deste systema, o contrario é que succede; pois por que razão já se tendo proposto varias vezes esta modificação ella nunca se realisou quando se esperava que tivesse logar? Todos sabem que as eleições indirectas facilitam aos partidos o dominarem nas eleições, e substituem a opinião delias á que seria mais nacional se os partidos influissem menos, e os interesses geraes fossem mais bem representados. Até agora no nosso paiz tem prevalecido o systema das eleições indirectas, de que todos os partidos teem igualmente aproveitado; e por tanto confesso que creia poupo na sinceridade desta alteração, e muito menos
na generalidade da opinião publica a este respeito. Pela minha parta declaro que sempre fui na minha humilde opinião favoravel á eleição directa, e que a este respeito partilho as idéas inglezas, e concordo com a opinião do redactor do Edimburgo review, que censurando a constituição hespanhola de 1810 criticava e4a fórma de eleições que, se bera me lembro, denominava eleições de cascata.
Mas, Sr. Presidente, por caso algum concordo na urgencia de tão prompta reforma, que obrigue a saltar por cima de todas as formalidades que a Carta estabeleceu para os artigos que são de sua natureza, dos que designou como constitucionaes. Ouvi que seria conveniente encarar esta questão com as idéas inglezas, e solver a difficuldade admittindo a omnipotencia parlamentar Concordo perfeitamente na utilidade desta omnipotencia parlamentar em uma constituição que não regulou miudamente todas as contingencias em que um paiz se possa achar; mas é este o caso na nossa constituição em que estas contingencias se acham previstas, e providenciadas? Talvez fosse melhor assim não acontecer, e até por esse lado acho irregular o acto addicional; pois neste sentido, longe de depurar a Carta, como se expressou um Ministro da Corôa, leva á exageração o mal que se critica na Carta. A Carta constitucional, regulou com liberalidade, que passados quatro annos os artigos constitucionaes podessem ser alterados com as formas prescriptas nos artigos 110.°, 141 142.°, e 143.º, se se provasse a necessidade. Ora nelles a' Carta judiciosamente quiz que os poderes eleitoraes fossem conferidos aos novos Deputados sobre uma base conhecida, isto é, sobre a materia de uma lei regulamentar debatida no corpo legislativo; o que é muito differente de conceder poderes sobre materia desconhecida, e sobre que a opinião nem foi debatida, nem se manifestou regularmente. É pois evidente que a omnipotencia parlamentar é inadmissivel na nossa constituição, mais ampla de certo que o bill of rights dá Inglaterra; e que para não violar a constituição, hão se deve approvar o acto addicional como aqui se apresenta.
Entre os deleitos que notam na Carta, os que lhe são pouco affectos, tem o primeiro logar, o de ser mui minuciosa em detalhes, que muitas vezes colocam ò corpo legislativo, e o Governo em embaraços,: ora deste defeito não a depura de certo o acto adicional, pois muito o exaggera. seja disto um exemplo assignalado, o facto que hoje mesmo aqui se apresentou. Está passada a sessão regular legislativa annual, accrescem já tres mezes depois de terminada, e ainda agora se vai passar um projecto de lei para auctorisar a cobrança dos impostos, por se não ter regularmente discutido o orçamento e as contas da gerencia. Até agora era todos os ministerios passados, se tem encontrado difficuldades deste genero, que é de crer não foram devidas a descuido: como é pois que o artigo 13.º do acto adicional quer exigir, o que até agora ainda não foi possivel executar; sem que ao menos se espere que o facto, justifique a medida, quanto a possibilidade? E o proprio Ministerio actual pelo facto, demonstrou que esta difficuldade ainda subsiste; ora para que estabelecer uma regra, que ainda parece inexecutavel? Não tractarei por agora do» artigos individualmente.
De tudo isto concluo que não ha urgencia que justifique a Camara de adoptar extra legalmente esta medida, quando se poderia fazer pela fórma estabelecida na mesma Carta. Então porque se quer exigir este acto da Camara, que é verdadeiramente revolucionario, pois não posso deixar de chamar revolucionario tudo quanto excede as authorisações concedidas pela Carta, que é a Constituição jurada por todos nós, e que queremos e devemos querer conservar illesa (apoiados)? Não se apresenta causa como já o provei/que justifique a suprema necessidade, então que justificará esta violação da lei constitucional? Se na época revolucionaria que se diz impoz esta necessidade, ella de facto existiu, porque a dictadura que então dirigia o paiz não adoptou a medida, que a força das cousas poderia ter justificado, mas o que poderá hoje justificar esta medida nesta Camara, quando nem o pretexto ha, pois a propria lettra do acto adicional não lh'o dá? Os primeiros quatro annos que a Carta exigiu para se conservar intacta a mesma, estão ha muito passados, hoje a reforma é possivel desde já, intervindo' só duas differentes legislaturas, faça uma, a lei, e venha -a outra então legalmente authorisada pelos eleitores para a sanccionar, os quaes nesse caso conhecerão o que delles «e exige. Então nenhuma difficuldade haverá em adoptar as emendas á Carta nos artigos constitucionaes, pois quanto aos outros a Carta não se oppoem, e o defeito deste acto adicional, é de os ter confundido. Eu confesso que altamente approvo na materia, algumas das emendas, e que a minha opposição é mais quanto á fórma, que acho inadmissivel, do que quanto á materia, ainda que algumas das medidas comtudo me não parecem pelo menos convenientes, -e outras ainda não bastantes, pois por exemplo não vejo porque não se ha-de limitar a prova do censo, á producção dó recibo da decima e outros documentos legaes que justifiquem o direito do eleitor, mas reservo ai minhas observações para occasião mais oportuna sobre este, e sobre outros pontos.
Finalmente tambem se fallou, Sr. Presidente, em ser a necessidade desta reforma immediata, imposta para evitar maiores males, e desta sorte conjurar antipatias, que resultariam de se não prestar a esta vontade, dos naturalmente chamados progressistas. Ora este argumento' a ninguem póde illudir, pois se se intender que os progressistas são aquelles que desejam o progresso nas instituições humanas, aquellas que resultam de um estado mais aperfeiçoado da intelligencia humana, de certo que me lisonjeio de pertencer á essa classe e então de certo não são a temer estas exigencias pois ellas não são de tal maneira