350 DIARIO DA CAMAKA DOS DIGNOS PARES DO REINO
vista, justificar solidamente o meu pedido, apresentarei as rasões que tive para chamar o governo a terreiro em questão de tanto alcance politico. Havia da minha parte um impulso generoso. O nobre ministro dos negocios estrangeiros não e sómente um moco de grandes dotes parlamentares e de uma intelligencia privilegiada. Reune a estas qualidades muitas outras, que são raras em nossos dias.. É um homem estudioso que não fia tudo do seu talento, mas que procura com assiduo trabalho e constante applicação engrandecer os dotes naturaes com que a Providencia o distinguiu. E dando-se estas circumstancias em s. exa., que não póde desconhecer a importancia de uma negociação sobre o Zaire, eu queria, se ella estivesse encetada e concluida em termos honrosos para a nação, ser o primeiro a felicital-o pelo serviço transcendente que lhe haveria prestado; e queria, alem d’isto, ser o primeiro a declarar que na historia politica de Portugal — da grande politica, bem entendido — o seu nome ficaria de ora avante inscripto para sempre em letras de oiro. De certo que para estreia de um estadista, não acharia s. exa. facilmente nos archivos da sua repartição nenhum outro assumpto que lhe d’esse maior nomeada. Gloria justa e duradoura, que todos os partidos estariam promptos a proclamar. Gloria que não se apagaria tão cedo, ainda mesmo que s. exa., saindo ámanhã dos conselhos da corôa, não tivesse occasião de prestar outro serviço.
Por este modo veriamos acabar as duvidas o incertezas que duram ha mais de sessenta annos. O artigo 2.° da carta constitucional, em que se diz que na Africa occidental nos pertencem os territorios de Cabinda e Molembo, tornar-se-ia uma realidade, e o artigo da convenção de 22 de janeiro de 1817, pelo qual se contam as nossas possessões da costa occidental a partir de 8 graus de latitude sul, soffreria uma notavel e proveitosa ampliação, por que havemos pugnado sempre com bom fundamento, mas com pouca felicidade até agora.
Pedi ainda aquelles documentos para que no dia em que se entrasse na apreciação do tratado de Lourenço Marques, eu podesse avaliar no conjuncto os tres tratados; este que nomeei, o da India que se executou já, e o do Zaire que a todos os espiritos se está afigurando dever existir, estando feitos os outros dois. E verdade que já, depois do meu requerimento, o nobre ministro, interrogado ácerca do tratado de Lourenço Marques por um dos meus collegas, declarou que a discussão d’este, por accordo com o governo britannico, ficara adiada para quando se regularisem os negocios da republica do Transvaal e se ajustem definitivamente com os inglezes as condições da sua independencia. Eu devia suppor, depois disto, que o tratado do Zaire, ainda que existisse, ficava ipso facto posto de banda.
Mas o meu requerimento foi anterior a esta declaração e senão as minhas idéas differentes, isto é, que mais valia discutir O tratado de Lourenço Marques tendo-se feito com a Gran-Bretanha a negociação do Zaire, do que obter sem esta condição o adiamento do primeiro, só fico acreditando na ausencia de trabalhos importantes sobre o ponto que discuto, depois das categoricas, explicitas e sinceras declarações que todos ouvimos.
Sr. presidente, confesso com verdade a v. exa. que estas declarações me impressionaram bastante. Estavam quasi todos persuadidos que os dois governos, portuguez e britanico, haviam chegado, se não a um tratado definitivo a proposito do Zaire, pelo menos a um accordo sobre os principios fundamentam que deviam presidir á redacção d’elle. A imprensa portugueza e tambem a estrangeira por diversas vezes têem alludido a estas bases. Tem mesmo a primeira instado pela publicação dos documentos, cujo caracter indicou até em termos geraes. Agora diz o nobre ministro que só ha o que todos conhecem trabalhos do visconde de Santarem e o livro branco de 1876, e que se porventura existe algum outro documento anterior á gerencia do actual governo, esse documento de caracter confidencial, não tem de perto ligação com a possibilidade de realisarmos um tratado brevemente.
Em contraposição ás palavras do sr. ministro, havia-me chegado á noticia, que o dito tratado teria, pouco mais ou menos, cinco a seis artigos. Que o primeiro d’elles marcava o limite das nossas possessões na Africa occidental por modo differente da convenção de janeiro de 1817. Ganhavamos proximamente 3 graus. O dominio portuguez ficaria reconhecido a partir de 5° e 15 de latitude sul. O ultimo artigo estatuia que no dia da ratificação do tratado de Lourenço Marques, o governo britanico assignava o novo tratado do Zaire. Emfim que, entre outras disposições de menor vulto, se nomearia uma commissão mixta para determinar os pontos que devem de ser occupados, respeitando-se todos os direitos que possamos ter. A Inglaterra assegurava-nos a posse dos territorios ao norte do Ambriz e a soberania do rio Zaire. Tudo isto ficaria estabelecido em solidas bases, admittindo-se a livre navegação do rio, em homenagem aos principies estabelecidos no congresso de Vienna, ao que se está praticando no Danubio e em varios rios da Europa e da America.
As minhas informações iam mais longe ainda; isto é, asseveraram-me, que taes negociações ácerca do Zaire eram já antigas, quero dizer, haviam começado com grande probabilidade de bom exito, quando se negociara o primitivo tratado de Lourenço Marques.
Mas nada disto é assim pelo que estamos presenceando. Eu que esperava um grande triumpho para o nobre ministro, tenho de contentar-me em ouvir-lhe que elle o não alcançou. Tudo está adiado, e ninguem sabe nem póde julgar a importancia do adiamento, que póde tornar-se indefinido, ficando por muitos annos na duvida e na incerteza a solução do grande problema do Zaire.
Tudo está adiado, é uma phrase que satisfaz o nosso espirito preguiçoso. Alcançou-se uma grande victoria, não porque se tenha resolvido uma difficuldade, mas porque tudo ficou adiado. Tranquillisemo-nos. Não se faz nada nem se fará por emquanto. Que maior triumpho se poderia alcançar sobre a Inglaterra!
Sr. presidente, eu não sou chauvinista nem jingoista. A illustração da camara dispensa-me de definir estas palavras. Amo o meu paiz como um verdadeiro patriota, e até onde possa chegar a luz da minha intelligencia, entendo que dizer-lhe a verdade, ou pelo menos apresentar-lhe os factos como elles se me affiguram, é cumprir um dever sagrado.
O amor da patria mais moderno talvez seja differente. Consiste em detestar os inglezes e occultar os factos. Se ainda possuimos a estatua equestre de D. José I, no Terreiro do Paço, segredam entre si os chauvinistas, é por que ella é de tal modo pesada que os inglezes, sem risco de metterem a pique os seus maiores couraçados, não poderiam leval-a para Londres. Tudo quanto os inglezes nos têem feito são expoliações!
Sinto profundamente que não exista o tratado do Zaire, e sinto tambem que não esteja em discussão o tratado de Lourenço Marques para nos podermos com certa largueza entender sobre estas materias. Mas o meu sentimento sobe de ponto, quando reflicto, que se nós tivessemos que discutir o tratado de Lourenço Marques, as cousas se passariam do modo que hontem aqui condemnou o illustre digno par, o sr. conde do Casal Ribeiro.
De nada serviria o meu desejo de historiar largamente as condições peculiares do nosso paiz na Africa, as relações seculares que nos prendem á Gran Bretanha, o que se está passando na Europa ácerca das nossas possessões africanas, e os tenebrosos planos que cada dia mais e mais se accentuam no estrangeiro para nos desapossarem dos nossos dominios. Para tirar proveito d’este estudo, sr. presidente, eu queria que todas estas questões se podessem discutir com a porta aberta e o povo nas galerias. Infelizmente, porém, fecha-se a porta quando o debate podia esclarecel-o, Abre-se aporta depois para desvairar a opinião