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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 355

O que póde fazer um povo pobre que nunca foi economico, pelo contrario sempre foi perdulario, e este é o seu defeito, um povo sem capitães accumulados para estabelecer a civilisação na Africa, se não tiver ao lado de si um braço potente que lhe sirva de amparo?

O rei da Belgica preside a uma sociedade de civilisação africana. Congregou os homens ricos de todas as nações, associou os interesses de todos os povos para levar e desenvolver o commercio e a civilisação ao seio da Africa. O rei da Bélgica faz aquillo que nós não podemos nem saberemos fazer, se desprezarmos a alliança ingleza.

Será crivei que Portugal não comprehenda os factos que se estão passando? Nós abrimos tambem agora uma subscripção para estabelecer em varios pontos da Africa centros de propaganda commercial religiosa e civilisadora — estações onde os nossos irmãos encontrem protecção e auxilio. Com 4:000$000 réis que nos dá o Porto, com outros tantos que se juntarão em Lisboa e com mais alguns que virão das provincias, póde-se fazer face ás necessidades do nosso territorio africano? Ora, realmente, senhores, acreditaes na efficacia de similhantes meios?

Se o rei da Belgica, para ver coroados os seus. esforços philanthropicos, julga necessario rodear-se de todos os homens ricos sem distincção de nacionalidade, o que vamos nós fazer á Africa sosinhos com estes nossos modestos contos de reis?!

Que estações de commercio e de propaganda conseguiremos fundar?!

Como as sustentaremos, se lograrmos fundal-as?

Que colonias agricolas nascerão d’ahi? Colonias agricolas! quando o governo que é o governo, e n’esta terra depois do governo eu não conheço ninguem, não póde até hoje realisal-as! Colonias agricolas! onde o mais«energico e activo colono está arriscado a perder em uma noite os fructos do seu trabalho pelos roubos dos cafres, em sitios onde não chega a acção das auctoridades portuguezas e o nosso dominio é puramente theorico!

Que póde a civilisação esperar de nós no futuro?

Resumo com profunda tristeza n’uma curta phrase a minha resposta:

— Nada, se nos isolarmos.

Poderemos esperar simplesmente a vergonha de perder tudo. E n’esse dia memoravel, ao qual eu não desejarei assistir, Portugal reconhecerá quaes eram ou podiam ser os seus verdadeiros amigos.

Entre as nações uma alliança é una pacto similhante aos que fazem todos os dias os particulares, que se congregam para fundar uma industria ou explorar um processo. Juntam-se dois ou mais homens para abrir uma fabrica, e um póde dar o trabalho, dar o outro o capital e um terceiro a intelligencia. A empreza, que não chegaria a existir se estes homens se isolassem, realisa-se pela associação. Pois muito bem. Nós estamos no mesmo caso, em relação á Inglaterra.

. Falta-nos o capital e a iniciativa. Entremos como parceiros na sociedade para melhorar o que possuimos, mas conservando cada um o que lhe pertence. Façamos um contrato bem claro, e cumpramol-o lealmente sem desconfiança. Não imite a nação os seus antigos morgados, que perderam os bens por os não quererem nem saberem gerir. A absorpção dos nossos dominios será tanto mais rapida quanto maior for o seu abandono, porque daremos ás nações o direito de expropriação por utilidade publica.

Com auctoridades justas e intelligentes nas colonias não receio conflictos com os inglezes. Estando as nossas colonias florescentes, não me assusto que a Gran-Bretanha se atreva nunca a apoderar-se d’ellas.

A Inglaterra é um paiz que dispõe de quarenta colonias com 254 milhões de habitantes, um sexto de toda a raça humana. Tem as suas colonias 9 milhões de milhas quadradas, um sétimo da superficie da terra habitada. Que lhe importa a ella a posse de mais algumas centenas de milhas de superficie que estejam nas mãos de um povo amigo! O que ella quer é a estrada desembaraçada para alargar a sua esphera de acção no interior da Africa, e talvez impedir que outros vão adiante tornar-lhe o passo. Nós possuimos na Africa essas estradas. Os portos principaes em toda a costa, e os melhores rios para o interior, que não servem a ninguem, são nossos. Abramos todas as portas que podem facilitar a civilisação, do continente negro. A humanidade nol-o agradecerá reconhecida. E nós teremos feito da grande herança, que nos deixaram os portuguezes conquistadores, o uso patriotico e unico a que elles a destinaram. Os inglezes são homens frios, calculadores e eminentemente praticos. Assocismo nos a elles n’esta grande obra do futuro com idéas iguaes.

São solidos amigos e escravos da sua palavra. O descobrimento da hulha e da navegação por vapor deu-lhes no seculo em que vivemos o dominio dos mares e o commercio universal. Juntem-se em fraternal amplexo as duas. grandes nações maritimas da historia.

Conquistemos assim a nossa antiga preponderancia, e ponhamos indirectamente a hulha que nos falta e as esquadras que não possuimos agora ao nosso serviço. O nosso antigo logar de piloto ninguem nol-o disputa. Que ninguem nos roube o quinhão a que temos direito nos progressos da Africa. E que o futuro possa dizer que a civilisação africana foi principalmente devida ás duas nações amigas.

Independentemente da questão colonial, tenho ainda, a acrescentar, que os povos prudentes e modestos costumam preparar-se durante a paz para os momentos de adversidade e provação, cuidando dos exercitos e escolhendo as boas allianças.

O verdadeiro homem d’estado é aquelle que prevê de mais longe, mais cedo e mais depressa os acontecimentos, e quem tiver a pretensão n’esta terra de merecer este nome não póde esquecer-se da alliança ingleza. Que importa que uma falsa opinião publica, filha da ignorancia ou da maldade o não acompanhe?! O homem d’estado deve sempre luctar, e luctar ainda mesmo que seja ultrajado. O futuro que não tem paixões vingará as offensas.

Podia citar, sr. presidente, dezenas de exemplos da historia para demonstração do que digo, mas basta que traga á lembrança de v. exa. um de entre tantos que me occorrem n’este momento.

Ha onze annos, a cidade de Paris n’um tumulto indescriptivel, e em odio accesa contra a Prussia, atroava os ares com esta orgulhosa ameaça—a Berlim! a Berlim!

Na camara franceza onde se apresentara a declaração de guerra, um ministro das velhas monarchias tentava impedil-a, com a maior sagacidade politica dos tempos modernos, e com a logica irresistivel dos factos.

Elle só, sem se arreceiar dos seus contrarios, no meio de uma assembléa exaltada — um contra todos — tinha a coragem de proclamar á nação que evitasse a guerra, porque não estava preparada para a lucta. O nome de traidor assomou insensivelmente a todos os labios, e o echo do seu discurso, dividido em palavras soltas e ás vezes até em monosyllabos pelas interrupções dos adversarios, trouxe para a rua o mesmo epitheto, que o povo repetiu raivoso no delirio de uma febre patriotica mas perniciosa.

A onda popular, tremenda e ameaçadora, pouco tempo depois, invadia a praça de. S. Jorge, onde era a casa do traidor. Tentando forçar- as portas que gemiam sobre os gonzos prestes a ceder, e fazendo os vidros das janellas em hastilhas que tiniam no ar, soltava rugidos de colera que amedrontariam leões.

Como se não bastara o ultraje de lhe chamarem traidor, outro epitheto igualmente affrontoso, e o mais affrontoso que se póde lançar em rosto a um francez dos nossos dias, tinha ainda de ouvir o patriota.

Todos os populares, bramindo irados, repetiam em coro: abaixo o prussiano! Morra o prussiano!