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354 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Bragança adherir á restauração, Richelieu os animava com estes palavras:

«Se o duque de Bragança não está resolvido a entrai-ma lucta, outro principe portuguez se encontrará para libertar o povo.»

Foi a França que chamada a dirimir no pleito do Lourenço Marques, o decidiu a nosso favor.

E da França que bebemos quasi toda a litteratura e sciencia que possuimos. Os nossos costumes são francezes. A nossa lingua, enfeitada de gallicismos, parece muitas vezes franceza. Mas, quando se trata de questões gravissimas, taes como o futuro da patria e o seu progressivo caminhar, não consulto o coração. Penso friamente e reconheço que a França não está ligada com Portugal por meio de interesses permanentes, que entre as duas nações não podem existir laços indissoluveis como os que nos prendem á Inglaterra; não me esqueço que na África o nosso vizinho é unicamente o povo inglez, e que este vizinho póde ser, com vantagem reciproca, o nosso amigo mais poderoso e mais dilecto. Mudam as idéas dos francezes com as epochas e com os governantes, emquanto na Gran-Bretanha todos os governos nas questões relativas a Portugal hão de sempre seguir a mesma politica. Carlos I em 1642 e o dictador Cromwell em 1654 são de certo um bom exemplo.

O povo inglez é um alliado severo e exigente, mas seguro. Sempre que estivermos presos a elle por tratados, sei que não faltará á sua palavra, e sei mais, que amanhã se lhe formos pedir auxilio contra um inimigo qualquer, que ponha em risco a nossa existencia como nação, invocando o tratado perpetuo do 1661, a Inglaterra, apesar das idéas modernas que não admittem a perpetuidade dos tratados; não ha de certo recusar-se a defender-nos. É esse o seu interesse, dirão os inimigos d’ella. Talvez; mas tambem é o nosso. Interesse perpetuo para ambos, e portanto eterna base de alliança para os dois.

A sentimentalidade em relações internacionaes é uma fonte perenne de perigos e de erros gravissimos.

Se a Italia depois da guerra contra a Austria, feita em commum com os francezes, recusasse a alliança da Prussia, talvez não fosse a estas horas e imperio italiano. A alliança ingleza bem sei que não satisfaz os amantes da federação das raças latinas, mas emquanto estas raças não modificarem os seus actuaes processos, eu antes me quero com os inglezes. É uma grande idéa a federação entre os povos que possuem uma origem commum, mas na pratica o que temos visto? Que as raças latinas se alimentam principalmente de paixões e de ambições, e a ambição applicada ao nosso solo deu 1640!

Desde o Mestre de Aviz até o Pombal e desde o Pombal até o grande historiador Alexandre Herculano, todos os homens de cunho n’este paiz proclamam a alliança ingleza. Alisto-me sem remorsos n’esta escola, e pena é que o meu nome não seja tão grande n’este paiz, que leve atrás de si por esta estrada todos os portuguezes.

Resta-nos unicamente a Inglaterra, apesar dos exemplos historicos que possam apresentar-me em contrario. Esses exemplos são erros. E os erros não provam nada. O que precisámos é collocar-nos na situação do imperio britannico carecer sempre dos nossos serviços.

Os fracos e os pequenos têem tambem definido o seu papel na historia, principalmente quando forem os portuguezes, estes bravos que se ufanam de haver sido os primeiros navegadores do globo, estes heroes que levaram adiante de todos os povos com a espada e com a cruz a civilisação da Europa ao Oriente. Podemos, pois, lançar-nos sem escrupulos nem falso patriotismo nos braços da alliança ingleza; alliança fraternal, que não nos impede do sustentar até a morte os brios de nação independente. Tratando-se da África, em especial, não póde encontrar-se outra solução rasoavel. Para, não corrermos o risco de perder stultamente as nossas colonias africanas, é a politica de cooperação com esta grande potencia a unica que nos cumpre seguir.

Não é permittido a nenhum povo, por maior que seja o bom conceito que haja alcançado entre as nações civilisadas, conservar ermos e selváticos os dominios que lhe pertencem, emquanto os povos vizinhos, para maior contraste povoam, enriquecem e civilisam o que possuem. A politica de cooperação, repito, é a nossa unica politica racional e patriotica. Se o paiz todo podesse fazer viagens, e andar como eu tenho feito pelas outras nações, vendo o mundo como elle é, e não como aqui se imagina, seria inutil a affirmação d’estes principios. Se o paiz fosse mais instruido, e tivesse lido com attenção as publicações que correm mundo sobre estas questões, não teria ouvidos para escutar os maus conselheiros.

A nação saberia que mesmo entre os individuos que ainda respeitam as divisões da carta geographica, mas que visam igualmente mais alto, ao bem estar da humanidade, já temos hoje pequeno numero de defensores, e para que os não percamos de todo, é preciso que nos amparemos ao braço potente de um amigo que nos auxilie.

Falla-se muito por toda a parte e com bastante injustiça não poucas vezes da influencia nefasta dos portuguezes na Africa, não falta quem espere o momento em que a nossa inercia justifique a espoliação violenta do que possuimos. Pois é preciso calar todas as bôcas.

Houve no anno de 1878 em Paris um congresso de geographia commercial. Não assisti a este congresso, mas na sessão de 27 de setembro, cuja acta ha pouco saiu a lume, um distincto viajante allemão, secundado por individuos de outras nacionalidades, julgou opportuno apresentar uma moção em que se pedia ás nações representadas ali, que se interessassem pelo desenvolvimento do territorio do Zaire, pondo cobro ao estado anarchico que impede as transacções commerciaes n’aquellas paragens e a marcha da civilisação.

Levantou-se o sr. Luciano Cordeiro para protestar com aquelle fogo que o amor patrio inspira quando estamos em paiz estrangeiro, e por tal modo se houve, que, conseguindo se retirasse a moção, nos poupou a um vexame.

A questão do Zaire é de tão grande momento que exige prompto remedio. Devassam aquelle territorio viajantes de todas as nações. Belgas, allemães, francezes e americanos se empenham na lucta com um ardor cujos fins ninguem póde ignorar, mas que muita gente aqui ainda não percebeu. Trata-se de um territorio que é nosso, mas para o ser realmente depois do que se tem passado, precisamos de um documento internacional em que a Inglaterra ponha o seu nome. Testemunho authentico de que as potencias não possam jamais duvidar.

Reconheçamos pela força das circumstancias a necessidade dos tratados com a Gran-Bretanha. Não tenho duvida em aconselhar que os celebremos. Sei o que ella é capaz de fazer havendo tratados, mas não imagino o que nos poderá succeder, se os não tivermos.

Para chegar a esta conclusão pergunto a mim mesmo:

O que somos hoje?

Que fazemos sosinhos?

Que póde a civilisação esperar de nós no futuro?

O que somos nós! Um povo heroico em decadencia, mas possuindo por felicidade grandes elementos de regeneração social. Houve uma epocha na historia para as pequenas nações valorosas que jamais poderá repetir-se. Tivemol-a como ninguem. Os grandes descobrimentos e as maravilhas da industria mudaram a scena. Hoje a epocha é differente e pertence ás nações ricas. Os montantes, os pelouros e as lanças foram substituidas pelas armas de precisão. Os galeões por couraçados. As velas pelo vapor. Os pequenos pelos grandes.

O que podemos fazer sosinhos? O que póde fazer sosinho um paiz com quatro milhões de habitantes, que não conseguiu por emquanto colonisar o Alemtejo, e que tem de colonisar milhares e milhares de milhas quadradas nos sertões da Africa?!