SESSÃO N.° 47 DE 24 DE AGOSTO DE 1908 5
incessante funccionamento da execranda Bastilha inquisitorial, - refugio imprescindivel de periclitantes regimes, servidos por impudicas oligarchias, de faryantes e de inaptos.
Na sua farisaica doblez, os dirigentes dos ultimos tempos exercem o despotismo, sob disfarces mais ou menos grosseiros; e, simultaneamente, enfeitam-se com exteriorizações de liberalismo, de punica e desprezivel cultura.
Assim, postergam, calcam e repudiam, de facto, toda a obra recommendavel, na ara do patriotismo e da liberdade, conforme vou indicar:
De Manuel Fernandes Thomás, o infatigavel preparador da redemptora revolução de 1820,-da qual passa hoje o saudoso anniversario;
De Joaquim Antonio de Aguiar, o referendario do salubre decreto de 28 de maio de 1834, e cujo apodo de matafrades é mais expressivo do que um laudatorio poema;
Do Bispo de Viseu, o estrenuo defensor da moralidade no poder;
E de Antonio Rodrigues Sampaio, o emerito jornalista progressivo, o apostolo intemerato da honesta descentralização governativa, de que é padrão immorredouro o Codigo Administrativo de 6 de maio de 1878, reaccionaria e nocivamente substituido pelo de 17 de julho de 1886, por seu turno lançado igualmente ao limbo pelo de 4 de maio de 1896, hoje vigorante e positivamente inqualificavel.
Mas renegar os actos meritorios de avoengos illustres, não impede que hypocritamente se lhes celebrem os meritos e as façanhas, no arteiro campo do platonismo. A duplicidade rotativa entende-o por esse modo refalsado, proprio de tartufos.
Nesta orientação, os graduados da seita, que se refestelam nas cadeiras do Governo, não recusam o bronze official, que os admiradores dos varões illustres reclamam, para os perpetuar em estatuas commnemorativas. Não se esquecem mesmo, em lances taes, de se associar, com panegiricos e dithyrambos, aos idolatras, cuja iniciativa encarecem com retumbancia e espavento desusados. Não se pode ser, na verdade, mais protocollarmente rotativo.
Com o projecto em discussão, o norteamento é identico.
Pela parte que me respeita, lamento apenas que elle não tivesse sido approvado por acclamação, sem ser antecedido de quaesquer reparos ou impugnações. Seria mais adequado, consoante o meu criterio.
Desde, porem, que se enveredou por caminho differente, acompanharei os meus collegas, começando por desempoeirar o eptaphio traçado por Fr. Joaquim de Santa Clara, e que synthetiza os grandiosos serviços pelo Marquez prestados á Patria.
Ei-lo :
Aqui jaz
Sebastião José de Carvalho e Mello
Marquez de Pombal.
Ministro e Secretario de Estado
De. D. José I
Rei de Portugal.
Que reedificou Lisboa.
Animou a agricultura.
Estabeleceu as fabricas.
Restituiu as sciencias.
Reprimiu o vicio.
Premiou a virtude.
Desmascarou a hypocrista.
Desterrou o fanatismo.
Regulou o erario regio.
Respeitou a autoridade soberana.
Cheio de gloria.
Coroado de louro.
Opprimido pela calumnia.
Louvado pelais nações estrangeiras.
C"mo Richelieu. S
Mime nos projectos.
Igual a Sully,
Na vida e na morte.
Grande na prosperidade.
Superior na adversidade
Como philosopho,
Como heroe,
Como christão.
Passou-se para a eternidade,
Aos 83 annos da sua idade,
Em 27 de sua administração,
Anno de 1782.
No epitaphio, não esqueceu a menção do desterro do fanatismo, isto é, que ao grande Marquez se deve o luminoso decreto de 3 de setembro de 1759, que expulsou os jesuitas, e hoje está desgraçadamente esquecido.
O clero, coevo do genial estadista, soube affirmar-se tolerante, e fazer-lhe justiça, por occasião da sua morte. O Bispo de Coimbra. D. Francisco de Lemos, presidiu-lhe ás exéquias celebradas em Pombal, onde Fr. Joaquim de Santa Clara recitou o correspondente elogio funebre.
Este traço merece ser consignado aqui, nesta tribuna. Honra a memoria dos que piedosamente nelle collaboraram.
Neste momento, não é elle unanimemente acatado? Peor para os recalcitrantes,- que cooperam, com o seu estreito sectarismo, para que tenha ainda cabimento e propriedade a famosa apostrophe pombalina:
- Agora ê que Portugal vae á vela.
Todos nos deveriamos congraçar em holocausto pela Patria, sem distincções de classes, sem antagonismos de qualquer especie.
Na senda do progresso evolutivo, quão util seria avançarmos irmanados: civis e militares; seculares e ecclesiasticos.
Das antinomias profundas, que podem dar-se, só advirão prejuizos para o país, cujo sentir geral ha de prevalecer contra todas as resistencias, partam de onde partirem.
Occorrem-me estas reflexões, depois de ouvir o Sr. Patriarcha de Lisboa, no seu discurso, aliás muito correcto e eloquente, mas com cuja doutrina me é vedado concordar.
Começou o Digno Par por enumerai-os requisitos indispensaveis para que a posteridade e a fama d'elles se apoderem; nas pessoas dos seus possuidores, perpetrando as em estatuas e outros monumentos.
Muito apropriadamente ponderou o Sr. Presidente do Conselho que, dadas as indicações do Sr. Patriarcha a ninguem ellas cabiam melhor do que ao audaz reformador português.
NÍIO o tinha entendido, sob esse coherente aspecto, o Digno Par, cuja contradição, entre as premissas que assentara, e a conclusão que d'ellas tirou, é patente e manifesta.
Notou depois S. Exa. que um monumento se levante em frente de outro monumento, sendo licito inferir-se da affirmação do Digno Par que a estatua, projectada ao Marquez de Pombal, possa affrontar o que quer que seja.
Interrompe me o Digno Par, affirmando que não dissera em frente, mas sim defrontando.
A emenda, consinta S. Exa. que lhe objecte, é peor do que o soneto. O termo defrontando ainda melhor exprime a rivalidade que eu pus em destaque, perante a asserção que primitivamente attribui ao Digno Par.
Demais, o monumento pombalino tem. a prioridade sobre o outro. A sua primeira pedra foi lançada em 1882, consoante ha pouco notei.
Se alguem quis fomentar rivalidades, não foram, por certo, os liberacs. A estes em nada prejudica, nem incommoda, outro qualquer monumento, fronteiro ao que vae ser erigido ao inclito Marquez. A Liberdade, segundo me foi inoculada desde criança, e que tenho cultivado sempre com o maximo escrupulo, indigita-me que para todos ha logar, no inesgotavel filão da tolerancia, por mais discrepantes que sejam as ideias representativas dos vultos a perpetuar. É ella tão frondosa e vivificadora que á sua sombra, medram até os seus mais ferrenhos inimigos.
Já registei, pela voz autorizada de Frei Joaquim de Santa Clara, a obra reformadora do Marquez de Pombal. Tenho, porem, de entrar noutras minuciosidades, attentas as reflexões do Digno Par, o qual não vacilou em accusar de crueza e de deshumanidade o reformador eminente, a quem Portugal tanto deveu, e ainda hoje deve.
Crueza e deshumanidade!. . .
Patenteou-se ella, porventura, quando elle emancipou os indios no Brasil? ou quando equiparou os canarins aos homens livres da India? ou ainda