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CAMARA DOS DIGNOS PARES
SESSÃO NOCTURNA DE 26 DE JUNHO DE 1867
PRESIDENCIA DO EX.™ CONDE DE LAVRADIO
Secretarios os dignos pares
Visconde Soares Franco
Marquez de Vallada.
As nove horas da noite, reunido numero legal, foi declarada aberta a sessão.
Lida a acta da sessão diurna, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.
Deu-se conta da seguinte
CORRESPONDENCIA
Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, enviando uma proposição sobre pensões. Teve o competente destino.
O sr. Ferrer: — Sr. presidente, votei approvando o parecer da commissão ácerca do projecto do codigo civil, porque entendi que devia dar o meu voto a este projecto quaesquer que fossem os defeitos que elle tivesse, mas approvei-o, repito, porque entendi ser elle um dos maiores melhoramentos que se têem feito n'este paiz depois das importantes reformas de Mousinho da Silveira (apoiados).
Sr. presidente, se eu tivesse de fallar só em meu nome não tomaria tempo á camara com a breve explicação que vou dar; mas a camara relevar-me-ha que diga breves palavras, porque tive a honra de ser presidente da commissão revisora do codigo civil e preciso dar uma explicação, não tanto por mim, mas pelos meus collegas que assignaram vencidos o projecto do codigo na parte que diz respeito ao casamento civil.
Sr. presidente, a commissão não podia adoptar a doutrina consignada no projecto primitivo, porque o projecto equiparava a religião catholica a todas as outras religiões. A commissão entendeu que a religião catholica merecia muito respeito e consideração, e portanto não se podia collocar na mesma linha com outras religiões.
A commissão tambem não podia adoptar a legislação actual ácerca do casamento, porque ella não admittia senão a catholica; mas a commissão sabia que entre os cidadãos portuguezes ha muitos que não professam o catholicismo, principalmente nas provincias ultramarinas. Então era necessario que o codigo fosse prudente, estabelecesse o casamento legal; isto é, aquelle que produz os effeitos juridicos, capaz de estabelecer familia ainda com pessoas que professam differente religião. Por consequencia é claro que se não podia adoptar a legislação existente.
Sr. presidente, a commissão podia adoptar o casamento civil puro e obrigatorio, ou o que se estabelece nos codigos civis de nações civilisadas; mas a commissão não quiz ir tão longe, e não quiz porque, como já disse, era dominada, como não podia deixar de ser, pelo muito respeito e veneração que se tributa á religião catholica, que de mais ja mais se via estatuida na carta como a religião do estado. Por consequencia o casamento civil, como o catholico tambem, tem tres epochas diversas.
A commissão discutiu esta materia em muitas sessões, e apresentaram-se tantos alvitres quantos se poderiam imaginar; todos foram presentes na commissão, todos foram meditados e discutidos, até que a final, depois de immenso trabalho, a commissão assentou definitivamente estabelecer dois casamentos, o catholico e o civil, deixando isso á liberdade da consciencia dos cidadãos, e entendeu que fazendo assim tinha pela religião catholica a maior veneração que podia e devia ter, mas o que não podia sem forçar a liberdade de consciencia, era obrigar aquelle que não acreditava nos dogmas da igreja catholica a praticar um acto de descortezia e hypocrisia, commettendo assim uma irreverencia.
Eis-aqui em poucas palavras o que se passou na commissão. A camara já vê que não lhe quero tomar tempo e que sómente desejei expor o modo por que foi tratado o assumpto na commissão, bem como que na camara dos senhores deputados se fez uma emenda a esse trabalho.
Permitta-me a camara que tambem diga duas palavras a este respeito.
N'essas emendas estabelece-se, por um lado, o casamento catholico para os catholicos, e o casamento civil para os não catholicos; por outro lado estabelece-se que não haja exame, nem previo, nem posterior ao casamento civil, ácerca da religião. Estabelece-se mais que por motivo de religião o casamento civil não póde ser annullado. Estabelece ainda que o official civil, no acto da verificação do casamento, pergunte, não qual a religião de cada um dos nubentes, porque n'um dos artigos se prohibe qualquer exame sobre religião anterior ao casamento, mas se persistem em celebrar o casamento, e com respostas affirmativas lavrará o auto.
Sr. presidente, não quero fazer uma longa dissertação sobre esta materia. Vejo n'isto alguma antinomia; e em ultima analyse, vejo que na pratica as emendas que estabeleceu a camara dos senhores deputados hão de dar o mesmo resultado que se tinha aqui estabelecido. O que ha de novo é uma certa redacção que póde dar em resultado uma falsa interpretação sobre a pergunta que fizer o official civil e a resposta dos nubentes; poderá alguem entender por essa resposta que elles renegaram da religião catholica. Ora, isto tem uma grande importancia, e na verdade póde acarretar sobre aquelles que fizerem essas declarações tambem perdas graves; e, em todo o caso, é um meio indirecto de forçar os cidadãos portuguezes a recorrerem ao casamento catholico.
Nada mais direi, sr. presidente, a este respeito. Fui vencido muitas vezes na commissão revisora, assim como muitos outros membros o foram; uns sobre esta materia, outros sobre aquella; uns aqui, outros acolá. E a sorte dos individuos que compõem os corpos collectivos, que discutem e deliberam, porque as maiorias é que decidem. Julgo-me tambem vencido n'esta parte; mas espero em Deus e na força irresistivel da lei do progresso que dentro em poucos annos ha de ser melhor redigida esta materia do codigo.
Sr. presidente, tenho dado a minha explicação. Agora o meu requerimento, que é importante.
Creio que me não engano se asseverar que na camara dos senhores deputados já foi interpellado o sr. ministro da justiça ácerca da publicação das actas da commissão, e parece-me que n'esta casa tambem o foi. Seja como for, o que requeiro a V. ex.ª e á camara é que recommende ao governo que as actas da commissão sejam publicadas na mesma occasião em que for feita a impressão official do codigo. Entendo que, não obstante as actas serem muito resumidas, não o são tanto que não comprehendam dois volumes in folio. Estas actas contêem todos os additamentos, emendas e substituições; umas que foram approvadas, outras que o não foram; n'uma palavra, todas as modificações que a commissão fez e todas as opiniões que ali se aventaram; e então é claro que ellas contêem grandes elementos para quem quizer estudar e entender bem o codigo civil.
Portanto peço que, quando se fizer a publicação do codigo civil, se publiquem tambem as actas da commissão revisora do mesmo codigo, porque estou persuadido que ellas subministrarão muitos conhecimentos e esclarecimentos aos advogados e jurisconsultos que quizerem estudar o codigo durante os seis mezes que correm para que o projecto seja lei vigente.
(O orador não reviu o seu discurso.)
O sr. Ministro da Justiça (Barjona de Freitas): — Sr. presidente, não me faço cargo de responder ás observações que o digno par acaba de fazer.
A discussão do codigo civil já esta encerrada, e o digno par não fez senão dar uma declaração do seu voto.
Se me fôsse permittido entrar de novo na discussão, trataria de responder a algumas das observações de s. ex.ª
Limito-me porém a dizer que respeito muito os seus escrupulos e o seu talento; tenho muita consideração pelos seus dotes e pelo seu saber, mas parece-me que n'este ponto as suas apreciações não têem o fundamento que s. ex.ª julga.
Emquanto porém ao requerimento que o digno par fez, e que foi o que me obrigou a pedir a palavra, devo dizer a V. ex.ª e á camara que não tenho difficuldade alguma em satisfazer o que s. ex.ª deseja, antes estava já na firme intenção de mandar fazer a publicação d'essas actas que, por mais deficientes que sejam, podem dar effectivamente um esclarecimento muito util para se avaliar o merecimento do codigo.
Por consequencia póde o digno par estar certo de que não haverá difficuldade em ver realisados os seus desejos.
O sr. Pereira de Magalhães (sobre a ordem): —Mando para a mesa um parecer da commissão de legislação.
O sr. Ferrer: — Pedi a palavra simplesmente para agradecer ao sr. ministro da justiça a promptidão com que s. ex.ª prometteu mandar imprimir as actas simultaneamente com o codigo civil.
O sr. Presidente: — Como mais nenhum digno par pede a palavra passa-se á ordem da noite, e vae ler-se o parecer n.° 209.
É do teor seguinte:
PARECER N.° 209
Senhores. — A commissão de guerra foi presente o projecto de lei n.° 200 da camara dos senhores deputados, fixando o contingente para o exercito no anno de 1867 em 7:200 recrutas, distribuidas pelos districtos administrativos do reino e ilhas adjacentes conforme a tabella junta; e tendo a vossa commissão examinado escrupulosamente a proposta do governo e o respectivo relatorio que a acompanha, é de opinião, pelas rasões ali exaradas, que o indicado projecto deve ser approvado por esta camara, para poder subir á sancção regia.
Sala da commissão, em 25 de Junho de 1867. = Conde de Campanhã Sá da Bandeira = José Maria Baldy = Marquez de Fronteira = D. Antonio José de Mello e Saldanha.
(O projecto e tabella a que se refere este parecer acham-se publicados em carta de lei no Diario antecedente, a pag. 2136).
O sr. Presidente: — Esta em discussão.
O sr. Marquez de Sá: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — -Tem V. ex.ª a palavra.
O sr. Marquez de Sá: — Sr. presidente, approvo o parecer da commissão de guerra porque entendo que a força armada do nosso exercito se deve conservar no numero de 30:000 homens, que desde muitos annos tem sido votado, havendo só um anno em que o seu numero foi menor.
O exercito com esta força e com a guarda municipal não é sufficiente para defender Portugal contra a invasão de um exercito numeroso. Para esta defeza é necessario termos uma reserva e uma força de segunda linha, e alem d'isso é indispensavel que tenhamos fortalezas em estado de resistir a qualquer ataque. Cumpre pois fortificar Lisboa e o Porto. Sem isso é inutil ter um exercito tão numeroso. Bastaria que houvesse 7:000 ou 8:000 homens, força mais que bastante para o serviço interno. Mas se nós não temos forças sufficientes para combater em campo contra um exercito invasor, que necessariamente ha de ser mais numeroso do que o nosso, é indispensavel que tenhamos pontos fortificados, onde se apoiem as nossas forças, onde possam fazer frente a um inimigo muito superior.
E regra geral que a maior força vence a menor. Em caso de termos guerra estrangeira ella não será provavelmente com os estados de segunda ordem que estão distantes de nós, mas com potencias mais vizinhas, e que são muito mais poderosas do que nós.
Em tal caso, se ententarmos combater em campo aberto não podemos esperar vencer forças muito maiores do que as nossas. Mas se as fortificações de Lisboa e do Porto estiverem feitas, as nossas tropas cobertas por ellas, poderão lutar com um inimigo tres ou quatro vezes mais numeroso e, eventualmente, vence-lo ou obriga lo a retirar-se.
O sr. Ministro da Guerra (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, concordo com a opinião do digno par o sr. marquez de Sá da Bandeira, em relação á força do exercito, considerado debaixo do ponto de vista de defeza do paiz; mas devo observar a s. ex.ª que n'este projecto trata-se da força numerica para o serviço do reino; e é para isto que todos os annos, na conformidade da lei organica, se fixa o numero de recrutas que vem agora aqui fixado. Sobre este ponto creio que não ha objecção a fazer, nem me parece que o digno par as tivesse feito.
Emquanto ás fortificações, o digno par sabe que estou de accordo em fortificar Lisboa e Porto, e alguns outros pontos estratégicos do paiz; mas o digno par não ignora de certo que isto carece de um certo systema, combinado e preparado de antemão, que esta a cargo de uma commissão composta de officiaes engenheiros distinctos, e presidida pelo digno par. Logo que a commissão apresente o seu parecer, o governo ha de estuda-lo como deve, e depois na proxima sessão legislativa apresentará de certo ao parlamento um projecto de lei relativo a esse importante objecto, conforme os meios de que se possa dispor.
O sr. Marquez de Sá: — Concordo com o que acaba de dizer o sr. ministro da guerra. Entretanto direi ainda poucas palavras sobre o assumpto.
O governo actual já por um acto publico ordenou que se continuassem as obras de fortificação principiadas na serra de Monsanto, como indispensaveis para a defeza da capital, por isso peço a s. ex.ª que mande activar aquelles trabalhos, mesmo para se não perder a despeza que já se tem feito. Espero pois que s. ex.ª dê as suas ordens para se executar o que já mandou que, se fizesse.
O sr. Ministro da Guerra: — E sómente para dizer ao digno par que não tenho duvida em concordar com a indicação de s. ex.ª, declarando-lhe que dos poucos recursos que o governo tem no ministerio da guerra a meu cargo, e usando da auctorisação que o mesmo governo tem, para applicar a esse fim o producto de venda de certas propriedades, eu hei de destinar uma somma para a construcção do reducto da serra de Monsanto, que é considerada a cidadella principal das fortificações de Lisboa.
Vozes: — Votos, votos.
Postos á votação o parecer e projecto foram approvados. Leu se o parecer n.° 215 sobre o projecto de lei n.° 206, que são do teor seguinte:
PARECER N.° 215
Senhores. — A commissão de commercio e agricultura