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7 DE JUNHO DE 1956 867

3. Tal significaria que temos vindo a acender, nestas costas mais ocidentais da Europa, uma pequena luz que, mal se vislumbrando até agora, teria porventura a força de irradiação suficiente para se transformar em potente farol que pudesse iluminar o Mundo.
Esta circunstância, se feliz por um lado, traz, por outro, uma «pesadíssima responsabilidade, quando tivermos a perfeita consciência de que não estaremos a fazer um simples ensaio para uso exclusivo da pequena casa lusitana, mas antes e simultaneamente a construir algo de que pode depender o destino da Humanidade. Maior ónus, ainda, se tivermos em mente que podemos vir a ser acusados por incapacidade de realização, desrespeito dos princípios, pusilanimidade ou falta de fé - de não estarmos à altura das circunstâncias ao empunharmos, voluntariamente e quase sozinhos, o estandarte do. corporativismo.
Ë por demais evidente que só será legítimo raciocinar assim quando, com segura consciência, se possa responder afirmativamente a duas questões preliminares fundamentais, e .pela ordem seguinte:
Estará o Mundo de hoje necessitado de fontes de inspiração no terreno social, ou, por outras palavras, 'terá o nosso tempo encontrado já a fórmula de organização que permita o arranjo dos homens na sociedade em condições sofríveis de paz, de ordem material e moral e de justiça?
Terá a concepção corporativa, por seu turno, a bondade e o vigor, como ideia, para se arvorar em condutora de novos destinos e mais sãos?
Tentaremos que não fiquem sem resposta estas duas magnas interrogações.

§ 3.°

Os dois sistemas puros de organização social -Individualista e socialista - e as suas fórmulas de compromisso

4. O panorama do Mundo Ocidental que está sob os nossos olhos fornece-nos uma imagem conturbada e revolta. Há desorientação nos espíritos, há perplexidade, indecisão e angústia; há sintomas de doença social, grave e em ritmo acelerado. Os pensadores filósofos, sociólogos, economistas e tantos outros- escrevem o seu diagnóstico, quase concordante por unanimidade, mas não encontram remédio eficaz para o mal. Tudo sinais insofismáveis de que a Humanidade vive um estado transitório, sempre caracterizado por convulsões de toda a índole, e aguarda -sabe Deus para quando - a fase permanente em que a vida espiritual e material dos homens alcance aquele mínimo de normalidade que é seu anseio premente ou, pelo menos, uma linha tendencial para esse mínimo.
(Transição» parece ser realmente, e reduzido à sua expressão mais simples, o traço dominante nas últimas décadas neste lado ocidental da Terra e -poderia acrescentar-se ainda, embora . sem tanta certeza - o .traço genérico de todo o viver social presente, para cá e para lá da chamada «cortina de ferro».
Estão em guerra - aberta e declarada, em toda a problemática, social, as duas clássicas teses - o liberalismo e o socialismo. Por certo que são múltiplas as variantes de liberalismo individualista ou de socialismo, acusando desvios mais ou menos importantes, mas entroncando na mesma raiz comum, designadamente o neoliberalismo e o neo-socialismo, este com manifestações actuais bem conhecidas: o comunismo, o trabalhismo e as diversas correntes do neo-socialismo francês.
E compreende-se facilmente que assim suceda, sabido como é que toda a doutrina rígida e pura, tal como originariamente nasceu, está sujeita a um processo de revisão, pode dizer-se contínuo, no sentido da sua adaptação ao condicionalismo social do momento ou a novas correntes de pensamento que se-vão consolidando.
5. Como quer que seja, porém, e apesar das revisões sofridas, as variantes doutrinárias mantêm-se fiéis aos princípios basilares da doutrina original de que descendem. O mesmo é dizer que, no .fundo, se reduzem a dois os sistemas puros de organização - social: o sistema individualista e o sistema socialista.
Ou a sociedade se organiza em função do indivíduo
- este, a única realidade verdadeiramente válida a quê o Estado se submete voluntariamente, porque, em princípio, só existe para garantir o exercício livre da iniciativa individual -, ou o indivíduo se organiza em função da sociedade - esta a - realidade imperante, dominadora, a que o indivíduo, quer queira, quer não, tem de ficar subjugado, como simples algarismo de um grande «cérebro electrónico» - o Estado -, que faz todos os cálculos para cada pormenor da vida social.
No primeiro caso teremos o «Estado neutro», só preocupado com a paz nas ruas (ainda aqui vergado à segurança do indivíduo) e assistindo impassível ao trágico conflito capital-trabalho e à luta económica e feroz entre as empresas (Etat gendarme). Tudo em homenagem a uma «ordem-natural», que a livre iniciativa dos egoísmos individuais automaticamente há-de engendrar.
No segundo caso teremos o «Estado providência», assumindo o comando de toda a iniciativa, erguendo uma burocracia gigantesca, capaz de riscar a régua e compasso a planificação de todos os quadros da vida em sociedade, suprimindo radicalmente a «questão social» e a «luta económica», porque inventa o «Estado patrão». E tudo isto, em razão da comprovada incapacidade dos indivíduos para forjarem por si uma ordem estável, onde se possa alcançar uma equitativa distribuição da riqueza, o que equivale a construir justiça social segundo um critério exclusivamente materialista.
Por certo que os dois sistemas apontados, de contornos rígidos e geométricos, nunca poderiam ter aplicação prática em toda a sua pureza. Mas temos a sua concretização, muito aproximada, em dois exemplos historicamente registados: o primeiro, o surto do liberalismo, que nasceu manchado de sangue, com a Revolução Francesa, reinou em toda a Europa e América durante o século XIX e veio a morrer nessa outra carnificina que foi a primeira grande guerra; o segundo, que surgiu em sucessão cronológica imediata no Leste europeu, ainda subsiste em termos de grande vitalidade e -mais do que isso- já se encontra disseminado na maior parte do continente asiático.
Tudo o resto que conta actualmente quedemo-nos na Europa Ocidental e na América- vive em regime de transigências mútuas entre o individualismo e o socialismo. Tais soluções de compromisso ou vivem mais acantonadas na fórmula socialista, como o Ocidente europeu, ou ainda de certo modo ligadas à inspiração individualista, como os 'Estados Unidos da América do Norte.
Uma visão de conjunto sobre o panorama do Mundo Ocidental revela, pois, uma tendência marcada para a fórmula de um «socialismo mitigado».
E compreende-se semelhante tendência. Superado o liberalismo individualista, pelo menos nos domínios do social e dó económico, por ter deixado de corresponder às novas estruturas do meio e à mentalidade dominante, o homem julga não ter outra alternativa senão a de integrar-se no Estado socialista, pois o imperativo da sua condição o obriga a construir a «cidade» em que possa viver.
Mas, com esta integração, o homem sabe que abdica de prerrogativas que ciosamente desejaria conservar e, sobretudo, tem no subconsciente o receio, seguramente fundado, de que as abdicações se hão-de suceder em ritmo progressivo, porque a onda socialista, por