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ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 97 870

sar de os «corpos profissionais» se terem desenvolvido espontaneamente por todo o Ocidente europeu, talvez que o simples facto desta relativa proximidade, no tempo, tenha trabalhado em desfavor de uma restauração corporativa. Isto porque, embora a distância não seja suficiente para apagar os ecos de um clima de paz e concórdia social, que sabemos ter caracterizado o período áureo das corporações medievais, também, por outro lado, está ainda muito recente, e viva, a ideia de que o regime corporativo de então só foi abolido porque não era já compatível com as modificações verificadas na estrutura do meio económico-social e com os novos conceitos elaborados pela filosofia individualista e racionalista do século XVIII.
Não se negam estes factores notórios, como causas evidentes do declínio e consequente supressão dos grémios dos ofícios. Basta atentar em fenómenos como a passagem de sistema de economia urbana ao sistema de economia nacional, ou o advento do capitalismo, que lhe foi coincidente: basta considerar a nova ideologia -assente nos princípios da livre iniciativa, da liberdade individual e da liberdade de trabalho- para se tomar verdadeira consciência das extraordinárias mutações registadas nessa época e da sua repercussão fatal nas instituições vigentes.
Importa, porém, esclarecer que estes dois importantes factores - económico-social e ideológico - actuaram em cheio sobre as antigas corporações, e acabaram por as eliminar, sobretudo pela circunstância infeliz de os seus dirigentes responsáveis não terem sabido afeiçoar gradualmente a organização corporativa ao novo condicionalismo.
Em vez disso, tornaram ainda mais fechadas as corporações, em lugar de as abrir e de as estruturar em moldes adequados, e reagiram cor todos os meios, supondo talvez que poderiam sair vencedores na contenda. E foi esse p erro de visão dos mestres dos ofícios - visível à distância de hoje e com os dados do conhecimento histórico; naturalmente imprevisível à luz do seu tempo e ao baixo nível de cultura desses honrados artesanos, que deixaram à posteridade a esplêndida herança de uma dignidade profissional e de uma probidade moral jamais atingidas.
O argumento contra o corporativismo, tirado da sua exclusiva adaptabilidade ao sistema de economia artesanal e impossível manutenção nas estruturas económicas modernas, é manifestamente invalioso em face dos dados que a experiência contemporânea tem fornecido prodigamente. Ela demonstra que o princípio corporativo tem a elasticidade bastante para se adaptar às transformações do condicionalismo económico-social: eterno e fixo como princípio, porque decorrente da ordem da natureza, e só transitório ou variável na forma da sua aplicação.
Mas a inconsistência do argumento mais se avantaja agora, em que os tempos já são outros, certo como é que estamos vivendo de novo uma época marcadamente institucional, que abre perspectivas óptimas para a instauração de regimes corporativos autênticos.

13. E, depois dos anteriores, apontaremos apenas um outro motivo que justifica o atraso ma realização do ideal corporativo.
Voltámos, assim, uma vez mais, ao caso da Itália fascista, agora para afirmar que ele teve o merecimento incontestável de atrair as atenções de todo o mundo civilizado, pela sua apresentação brilhante, atirando para o primeiro plano do pensamento universal o estudo dos problemas corporativos. Mas, se não pode negar-se esta efectiva vitória, também não pode desconhecer-se que o estigma totalitário do fascismo desvirtuou a beleza e a bondade do corporativismo italiano. E foi esse o flanco frágil por onde o atacaram com êxito.
Mesmo assim, se não fora a última guerra mundial, de que a Itália saiu vencida, não se sabe qual o destino do seu regime corporativo, mesmo truncado como estava pelo princípio socialista, que o dominava em absoluto. Embora socialismo corporativo ,e, portanto, muito mais vulnerável, porque regime corporativamente desvirtuado, apesar disso não foram razões económicas ou sociais que o mataram - foram razões meramente políticas, foi a sorte das armas, contra a qual não vence a ideia ou o direito, mas unicamente a força.
O liberalismo e o comunismo deram-se as mãos num aperto sincero contra o corporativismo, inimigo comum, que verdadeiramente o era. Tinha ganho disseminação e prestígio, estava já instalado em Portugal e prestes a entrar em começo de execução nalguns outros países, e forçoso se revelava aniquilá-lo, movendo-lhe campanha sem tréguas, surda, mas tenaz. Daqui o slogan «Corporativismo igual a totalitarismo», que tão injustamente o desacreditou, retardando a marcha francamente progressiva que o pensamento corporativo assinalava em 1939, no limiar das hostilidades.
Recorda-se, a título de curiosidade, que chegou a tanto o temor da palavra «corporativismo», tal a sua heresia, que uma moderníssima corrente corporativa, aparecida na Itália e salutarmente eivada do catolicismo social, para não incorrer em pecado contra as democracias, passou a apelidar o novo movimento de a «corporativismo democrático». Dez anos de após-guerra, reveladores de tantas hipocrisias e mistificações, estão a repor no seu devido lugar os valores subvertidos e, entre eles, a verdade corporativa começa a irromper nos factos e na doutrina.
Como quer que seja, porém, a guerra desfechou sobre o ideal corporativo contemporâneo o maior golpe e o mais traiçoeiro que ele jamais sofreu. E, no balanço final dos despojos, o corporativismo acusou um enorme retrocesso.

§ 7.º

O neocorporativismo como fenómeno de reacção e as suas origens

14. Mas o que é este ideal corporativo contemporâneo? Porquê, como e quando surgiu?
Entramos assim no problema das origens do neocorporativismo, em análise forçosamente rápida e sem preocupações de apurado rigor, pois o que mais interessa é destacar as grandes linhas da sua evolução até aos nossos dias.
Pode afirmar-se que o motor original do moderno pensamento corporativo radica no que usa chamar-se a «questão social», oriunda do conceito liberalista do «trabalho-mercadoria», submetido como qualquer outra à violência da lei da oferta e da procura.
A crescente miséria dos trabalhadores e o dissídio feroz entre o capital e o trabalho fizeram eclodir, na primeira metade do século XIX, uma irresistível corrente sindicalista organizada para a luta. E, porque o Estado neutro do liberalismo assistia impassível ao choque brutal dos interesses em jogo, tanto neste aspecto social como no sector económico, apareceu também - nascida de um impulso generoso de justiça e com uma lógica natural - a ideia socialista. Se o Estado-polícia do individualismo é comprovadamente incapaz de dar a solução do problema social ou económico, substitua-se-lhe o Estado-empresário, que assegure o trabalho para todos e a distribuição equitativa da riqueza.
Isto equivalia, porém, a abolir a livre iniciativa e a propriedade privada e, para tanto, o Estado socialista havia de assentar na força, esta necessária para a com-