7 DE JUNHO DE 1956 873
sectores da vida social, como Olivier Martin o fez notar ao seu valioso estudo sobre a França. Por seu turno, estender o princípio corporativo até ao máximo da sua projecção, integrando em corporações certas actividades que tudo aconselha a manter sob a alçada directa da Administração Central, como seus serviços próprios, também parece não poder aceitar-se inteiramente como processo ajustado às realidades.
Uma dupla ilação pode, pois, tirar-se desde já: a nossa fórmula de «corporativismo quase integral», ao mesmo tempo que é critério distintivo em relação às várias escolas corporativas, confirma o carácter realista do nosso sistema corporativo.
Mas há ainda uma outra particularidade que convém assinalar e é a modalidade de «corporativismo autónomo» que propomos. Com ela nos desviamos da pureza ideal de um «corporativismo de associação» - livre iniciativa para a constituição dos organismos corporativos, inscrição facultativa e autodirecção-, conforme o pensamento ainda dominante da escola corporativa católica. Mas, ao fazê-lo, agimos uma vez mais segundo uma orientação realista, que tem presente a externa dificuldade ou impossibilidade prática de erguer uma organização corporativa ampla e completa, confiando exclusivamente à espontaneidade dos interessados a constituição das suas instituições corporativas. E, assim, aproveitamos dos pressupostos do corporativismo de associação» o seu elemento básico e definidor, que é a autonomia dos corpos constituídos, e admitimos que o Poder impulsione por si a criação dos vários organismos, substituindo-se à iniciativa dos interessados, e até exija, quando necessário, a sua avaliação obrigatória.
O que realmente importa - parece visível - é saber e a corporação se dirige por si própria ou actua sob o somando do Governo, funcionando como órgão seu; o resto, perante a grandeza deste facto principal, é meramente secundário. Portanto, «corporativismo autónomo» ou «corporativismo dependente» - eis a questão crucial; não devendo deixar de acentuar-se, contudo, que só pode haver corporativismo autêntico quando exista o requisito da autonomia. E tanto equivale a afirmar que o corporativismo dependente, com corporações directamente submetidas à Administração, não constitui sistema corporativo pròpriamente dito, como houve o ensejo de esclarecer ao ser analisado o caso italiano, de cujos princípios norteadores a solução portuguesa se afasta radicalmente.
20. Ainda poderia encontrar-se um novo traço diferenciador do sistema português, intentando integrá-lo na classificação proposta por Manoïlesco, que utiliza como ponto de vista a competência legislativa e as corporações, no plano da estrutura constitucional do Estado. É sobejamente conhecida essa importantíssima classificação: corporativismo puro, quando a câmara corporativa detém o poder exclusivo de fazer as leis; corporativismo misto, no caso de a câmara dividir o poder legislativo supremo com uma assembleia do tipo parlamentar; e corporativismo subordinado, sempre que a câmara corporativa disponha de
era função técnica consultiva.
Segundo este critério classificador, a nossa solução tem revestido até agora a forma de corporativismo subordinado, não cabendo à nossa Câmara uma função
deliberativa. Mas é forçoso acentuar-se que nem sequer seria possível ou aconselhável outra conduta numa fase de organização incipiente, à qual faltava o órgão superior e especificamente corporativo, com que agora (...) pretende dotá-la. Realmente, sem a corporação, muito precária teria de ser sempre uma câmara com atribuições legislativas. E corria-se o risco de, querendo dar-lhe força constitucional e autoridade, impedir que ela viesse a alcançar, como órgão meramente consultivo, aquele alto prestígio que já ninguém bem intencionado lhe pode recusar, porque de direito próprio o conquistou.
Problema inegàvelmente sério, este, e sobre o qual vai sendo tempo de tomar-se posição, o certo é que não há dados suficientemente seguros para definir o nosso regime corporativo através daquele índice de primacial relevo. Motivo também de séria preocupação, esta falta, porque tem de confessar-se que nunca poderá ser completa a caracterização de um sistema corporativo sem a presença desse elemento-base de tamanho reflexo em toda a contextura política do Estado. Acrescente-se: elemento absolutamente imprescindível para a determinação do espaço em que actua o princípio corporativo, ou seja se ele é levado até às suas naturais consequências de reformar o Estado de alto a baixo, ou se deve confinar-se na posição mais modesta de mero instrumento constitucional, que tem voz, mas não decide.
Como quer que venha a suceder, todavia, podemos desde já e em síntese caracterizar o sistema corporativo português, primeiro, por um pensamento e uma técnica realistas, depois, pelo destino a que tal realismo o conduziu - corporativismo quase integral e corporativismo autónomo.
Em conclusão: escola corporativa portuguesa, ou escola corporativa realista.
§ 9.º
Realizações corporativas autuais no estrangeiro
21. E falta apenas, em observância do plano previamente delineado para esta introdução, deixar cair algumas palavras sobre as muitas realizações corporativas que já hoje se vão podendo observar no estrangeiro e têm progredido sensivelmente nos últimos anos.
Estão patentes, mais ou menos por toda a parte, claras manifestações de uma ideia corporativa em acção, quase sempre encobertas ou mascaradas com rótulos duvidosos para não denunciarem a «heresia corporativa». Ainda o «temor da palavra», tão aviltada ela andou; ainda resquícios dessa longa e funesta campanha anticorporativa a que já anteriormente nos referimos.
Nem se calcula, porém, a extensão que o fenómeno corporativo está adquirindo lá fora, tais as aplicações do princípio corporativo que se verificam em numerosos países estrangeiros, desde aqueles que já podem considerar-se como dispondo de corporações em certos ramos da indústria e onde o processo corporativo se mostra generalizado ao social e ao económico, como a Suíça, a Bélgica, a Holanda e a Noruega, até àqueles países em que as realizações corporativas tomam carácter mais restrito ou acidental, como a Suécia, a Franca, a Itália, a Inglaterra, a Grécia, a Turquia, o Egipto, a Pérsia, etc...
Os nomes por que se designam as instituições corporativas são variadíssimos, nomeadamente: «conselhos nacionais», «conselhos industriais», «comissões paritárias», «grupos industriais», «grupos de produção», «comissões económicas», «comunidades profissionais» e tantos outros que seria fastidioso enumerar e onde não está explícita a indicação corporativa, muito embora a essência das correspondentes instituições tenha, em muitos casos, essa genuína raiz.
22. Entenda-se, porém, que se trata apenas de «realizações corporativas». Porque - já o escrevemos e repetimos - regime corporativo como afirmação de