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ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 91 868

definição, não deixa de se avolumar e só pára quando o Estado se encontrar pletórico e o indivíduo atrofiado. Em síntese: o homem sente não lhe ser permitido dizer-se individualista, mas no fundo não quer o socialismo. E não será esta uma das causas profundas do grande drama que a Humanidade vive presentemente, daquela desorientação, perplexidade e angústia, daquele estado convulsivo de transição a que antes nos referimos?

§ 4.º

A tendência moderna para o «socialismo mitigado» e os seus perigos

6. Esse socialismo mitigado que o Ocidente europeu está praticando, em maior ou menor escala, é a única forma possível de organização social para quantos entendam que -para além do individualismo, ultrapassado, e do socialismo puro, que se repele- não existe outra alternativa para enquadrar os homens em sociedade.
Circunscritos nesse horizonte limitado, os povos ocidentais submetem-se à fatalidade da situação e aceitam-na vencidos. Más tem de reconhecer-se que semelhante posição não pode ter carácter definitivo e permanente, não pode constituir mais do que expediente transitório ou solução de emergência.
Todos sabem o que é organizar um Estado ao pendor do individualismo puro ou do- socialismo comunista, mas ninguém sabe, nem jamais saberá, quais são em rigor os pilares para a construção do Estado sob a forma de «socialismo transigente». E que, na realidade, o sistema de organização individualista assenta em princípios bem definidos que facultam os dados suficientes para se conduzir uma política operante em todos os sectores da vida social, permitindo um rumo - melhor ou pior, mas indubitavelmente fixo- na orientação do Estado. E o mesmo se passa com o sistema socialista puro, onde há também princípios, agora contrários, mas incontestavelmente seguros, para neles alicerçar uma política - mais ou menos humanamente viável, não interessa discuti-lo, mas em perfeitas condições de certeza.
E esta segurança de princípios, é esta potencialidade de uma política estável e certa, que falta inteiramente no socialismo mitigado. Mercê da sua própria natureza de solução ecléctica, todo o seu poder de acção é vacilante e movediço, oscilando ao sabor das oportunidades do momento e sempre vergado aos arranjos, mais ou menos confessáveis, entre os partidos políticos. Não se esqueça que este socialismo de que nos ocupamos aceitou intacta, do liberalismo, a herança política da democracia parlamentar, embora a tenha repudiado, em grande parte, nos domínios económico e social.

7. Pseudo-sistema de organização, o socialismo transigente é, portanto, um processo híbrido; como tal, sem definição precisa. E não pode conceber-se que, por essa via, o Mundo venha a conseguir aquele mínimo de normalidade material e moral que a sua declarada perturbação e o seu estado convulsivo patente reclamam de modo assustador.
Repare-se, contudo, que o socialismo mitigado não se mostra apenas ineficaz como remédio, mas encerra em si mesmo um perigo sério, para quem não aceite uma fórmula de socialismo puro. E que, muito embora de mão» dadas com o liberalismo, ele parte de uma base predominantemente socialista.
E então, uma de duas: ou é incoerente consigo mesmo, travando o intervencionismo do Estado, que sabemos ser uma autêntica «bola de neve», e assim negará as suas próprias premissas, desacreditando-se como ideologia política; ou, coerentemente, tem de entregai ao Estado cada vez maior soma de atribuições ou poderes e, seja qual for a resistência que intente opor ao avanço, a meta onde vai tocar, a (prazo mais longo ou mais curto, é sempre o socialismo puro.
Ora o socialismo atenuado apresenta-se e confessa-se declaradamente anticomunista, agindo «aparentemente» como seu adversário. E assim comete um grande erro de lógica: aceitar o «princípio» e rejeitar o «fim», admitir uma causa e negar os seus efeitos naturais.
Em resumo: pondo de parte toda a ingenuidade mascarada, quem queira enfileirar conscienciosamente nas hostes do socialismo transigente deve ponderar que ajuda a ideia comunista, mesmo sem querer, e que trabalha para a sua implantação futura. Este parece ser o dilema para os que têm responsabilidades na condução dos povos, para os chefes ou influentes políticos; e tema grave para a sua meditação. Porque o povo, não sendo esclarecido, pode bem caminhar de olhos tapados, e com certeza «ingenuamente», para aquilo de que, no seu íntimo profundo, desejaria afastar-se.

§ 5.º

Uma terceira solução autónoma - o sistema corporativo

8. Perante esta verdadeira crise de organização em que os países ocidentais se debatem, à procura de um rumo certo na encruzilhada individualismo-socialismo, e na sua gama variada de soluções eclécticas, chegou a altura de perguntar se é fatal essa dicotomia, se não existe ao lado dos dois sistemas puros -individualista e socialista- um terceiro sistema ou uma terceira solução.
Quando se fala em terceiro sistema, o que se quer significar não é obviamente mais uma solução intermédia, de compromisso entre o individualismo e o socialismo, como tantas que por toda a parte proliferam. E, sim, uma nova solução diferente daquelas duas, que contenha um princípio distinto de ambas e cujos contornos não se lhes possam assimilar, confundindo-se nelas.
Mas existe tal solução, de conteúdo verdadeiramente autónomo?
Responde-se com uma afirmativa categórica, e com a plena consciência de que não se está a fazer, no domínio do social, qualquer coisa como uma descoberta. Nem sequer como novidade se apresenta, porque o sistema foi experimentado durante séculos sucessivos e ninguém o desconhece. Mais do que isso, o sistema não é invenção do homem, mas decorre da própria natureza humana; não é postulado teórico, mas imperativo da realidade social. E de tal modo que, em qualquer sociedade, humana, se não houver força estranha a tolhê-la, a tendência imediata e espontânea, a tendência natural, será para uma organização sob essa forma.
Queremos referir-nos, como já se calcula, ao sistema corporativo.
9. Na verdade, não são apenas dois os sistemas puros de organização social -individualista e socialista-, porque pode demonstrar-se, sem dificuldade, que o sistema corporativo não se identifica com qualquer deles nem é combinação dos dois. Enquanto no sistema individualista e no sistema socialista a imagem social se exprime por uma criação abstracta da inteligência, que é o binómio Indivíduo-Estado, com predomínio absoluto de um dos dois termos, na solução corporativa - porque parte da realidade concreta - a imagem da sociedade humana apresenta-se sob a forma natural e trinómica Indivíduo-Instituição-Estado.