994 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 98
comprometer, pelo menos durante um largo período, o poder de compra dos grupos de menores rendimentos, ou seja, dos que acusam maior propensão ao consumo.
28. Gomo quer que estas dificuldades venham a ser resolvidas, outras subsistem que complicam singularmente a utilização dos incentivos fiscais e condicionam a sua eficácia.
Uma delas diz respeito à actuação do princípio do multiplicador nos países menos desenvolvidos. Efectivamente, dada a sua estrutura económica, assinalada por marcada desproporção na oferta dos factores produtivos, pode ser muito difícil aumentar a produção total em períodos curtos.
Depois os rendimentos derivados do maior investimento podem chegar às mãos de pessoas que prefiram aumentar o consumo de bens que elas próprias produzem a aumentar os seus gastos em bens comprados a outras empresas, quebrando-se por tal forma a sequência do multiplicador.
Paradoxalmente, o predomínio da agricultura, a falta de equipamento e de um adequado nível técnico, a existência de desemprego oculto, da empresa familiar, da produção para consumo doméstico -tudo características dos países subdesenvolvidos- criam condições análogas, sob muitos aspectos, às do pleno emprego.
Acresce, de resto, que, enquanto os ganhos em divisas são, em regra, independentes da taxa de crescimento, as importações tendem a variar directamente com ela. Mas as importações são uma filtração do circuito do rendimento, indo estimulá-lo, bem como ao emprego, em outros países.
Nestas circunstâncias, o multiplicador dos rendimentos- não pode deixar de ter um valor explicativo muito reduzido, revestindo-se de uma importância excepcional a escolha do campo de investimento. Nem admira que assim seja, já que, gerando o investimento simultaneamente capacidade e rendimento, o curso normal do processo de desenvolvimento pressupõe a existência- de uma relação adequada entre aqueles dois elementos.
29. Simplesmente, ainda que fosse possível canalizar grandes somas para o desenvolvimento, sem prejuízo do equilíbrio económico interno e externo, nem redução draconiana dos consumos, mesmo em tal hipótese a capacidade de absorção de capital pode revelar-se francamente limitada. Sucede assim porque, ao contrário do que poderia supor-se, a principal riqueza doa países economicamente mais desenvolvidos não é constituída pelo seu equipamento material; é antes a soma de conhecimentos acumulados na sequência de experiências concludentes, a aptidão da população para utilizar eficazmente estes conhecimentos e a formação que a coloca em situação de o fazer.
Assim, ao lado de uma infra-estrutura material, torna-se indispensável e urgente criar e consolidar nos países menos desenvolvidos uma infra-estrutura humana, se nos é lícito empregar tal expressão, capaz de fazer germinar as sementes do progresso. A necessidade é tanto unais instante quanto é certo que o processo cumulativo do desenvolvimento nunca poderá obter real vigor, a não ser que depressa suscite esperanças s capture a imaginação e fidelidade dos povos.
Há, pois, uma forma de investimento que, não reclamando capitais muito importantes, nem pesando sobre a situação financeira, permitirá um aumento sensível da produção. Este investimento é em grande parte psicológico. Ele consiste em desenvolver no País o espírito de empresa e a vontade de organização, em combater as concepções estáticas e as palavras de ordem maltusianas, em difundir o sentido da produtividade.
30. O problema do desenvolvimento económico apresenta-se-nos hoje em moldes completamente diferentes daqueles que caracterizaram a expansão dos países hoje situados em estádio mais avançado.
Aqui, o progresso operou-se ao longo de décadas de desenvolvimento da indústria, agricultura e comércio, durante as quais se formou uma classe de empresários preparados moral, intelectual e tecnicamente para explorar as possibilidades e as novidades que se lhes apresentavam. Ao mesmo tempo, foi-se processando, lenta mas continuamente, uma evolução da mentalidade, costumes e instituições que, eliminando forças de frenagem, dava novo vigor ou, pelo menos, não interferia com a autopropulsão do movimento.
Nos países menos desenvolvidos o panorama é substancialmente diverso. Pois, para começar, depara-se logo com uma desoladora falta de empresários e dirigentes de empresas que, mediante o investimento, transformem recursos potencialmente disponíveis em adições ao stock de capital. Acontece assim, por um lado, porque o clima económico e social destes países não estimula grandemente a promoção de actividades industriais e comerciais por parte das pessoas qualificadas, nem é, tão-pouco, favorável é formação de tais pessoas. Por outro, ainda que se disponha de um número suficiente de elementos qualificados, a tarefa do empresário num país de economia pré-industrial é extremamente árdua.
31. Este condicionalismo é imputável a diferentes factores. Primeiro, as actividades industriais e comerciais são objecto de uma depreciação mais ou menos pronunciada em determinados estratos da sociedade; os interessados reagem dirigindo os seus filhos para actividades ou carreiras que se supõe concederem maior prestígio social, mas que em pouco ou nada contribuem para o desenvolvimento económico do País.
Depois, as aptidões para lançar e dirigir empresas são, regra geral, inatas e desenvolvem-se com a experiência adquirida. Os homens aprendem administração participando nela e só à medida que a economia se desenvolve pode aumentar o número de dirigentes qualificados.
Por último, a falta de investigação económica e técnica é de molde a dificultar a função do empresário. Sugere-se .como remédio uma investigação promovida pelo Governo, mas o certo é que esta não pode só por si lançar uma ponte entre uma ideia e a sua execução, pois os ideias raramente surgem quando há um vácuo em matéria de conhecimento e de experiência.
Na ausência dos ensinamentos que só uma longa tradição industrial poderia fornecer, toma-se muitas vezes para modelo uma outra empresa já- existente e, quando esta não existe, as empresas são organizadas sem uma adequada consideração do custo por que hão-de vir a produzir.
A falta de conhecimento ou de experiência, não só torna difícil a descoberta e aproveitamento das oportunidades, como ainda é responsável pela imperfeita idealização e execução dos planos. A incerteza inerente a todo o investimento, acentuada neste caso pela falta de experiência e pelas condições peculiares do mercado dos factores de produção, leva o empresário a sobreavaliar os riscos do investimento industrial, em confronto com outras alternativas.
O facto é responsável em boa medida pelo desvio dos capitais particulares para o que convencionalmente, embora sem grande rigor, se qualifica de investimento improdutivo ou especulativo.