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856 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 81

No momento em que as comportas de uma barragem se fecham, uma vasta toalha de água começa impiedosamente a cobrir a terra. Por vezes essa terra é nua e pouco valiosa, como aquela que o Douro percorria na região em que se decidiu transformá-lo em energia; mas, outras vezes, o solo inundado pelas águas da albufeira é constituído por terras ricas do vale, donde sai o sustento e a abastança das populações locais - como acontecia em Vilar da Veiga ou Venda Nova, onde o Cávado e o Rabagão foram represados.
O aproveitamento de um rio provoca expropriações em larga escala de prédios rústicos e urbanos, de engenhos e fábricas, por vezes de povoações inteiras - de tudo, em suma, que as águas contidas vão submergir sem remédio.
Ora, é manifesto que um acontecimento desta natureza dará inevitàvelmente causa a delicados problemas de ordem económico-social: é toda uma comunidade que perante a submersão dos seus campos e dos seus lares se vê constrangida ao êxodo colectivo. Famílias que se dispersam ao sabor de desencontradas possibilidades que a cada membro se oferecem; costumes e tradições que se perdem, hábitos que se modificam, rumos de vida que se alteram.
Nem sempre, porém, a perda dos haveres da comunidade é total. As terras fundas onde se cultivava a vinha e o milho e onde se apascentavam os gados desapareceram; mas os cabeços dos montes e o casario instalado a meia encosta continuam a dominar as águas da albufeira. O lavrador perdeu os seus melhores campos, mas conserva a casa de habitação com as suas dependências agrícolas, as suas sortes de mato e uma ou outra leira desgarrada. Que fará porém do espigueiro definitivamente vazio de milho, dos gados sem pastos, das cortes sem gados, da eira sem cereais ou da adega sem vinho? Para que lhe serve o inato das sortes se não tem gados para o curtir nem terras onde o aplique? Para que quer a casa, se os seus familiares se vêem forçados a ir procurar algures o sustento que as vertentes dos montes sobranceiros à albufeira não podem proporcionar-lhes?
Certamente que os proprietários da comunidade atingida pela expropriação maciça verão os campos expropriados serem pagos pelo seu valor real, talvez até generosamente pagos. Mas a perda dessas terras destruiu por completo o equilíbrio da economia rural em que as populações afectadas tinham construído a sua existência e firmado o seu modesto nível de vida. O dinheiro realizado não pode ser utilmente investido, porque ninguém tem para vender o que o expropriado precisaria comprar: todos são expropriados. E é impossível vender o que se salvou do dilúvio, porque ninguém está interessado em comprar por preço compensador aquilo que todos desejariam alienar para tentar refazer a vida longe das águas da albufeira vizinha.
Desta forma, pode acontecer que uma população se veja sacrificada em holocausto ao interesse público da electrificação nacional. E esta eventualidade merece ser encarada com compreensão e justiça.
O tema deveria talvez ser mais longamente explanado, mas o que se disse será suficiente para se concluir que os métodos, os processos, e até os princípios jurídicos que informam o instituto da expropriação por utilidade pública, nem sempre permitirão encarar e resolver satisfatòriamente os problemas que surgem aquando de expropriações em larga escala, determinadas pela realização de grandes empreendimentos e que preenchera um tipo bem diverso das expropriações determinadas por necessidades correntes da vida quotidiana, como sejam a abertura de uma rua, o alargamento de uma praça, a construção de uma piscina ou de uma estrada.
Os conceitos de justa indemnização ou de valor real, que a jurisprudência tem extraído dos preceitos legais vigentes ou que no projecto figuram, não satisfazem manifestamente em hipóteses como a referida, que implicam a destruição da harmonia ou equilíbrio de uma economia familiar, determinando o correspondente prejuízo da desvalorização das peças integrantes de um casal agrícola que a expropriação parcial não atinge.
A Administração pode, manifestamente, no diploma em que declara a utilidade pública da expropriação, consignar quais as exigências que devem ser satisfeitas ou quais as condições que devem ser cumpridas pela entidade expropriante, com vista a dar-se solução adequada aos problemas de ordem económico-social que uma expropriação em larga escala pode suscitar na região atingida. De resto, assim o fez já o Governo e, aliás, com especial cuidado, a propósito da concessão à Companhia Eléctrica das Beiras, que ficou obrigada, ao construir a barragem de Santa Luzia, que iria provocar a submersão da aldeia de Vidual de Baixo, a adoptar as medidas necessárias para acautelar a precária situação em que seriam colocados os seus habitantes, designadamente os que viviam do amparo da população e não tinham bens a expropriar, como os inválidos e os mendigos (vide o decreto publicado na l.ª série do Diário do Governo de 6 de Maio de 1958).
Medidas governamentais desta natureza não podem, porém, ser apenas adoptadas ocasionalmente, antes devem ser encaradas como uma necessidade corrente em casos como os que se têm em vista. Para que fique habilitado a impô-las, necessita o Governo de que seja feito, em cada caso, e apresentado pela entidade expropriante, um pormenorizado estudo do ambiente económico-social em que vão ser realizados os empreendimentos projectados, das repercussões que as expropriações e obras a realizar vão ter no seio das populações afectadas e das medidas a adoptar no sentido de resolver por forma adequada os problemas respeitantes à harmonização do interesse geral prosseguido com os interesses particulares e locais, humanamente respeitáveis, que o empreendimento a executar possa afectar desfavoràvelmente. Independentemente de tal estudo, a fazer pela entidade expropriante, muito conviria que a Junta de Colonização Interna tivesse o encargo de relatar os problemas ligados à transferência de populações rurais provocada por expropriações maciças e de propor ao Governo as soluções de tais problemas aconselhadas pelas circunstâncias.
Não pode esta Câmara ir mais longe, na apreciação de um projecto de índole regulamentar como o que agora lhe é submetido.
Entendeu, porém, que não devia deixar de considerar o problema a que se referiu, na esperança de que a sugestão, implícita no aditamento que propõe para o artigo 2.º do projecto governamental, contribua para fazer surgir uma nova maneira de encarar as realidades apontadas e que não têm beneficiado da merecida solução legislativa.

II

Exame na especialidade

2. Não merecem grandes reparos os artigos 1.º a 5.º, que definem a quem compete a declaração de utilidade pública, indicam quem pode requerê-la e como deve ser requerida, estabelecem a forma de identificar os prédios a expropriar e de dar publicidade ao acto declarativo da referida utilidade, permitem que o quantitativo da indemnização seja fixado por acordo e enumeram quem se considera interessado na expropriação.
Mas, a este respeito, tem de acentuar-se que não resulta inequìvocamente do projecto governamental se