858 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 81
se prescreve a citação dos credores que tenham privilégio ou preferência sobre os bens penhorados (Cf. Lopes Cardoso, Projecto de Revisão do Código de Processo Civil, I, 63).
Ora os credores com privilégio ou preferência são interessados na expropriação, por força do que se preceitua no artigo 5.º do projecto. Basta que intervenham eles no processo. A citação dos credores comuns não se justifica e a Câmara entende que ela não deve ter lugar.
7. A Câmara entende também que o n.º 4 do artigo 12.º do projecto não tem conteúdo útil. Remete para e simplesmente para o Código Civil. Falta saber se remete bem, já que é de duvidar se a regra contida no artigo 2248.º do Código Civil obedeceria aos melhores princípios jurídicos: a expropriação determina uma situação semelhante à da perda do objecto do usufruto e, consequentemente, poderia provocar a extinção pura e simples de tal direito, dando-se satisfação aos direitos do usufrutuário pelas forças da indemnização paga pelo expropriante e que seria dividida entre o nu-proprietário e o usufrutuário após a avaliação dos direitos deste, feita segundo as regras legais (Código de Processo Civil, artigo 607.º, n.º 5.º).
De qualquer forma, porém, em vésperas do aparecimento do novo Código Civil, afigura-se inconveniente a remissão para um artigo prestes a caducar. Por outro lado, a versar-se neste diploma o problema do conflito de interesses entre o usufrutuário e o mero proprietário, ou teríamos de nos reconduzir à solução proposta pelo Prof. Pires de Lima, no estudo que publicou no Boletim do Ministério da Justiça (n.º 79, pp. 35 e seguintes, designadamente 70 e 92), partindo do princípio de que tal solução vai merecer bom acolhimento e ser consagrada no futuro código, o que pode não acontecer; ou teríamos de tratar a matéria em termos diversos do que nesse estudo se propõe, o que daria lugar a embaraços, se a orientação sugerida por aquele Professor vier a ter consagração legislativa.
Assim, inclina-se esta Câmara para a eliminação do n.º 4 do artigo 12.º do projecto governamental: até à entrada em vigor do novo código a referência ao artigo 2248.º não é necessária; após a promulgação do futuro Código Civil tal referência é manifestamente inconveniente.
8. No artigo 14.º estabelece-se o princípio de que na falta de acordo o valor da expropriação será fixado por arbitragem.
Tal princípio é de aceitar; mas os termos em que esta vem regulada não parecem defensáveis.
Tratar-se-á mais desenvolvidamente do problema a propósito dos artigos 22.º e seguintes do projecto.
9. Aos artigos 15.º a 19.º não há reparo a fazer, salvo no respeitante à redacção.
10. No artigo 20.º, cumpre prever a possibilidade de haver quem possa exercer o direito de preferência na transmissão do prédio expropriado, quando à entidade expropriante só interesse a expropriação parcial.
Será, por exemplo, o caso de haver no prédio inquilino comercial, industrial ou que exerça profissão liberal, não sendo a parte de que ele é arrendatário sujeita à expropriação.
Entende a Câmara que em tal caso, se o expropriado requerer a expropriação total, deve dar-se ao inquilino o direito de preferir na transmissão da parte que não seja necessário expropriar e de que seja arrendatário.
Com esse objectivo aditará um número novo ao artigo 20.º do projecto.
11. A doutrina do artigo 21.º está prejudicada pela solução proposta para a expropriação amigável.
Sugerir-se-á, por isso, nova redacção para esse preceito.
12. O artigo 22.º determina que na falta de acordo quanto ao montante da indemnização se procederá à nomeação de árbitros, de entre os da lista publicada pelo Ministério da Justiça.
Esta determinação é de rejeitar.
O árbitro, para poder exercer conscienciosamente a sua função, tem, em primeiro lugar, de ser inteiramente livre.
Decerto na lista organizada pelo Ministério da Justiça só figurarão pessoas idóneas, tanto do ponto de vista moral como do ponto de vista técnico.
Mas o simples facto de figurarem nesta lista coloca-as numa situação de relativa dependência em face da Administração, que é quem declara a utilidade pública. O árbitro constante da lista publicada pelo Ministério da Justiça tira, do simples facto de nela figurar, benefícios de ordem material, porque esse facto lhe assegura o desempenho de funções remuneradas nos actos da sua competência.
Isso logo o diminui para o exercício das funções de árbitro dos expropriados, mormente nos casos em que a expropriação seja requerida por organismos públicos; e esta diminuição ainda se agrava à face do determinado no artigo 28.º do projecto, que impõe penas de prisão e multa aos árbitros que, dolosamente, atribuírem ao objecto da expropriação uma importância diversa do valor real.
Quem julga da existência do dolo?
Aliás, mesmo sem dolo eles estão sujeitos à sanção de ser eliminados da lista de peritos publicada pelo Ministério da Justiça, se na formação dos laudos se revelarem incompetentes ou menos criteriosos.
Quem lhes mede a competência ou o critério?
O receio das sanções referidas, ou de quaisquer outras, como as que serão propostas no novo texto do artigo 28.º, provocará humanamente nos árbitros inibições lamentáveis; o temor de nelas incorrerem privá-los-á da necessária independência.
As experiências legislativas mostram, aliás, que o sistema de impor que a arbitragem seja feita sem relativa liberdade na escolha dos árbitros conduz a resultados deploráveis; tal sistema foi aplicado em certo modo pelo Decreto-Lei n.º 28 797, que regulou as chamadas expropriações dos Centenários e que provocou gerais clamores. E note-se que por esse decreto o expropriado tinha sempre a faculdade de escolher o seu árbitro como entendesse, que lhe é negada pelo artigo 22.º do projecto.
Estas razões conduzem à rejeição da doutrina proposta na primeira alínea do citado artigo, devendo reconhecer-se às partes a faculdade de nomearem como entenderem os seus árbitros, exigindo-se apenas que nestes concorram os requisitos referidos no § 1.º do artigo 1566.º do Código de Processo Civil.
E a justificar esta solução encontra-se até uma razão de simetria no próprio projecto.
De facto, no n.º 3.º do artigo 20.º determina-se que, não havendo acordo quanto ao objecto da expropriação, haverá lugar a vistoria do prédio, executada por três peritos, dos quais apenas terá de ser escolhido dentro da lista a que se refere o n.º 3.º do artigo 14.º da Lei n.º 2030 o nomeado pelo tribunal.
Se para a determinação do objecto da expropriação se admitem, e bem, peritos livremente escolhidos, não há razão para impedir a liberdade de escolha quando se trate de determinar o valor desse objecto.