884 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 86
espectáculos desportivos, fontes de interesses materiais só realizáveis na medida em que deles comparticipassem os próprios praticantes.
Daí que ao lado do desportista para quem o desporto era apenas uma distracção e a fornia de promover o seu aperfeiçoamento físico e moral surgisse o praticante que, a troco da sua actividade desportiva, viria a colher compensações ou interesses de natureza material.
Por isso se poderá certamente afirmar que de facto o profissionalismo em desporto quase apareceu com o próprio desporto.
O profissionalismo desportivo é, pois, um facto social, e se do ponto de vista «desporto puro» ele constitui um desvio, melhor, uma deturpação dos altos princípios que informam a actividade desportiva, nada, porém, contém em si que o possa tornar socialmente reprovável.
2. O desporto e o chamado profissionalismo desportivo são, em determinados aspectos, duas realidades distintas e que, por isso, devem, quanto aos mesmos, ser também encaradas por prismas diferentes.
É certo que na sua pureza original o desporto prossegue interesses do mais alto valor social, na medida em que constitui a mais salutar forma de distracção, já que alia à sua função recreativa a virtude de proporcionar nos praticantes um maior aperfeiçoamento das suas qualidades físicas e morais. Por seu intermédio se promove o melhoramento das aptidões físicas do homem, se disciplina a vontade, se educa o caracter - base e suporte de uma moral sã. Deve, pois, merecer a maior protecção e apoio como processo que é, porventura o mais eficiente e completo, do revigora mento da raça.
O profissionalismo desportivo, pelo contrário, não tem o objectivo de proporcionar um motivo de distracção a quem o pratica, mas visa antes a e «exibição», o «espectáculo», e nesta ordem de ideias o profissional não se dedica ao desporto com vista ao seu exclusivo aperfeiçoamento físico e moral, mas também com o fim de, como elemento desse espectáculo, recolher interesses de ordem material.
Para o amador, o desporto pelo desporto; para o profissional, o desporto pela remuneração, sem que isto naturalmente exclua em muitos profissionais o acendrado gosto pela actividade que praticam.
3. Não obstante, e já o deixámos dito, mesmo como profissão, a actividade desportiva nada tem em si de socialmente reprovável.
Há que reconhecer que o profissionalismo desportivo tem permitido a uma massa apreciável de indivíduos, fisicamente melhor dotados ou possuidores de particulares aptidões para as práticas desportivas, aproveitarem-se dessas circunstâncias para se guindarem a um nível de bem-estar moral e material que muitos deles, por outra forma, não lograriam alcançar. Isto sem considerar que o desportista profissional, para que a possa ser, é obrigado a um regime de vida que não raras vezes lhe impõe a mais severa das disciplinas.
Por outro lado, o desporto profissional, proporcionando ao público um espectáculo que é tanto do seu agrado, se é certo que provoca paixões e dá motivo a exageros sempre de lamentar, não é menos certo que pode contribuir, quando bem orientado, para fomentar na juventude o gosto pelas práticas desportivas e, deste ponto de vista, só há que reconduzir essa juventude à verdadeira essência do desporto, aproveitando o interesse que o desporto-espectáculo lhe terá despertado e facultando-lhe os meios indispensáveis à sua prática.
De resto, considerando mesmo as competições desportivas apenas do ponto de vista a «espectáculo» e os praticantes como profissionais, o problema, nas suas linhas gerais, não pode ser encarado por forma diversa daquela em que se encaram outros espectáculos realizados por profissionais, e que nem por esse facto deixam de ter o maior interesse como motivos de distracção e recreio, alguns dos quais até, como as representações teatrais, de reconhecida importância no aspecto cultural.
4. Por todos estes motivos não repugna aceitar a posição que o Governo tomou no projecto de proposta de lei agora submetido à Câmara Corporativa, o qual não só reconhece e legitima um profissionalismo que de facto há muito existia entre nós, acabando assim, com situações equívocas e melindrosas, como afinal melhor defende o desporto amador, na medida em que os campos ficam estremados e deixa de haver assim lugar a indesejáveis confusões.
Por isso define-se agora, claramente, o que se deve entender por praticantes amadores e profissionais, e, ainda, a par destes, uma terceira categoria, a dos praticantes não amadores, constituída por indivíduos que, embora não fazendo das práticas desportivas a sua actividade profissional, por virtude dela auferem, no entanto, benefícios que o conceito de praticante amador não consente. Neste ponto também a proposta de lei veio, afinal, ao encontro da realidade dos factos, e adoptou uma solução que a experiência consagrara já em países onde mais cedo se impusera a regulamentação destes aspectos da actividade desportiva.
Para além do estabelecimento dessas três categorias a proposta de lei limitou, no entanto, a admissão dos desportistas profissionais à prática de determinadas modalidades, e, com isto, teve evidente propósito não só de delimitar a sua participação naquelas actividades onde, em verdade, o facto já se observava, mas ainda, e certamente, o de evitar que os clubes desportivos, na ânsia de valorizarem os seus quadros, até para darem satisfação às massas associativas, enveredassem por um caminho que poucos economicamente poderiam suportar e que levaria os restantes a alhearem-se da prática daquelas modalidades em que, afinal, não poderiam competir, ou melhor, não o poderiam fazer com viabilidade de, no confronto, conseguirem, resultados satisfatórios. Fica-lhes, assim, aberta como única via o recurso aos desportistas amadores, campo em que todos os clubes se podem considerar em igualdade de circunstâncias. Compreende-se assim e justifica-se que o Governo se proponha reconhecer o profissionalismo e o não amadorismo onde ele de facto já existia, ao mesmo tempo que procura adoptar as medidas atinentes à defesa dos clubes e do desporto amador, que é, afinal, aquele que, pelo seu alto alcance social e educativo, lhe interessa fomentar.
O reconhecimento do profissionalismo no desporto faz com que a actividade do jogador profissional transcenda agora do âmbito dos diversos organismos da hierarquia desportiva e do próprio Ministério da Educação Nacional, para se desenvolver, na medida em que essa actividade é profissão, nos quadros gerais em que se desenvolvem todas as restantes actividades profissionais no País. Por isso, no projecto de proposta de lei expressamente se consignou, a superintendência do Ministério das Corporações e Previdência Social em tudo o que diga respeito à organização corporativa dos praticantes profissionais, as relações e disciplina do trabalho e à previdência.
As linhas mestras em que assenta a proposta de lei - reconhecimento - dos praticantes profissionais e