1328 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 130
seria muito fácil, ao legislador dominar «o feroz individualismo do homem do campo» 1.
3. Expansão do contrato no estrangeiro e em Portugal. - Não admira, pois, que o arrendamento seja, em toda a parte onde é admitida a propriedade privada das terras, uma forma comum da sua exploração.
Em 1950, em Inglaterra 60,4 por cento da área cultivada era explorada em regime de arrendamento. Em Espanha, em 1953, cerca de 20 por cento das empresas agrárias existentes revestiam essa forma e 10. por cento a de parceria 2. Na Alemanha Federal também 20 por cento da área cultivada estava arrendada. Na Bélgica, na Holanda e no Luxemburgo as área(r) eram, respectivamente, em 1950, de 66,7 por cento, 57,2 por cento e 26,9 por cento. Na Áustria, no mesmo ano, era de 4,88 por cento (25,3 por cento, incluindo formas mistas de conta própria e arrendamento). Na Suíça, em 1937, 20 por cento. Na Itália, no mesmo ano, 28,5 por cento, em arrendamento, e igual percentagem em parceria. Na França, em 1946, 33,5 por. cento, em arrendamento, e 10,5 por cento em parceria 3.
Trata-se, pois, de um sistema generalizado em todo o mundo capitalista, excepção feita, segundo cremos, para a Noruega 4.
Em Portugal, não obstante não se encontrar concluído o cadastro geométrico do País, para se poder avaliar em dados estatísticos precisos a importância do arrendamento, é possível apresentar alguns números esclarecedores.
O engenheiro Lopes Cardoso 5, com base no «Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente (I. N. E.)», chegou às seguintes conclusões: 22,4 por cento das explorações agrícolas de Portugal continental estão totalmente arrendadas ou nelas predomina o arrendamento, sendo na Estremadura e no Douro Litoral que se atingem os números mais elevados (34 por cento e 35 por cento, respectivamente) 5 e 6. Em regime de parceria são exploradas 4,8 por cento das empresas.
Não se conhecem dados completos quanto às áreas sujeitas a arrendamento, parceria 7.
Os números referidos permitem já avaliar a importância entre nós destes contratos, e especialmente a do arrendamento rústico. Trata-se, pois, de uma realidade indiscutível. Pode pensar-se numa nova regulamentação; não pode levantar-se, porém, o problema da sua abolição, por que isso importaria não apenas uma reforma da nossa estrutura agrária - essa é desejável -, mas também uma profunda remodelação da mossa estrutura social, que poderia atingir mortalmente a propriedade privada.
4. Necessidade de rever o seu regime jurídico. - A necessidade de revisão entre nós do regime deste contrato é facto também indiscutível.
Não se desconhece que os problemas jurídicos da terra estão sendo objecto em todo o mundo de uma especial atenção por parte dos legisladores. Os conceitos clássicos, individualistas, do direito de propriedade e da autonomia da vontade no domínio contratual, nascidos da filosofia do século XVIII e inspiradores do regime vigente em Portugal do arrendamento rústico, não podem resistir às grandes modificações económicas e sociais dos tempos modernos.
Por toda a parte se anseia pela revisão dessas velhas ideias mestras do direito privado, e entre nós são disso reflexo os trabalhos preparatórios de um novo Código Civil. «O que ontem constituía justo motivo de exaltação do diploma (Código de 1867), escreve o Prof. Antunes Varela, - o espírito profundamente liberal e individualista de que vinha imbuído - converteu-se nos dias dê hoje, em face das renovadoras aspirações da comunidade, numa razão de decrepitude dos textos legislativos que nos regem. Ao direito de cunho individualista e igualitário que Seabra ofereceu ao Governo em 1867 tem hoje de substituir-se um direito de feição eminentemente social de profunda expressão comunitária» 1.
E, por um lado, o direito de propriedade como direito, absoluto, tal como o definiu o Code Napoléon 2, inspirador de todos os códigos latinos do século XIX (vide em especial o artigo 2167.º do nosso Código Civil, embora distanciado daquele mais de 60 anos), que dá lugar, com a criação de restrições ao seu exercício, das mais variadas índoles, às novas concepções da propriedade como função social 3. É por outro lado, a liberdade contratual, expressa no artigo 672.º do nosso Código Civil, que cede terreno dia a dia, com o incremento das disposições imperativas, de interesse e ordem pública, em todos os campos jurídicos.
Dado este movimento de ideias, não pode deixar de se encarar como oportuna a revisão do regime do arrendamento, ainda hoje sujeito, praticamente, às disposições do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, e do Código de 1867, facto que poderá ter assinaláveis reflexos na vida social e económica do País.
5. O problema no momento actual. Autonomia do direito agrário. - Estranha-se, porém, que no projecto enviado pela Secretaria de Estado da Agricultura a esta Câmara não tenham sido tomados em consideração os trabalhos já publicados de elaboração do projecto do nosso Código Civil, não só respeitantes especialmente ao arrendamento agrícola, mas, de uma maneira geral,, ao contrato de locação 4.
1 Pode ler-se a sugestiva critica do Prof. Castro Caldas, 06. cit., pp. 160 e seg.
2 Em 1927 o arrendamento em Espanha incidia sobre 32,9 por cento da área cultivada.
3 Números extraídos do estudo citado do Eng.º Lopes Cardoso, a pp. 18 e seguintes. Nele se encontram ainda referências aos Estados Unidos, à Guatemala, ao Canadá, ao Brasil, à Venezuela, ao Japão, à Dinamarca e à Suécia.
4 O artigo 48.º da Lei Agrária, de 18 de Março de 1955, dispõe: «O proprietário é obrigado a habitar a sua propriedade e a valorizá-la, ele mesmo, convenientemente, como exploração agrícola; a título excepcional, o Conselho Agrícola Provincial pode, temporariamente, isentar o proprietário da obrigação de habitar a propriedade ou permitir que durante um certo tempo a exploração seja confiada a outro». (Tradução do Eng.º Lopes .Cardoso, ob. cit., p. 55).
5 Ob. cit., pp. 30 e segs.
6 No Algarve a percentagem, dado o predomínio da parceria, firma-se em 7,4 por cento.
7 São citados alguns elementos pelo Prof. Henrique de Barros, ob: cit., pp. 599 e 600. Também no relatório que precede o projecto em apreciação se indicam as seguintes percentagens: 26,7 por cento no distrito de Santarém, 30 por cento no de Setúbal, 35,9 por cento no de Évora e 39,3 por cento no de Portalegre. E reconhece-se que as percentagens são ainda mais elevadas nas .regiões de pequena propriedade, ao norte do Tejo, excedendo, por vezes, 60 por cento, como sucede na Cova da Beira.
1 Discurso proferido na sessão do encerramento nos trabalhos da comissão revisora do anteprojecto do direito das sucessões, no Boletim ao Ministério da Justiça n.º 63.
2 Art. 544: La propriété est le droit de jouir et disposer des choses de la manière la plus absolue, pourvu qu'on n'en fasse pas un usage prohibé par les lois ou par les règlements.
3 Cf. artigo 31.º, alínea a), da Constituição Política e artigos 11.º, 12.º e 13.º do Estatuto do Trabalho Nacional, este último segundo a redacção do Decreto-Lei n.º 24 424, de 27 de Agosto de 1934.
4 Prof. Galvão Teles, Dos- Contratos em Especial, I e II - «Compra e venda e locação» (anteprojecto de dois capítulos do futuro Código Civil português), 1948, e «Contratos civis» (projecto completo de um título do futuro Código Civil português) e respectiva exposição de motivos, 1954.