17 DE ABRIL DE 1961 1333
uma limitação: visam-se agora apenas os contratos que se destinam a fias agrícolas, pecuários ou florestais, pois é esse o objectivo do projecto do Governo, claramente expresso na base XXIV.
Ficam desta maneira excluídos, sem necessidade de um preceito especial, os arrendamentos previstos na alínea c) desta base - os destinados a fins não agrícolas - relativamente aos quais se não justifica um regime particular, como o do projecto, todo ele inspirado na protecção devida à agricultura e à defesa daqueles que a ela dedicam a sua actividade profissional.
Estão também excluídos, e pelas mesmas razões, os arrendamentos de jardins e pastagens, salvo, quanto a estas, se representam a forma regular de exploração do prédio, como se diz na alínea b) da mesma base. Para tanto se referem expressamente na base proposta os fins pecuários.
E estão, por último, excluídos os arrendamentos que têm por objecto a realização fortuita de culturas, desde que sé suponha, como se supõe no texto ora sugerido, uma exploração regular do prédio. Este requisito encontra-se formulado no artigo 619.º do Código Grego de 1941 e é, de per si, bastante para afastar aquelas cedências fortuitas a que a alínea e) da base XXIV do projecto do Governo deve querer referir-se.
É de salientar, de resto, que esta última alínea se encontra redigida em termos equívocos e de difícil compreensão. A área arrendada, diz-se, não deverá abranger «mais de um quinto da respectiva superfície». Mas superfície de quê? Do prédio, tal como se encontra inscrito na matriz predial? Tal como se encontra registado na Conservatória do Registo Predial? Com a unidade de facto que apresenta no momento do arrendamento?
Eliminada esta alínea, eliminado fica o n.º 2 da mesma base, que é seu complemento.
Note-se que, independentemente da eliminação da alínea, a doutrina do n.º 2 encontrar-se-ia sempre deslocada numa lei sobre arrendamentos. O seu fim é essencialmente de ordem fiscal, e, portanto, deverá constar, de preferência, de um diploma de índole fiscal da iniciativa, do Ministério das Finanças, não se reincidindo nos erros das nossas leis do inquilinato, erros só justificáveis, e em certa medida, em atenção às condições e à época em que foram publicados 1.
10. Contratos de caça e pesca. - A alínea c) da base XXIV refere-se, para efeitos do regime novo, aos contratos de caça e pesca.
O Governo deve querer referir-se aos contratos de cedência temporária, e mediante certa retribuição, do direito de caçar e pescar em terrenos coutados, já que nos terrenos livres não existem direitos exclusivos transmissíveis por contrato, ao contrário do que sucede na generalidade das legislações estrangeiras.
Parece de toda a evidência que a concessão de tais direitos não importa o arrendamento, do prédio, sobre tudo se se aceita o conceito de arrendamento agrícola expresso na primeira base proposta por esta Câmara.
Os contratos de caça são, mais rigorosamente, contratos inominados, sui generis, a que se aplicam, por analogia, as disposições do arrendamento ou da compra e venda. Mas que sejam havidos como contratos de arrendamento, eles não têm por objecto o prédio rústico em si, mas um direito sobre o prédio, e, portanto, não se podem confundir com os arrendamentos agrícolas 1.
Questão discutida pelos juristas tem sido a de saber se o arrendamento agrícola de terrenos coutados importa a cedência da caça 2. Mas não é esse o problema que se resolveria com a base XXIV, nem parece à Câmara Corporativa que ele deva ter na lei uma solução expressa 3. Trata-se sempre de uma questão de interpretação da vontade, e que deve ser resolvida ou pelo contrato ou pelos usos da terra, nos termos gerais do artigo 704.º do Código Civil, não se esquecendo que o arrendatário é obrigado a servir-se do prédio «tão-sòmente para uso convencionado ou conforme com a sua natureza» (Decreto n.º 5411, artigo 22.º, n.º 3.º).
11. Presunção do fim agrícola Arrendamentos do Estado. - Desde que se fixa um regime especial para os arrendamentos agrícolas, torna-se forçoso, estabelecer na lei uma presunção quanto à natureza do arrendamento. Há que resolver os casos omissos, pois pode não constar do título o destino atribuído ao prédio, e há que evitar fugas voluntárias ao regime do arrendamento agrícola, precisamente com a omissão desse destino.
No anteprojecto do Prof. Galvão Teles estabelece-se, no artigo 73.º, que «se o arrendamento recair sobre prédio rústico, e do contrato e respectivas circunstâncias não resultar a sua finalidade, o arrendatário só poderá aplicar o prédio a fins agrícolas». Isto importa a sujeição do contrato ao regime especial do arrendamento de coisas, produtivas.
Aproveita-se quase textualmente este princípio no n.º 2 da base I sugerida por esta Câmara, e apenas se exceptuam os arrendamentos em que o Estado intervém como arrendatário, os quais se entendem sempre 1 celebrados para fins de interesse público.
Admite-se, assim, a solução da alínea d] do projecto do Governo. Porque se considera essencial dizê-lo? É possível que não. Mas não deixa de ser conveniente afastar quaisquer dúvidas que possam surgir em relação aos contratos celebrados pelo Estado para fins de cultura, embora se vise a organização de serviços de natureza pública. Mesmo presumindo-se que o Estado, quando arrenda um prédio rústico, não tem em mira um lucro, embora o destine à instalação de viveiros, de campos experimentais ou postos agrários, trata-se de uma disposição que se aceita como interpretativa do n.º 1 desta base.
O Código Civil, no artigo 1604.º, sujeitava, quanto à forma, os arrendamentos dos bens do Estado, à legislação administrativa. Esta disposição foi substituída pela do artigo 12.º do Decreto n.º 5411. Não só quanto à forma, mas também quanto ao fundo, se mandou apli-
1 Em França, na Holanda e na Alemanha fazem as leis distinção entre arrendamentos de exploração agrícola e arrendamentos de pequenas parcelas de terreno, ora para subtrair inteiramente estes últimos do regime daqueles, ora para os subtrair parcialmente, designadamente quanto a prazos mínimos de duração dos contratos.
No decorrer deste parecer se verificará que tal distinção assenta numa base justa, não se impondo sempre o regime particular do arrendamento agrícola aos arrendamentos de terras isoladas. Mas o problema .apresenta, no seu aspecto jurídico, as maiores dificuldades de solução, e delas são reflexo as dúvidas assinaladas na doutrina daqueles países. (Vide, em França, Ourliac e Juglart, Fermage et Métayage, pp. 7 e 17). Parece, por isso, preferível à Câmara Corporativa não aceitar a distinção, que seria fatalmente fonte de constantes incertezas e conflitos, e deixar todos os arrendamentos agrícolas sujeitos ao mesmo regime. Servirá de justificação o facto de se não adoptarem medidas tão violentas como as que vigoram naqueles países.
1 Vide Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 5.ª edição, I, p. 524, nota 1, e p. 526, nota 4, e autores citados.
2 Vide a longa indicação de autores e de decisões jurisprudenciais em Carrara, I contratti agrari, p. 218.
3 Dada pela lei espanhola de 15 de Março de 1935, e pelo Regulamento de 29 de Abril de 1959, no sentido da exclusão da caça.