990 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82
para restabelecer o equilíbrio fisiológico dos assistidos. Alas compreende-se que o conhecimento por parte destes da existência de medicamentos novos, estrangeiros, reputados mais poderosos na luta contra a doença, acabe por impor a sua utilização. Trata-se de matéria em que ao médico cabe muitas vezes iludir a desmedida ansiedade dos assistidos. Contou algures Gregório Maoanón que, julgando aconselhável ministrar sal comum a uma doente, mas temendo a reacção da mesma em face da banalidade do medicamento, acabou por receitar-lho afirmando tratar-se de um novo específico norte-americano designado por CLNA ...
A cultura histórica facilitará a tarefa dos clínicos em face da tal desmedida ansiedade, pois a história da medicina lhes revelará constantemente que a última palavra no domínio da terapêutica é quase sempre efémera, transitória. O clínico preparado para a sua missão assim o entenderá, recordando-se do destino que o tempo reservou a terapêuticas apresentadas sob invólucros de sensacionalismo; mas terá, por certo, com frequência, dificuldade em convencer os seus doentes, porquanto o ritmo da vida moderna trouxe com ele impaciências, inconformismos, que se reflectem intensamente no plano sanitário. O homem comum não suporta a dor, nem o prolongamento das suas enfermidades; e reclama da sociedade, do Estado-providência, que empregue todos os meios de rápido alívio e de rápida recuperação, mesmo que impliquem um uso imoderado de analgésicos, de antibióticos, cujo emprego poderia muitas vezes dispensar-se se a vida moderna não fosse dominada pela impaciência, bem compreensível nos quadros de uma civilização hedonística que parece tender a desprezar ou negar qualquer valor transcendente, qualquer bem alheio à capacidade de desfrutar dos prazeres da vida.
8. A utilização de mais poderosos meios terapêuticos e profilácticos contribuiu decisivamente para que fossem erradicadas, no último decénio, doenças como a varíola, o tifo exantemático, a. raiva, a bilharzíase, a ancilostomíase mineira, o Aedes oegypti, transmissor potencial da febre-amarela, e, praticamente, o paludismo; também aquela utilização, tornada possível pelos progressos laboratoriais, aliada a modificações favoráveis da vida social e económica que se reflectiram nas dietas alimentares e em hábitos de higiene, influiu decisivamente na quebra de mortalidade verificada em relação a várias outras doenças. Em consequência, não são desfavoráveis as nossas taxas globais de mortalidade em confronto com as dos outros países ocidentais da Europa, como revela o mapa n.º 2.
Na fase actual muito importa, porém, desenvolver, de uma maneira geral, mais ampla acção profiláctica, a cargo sobretudo da Direcção-Geral de Saúde. Além de ser sempre preferível prevenir que remediar, e muito especialmente quando está em causa o equilíbrio, o bem-estar, a capacidade de trabalho e até a vida de seres humanos, é de ponderar também que a prevenção da doença constitui uma forma de acção sanitária que, não exigindo despesas muito elevadas, oferece as melhores condições para evitar os gastos avultadíssimos da medicina curativa e recuperadora. Mas neste como em muitos outros sectores da saúde o aspecto mais importante respeita ao pessoal. O País carece de remunerar suficientemente os elementos habilitados a desenvolver uma ampla acção profiláctica, que, além de todos os outros benefícios fàcilmente previsíveis, acabará por evitar elevados gastos à Nação. Julga-se estarem hoje criadas, em certa medida, as condições de base indispensáveis para, através de uma reorganização da Direcção-Geral de Saúde, que não esqueça a situação de quantos nela servem e particularmente a dos delegados e subdelegados de saúde, se estabelecer em termos actuais o instrumento fulcral de combate à doença e de defesa sanitária das populações, sem omitir as necessidades dos meios rurais, em que mais acentuadamente se nota a carência de meios profilácticos. Muito conviria também, para mais satisfatório desenvolvimento da acção da Direcção-Geral de Saúde, que se codificassem as normas aplicáveis ao sector ou. pelo menos, aquelas que correspondem às matérias que, seguindo a terminologia proposta no seu Tratado por José Pinheiro de Freitas Soares em 1818, são abrangidas pela designação de «Polícia médica».
9. Sendo sobretudo no plano da mortalidade infantil que a posição sanitária portuguesa se apresenta em termos comparativamente menos satisfatórios dentro dos quadros europeus (embora o facto se deva em larga medida a diversidade dos critérios estatísticos adoptados nos diversos países), é natural que o projecto governamental tenha dado relevo a esse aspecto. E aí, apesar de nos acharmos longe de ter atingido o nível desejável, pelo extremo atraso do ponto de partida, são inegáveis os progressos já realizados, que podem considerar-se mais do que proporcionais ao acréscimo de meios financeiros empregados. Esses progressos revelam, para além da objectividade e moderação com que o problema é apresentado através do projecto governamental, as largas perspectivas que oferece no campo sanitário uma ponderada e equilibrada planificação.
Apesar de ser neste sector da defesa da saúde na primeira infância que mais desfavorável influência exercem o baixo nível económico das populações, factor que não é removível por meios sanitários, e a ignorância das vantagens de hábitos higiénicos elementares, também não removível por meios sanitários, ao menos em sentido restrito, foi possível, através de grandes dificuldades, mas, também, de um começo de planificação, embora sectorial, obter resultados que não será exagerado qualificar de surpreendentes. A redução de taxas de mortalidade infantil no distrito de Ponta Delgada, de 172,68 em 1955 para 71,97 em 1963, constitui facto de assinalar na história da saúde pública em Portugal. E é de crer que os factores exógenos, alheios à acção dos serviços, pouco tenham influído no êxito obtido, posto que nas regiões onde ainda não há dispensários materno-infantis as taxas de mortalidade infantil se têm mantido mais ou menos estacionárias.
Ainda é comparativamente desfavorável, embora não tanto como poucos anos atrás, a nossa posição no plano da mortalidade infantil. O facto deve-se a circunstâncias várias, algumas de ordem económica, outras de ordem educacional, sobretudo porque, em vez de melhorarmos as condições de vida nos meios rurais, estes têm-se visto privados dos elementos humanos julgados mais úteis e que neles se encontravam.
Os dados estatísticos apurados revelam-nos que, em 1963, num total de 217 216 partos, 49 920, ou seja a quarta parte, aproximadamente, tiveram lugar em estabelecimentos hospitalares. O número de partos sem assistência qualificada, porém, mantém-se elevado: 106 520, quase metade do total. E é de notar que em muitos distritos (Beja, Bragança, Guarda, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu) as percentagens de partos sem assistência qualificada são muito elevadas.
Certamente que da multiplicação de experiências do tipo das realizadas nas ilhas adjacentes, zonas de muito elevada mortalidade infantil, há a esperar uma elevação sensível do nosso nível de protecção à primeira infância.