1148 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 90
Perante a insuficiência das soluções fornecidas por esta fórmula, recorreu-se ao princípio da responsabilidade objectiva, que, dada a natureza da matéria, se traduziu na teoria do risco profissional Segundo ela, a obrigação de reparar as consequências dos acidentes compete aos dadores do trabalho, já que da actividade exercida pelos trabalhadores derivam paia aqueles lucros e riscos, simultaneamente
E este é ainda, fundamentalmente o assento jurídico do regime de reparação pelos acidentes de trabalho nos países onde estes continuam, a ser regulados por normas de direito privado.
2. Em Portugal, quando a necessidade de resolver o problema se começou a fazer sentir, ele só podia ser encarado à face do artigo 2398.º do Código Civil, segundo o qual os dadores de trabalho apenas respondiam pelos acidentes devidos a culpa sua, e como não se estabeleça qualquer presunção sobre a prova da culpa, ela incumbia às vítimas.
Em seguida, e durante cerca de meio século, publicaram-se numerosos diplomas relativos à segurança de higiene de certas indústrias. Assim estabelecimentos insalubies, incómodos e perigosos (1863) pedreiras (1884 e 1892), aparelhos motores (1874), pólvora e dinamite (1880 e 1883), geradores e recipientes de vapor (1893 e 1898), construções civis e estabelecimentos industriais (1895 e 1898), substâncias explosivas (1902), e indústrias eléctricas (1903), mas em nenhum deles se estabeleceu que a responsabilidade civil pelos acidentes de trabalho e doenças profissionais competiria, em princípio, à entidade patronal.
Publicaram-se também alguns diplomas em que se concediam subsídios de hospitalização e tratamento, a reforma antecipada ou pensões em caso de acidente de trabalho, podendo referir-se, entre outros, os regulamentos de diversos serviços públicos Arsenal da Marinha (1893), Caminhos de Ferro do Estado (1901 e 1904), assalariados das obras públicas (1902 e 1908), Arsenal do Exército e pessoal jornaleiro dos correios e telégrafos (1905), e serviços fabris do Ministério da Marinha (1908), mas esses subsídios e pensões eram concedidos à margem do princípio do risco profissional de acidentes de trabalho.
Esta situação foi radicalmente transformada pela Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913, que instituiu um regime geral de protecção os vítimas de acidentes de trabalho liberto do princípio de responsabilidade baseada em culpa.
Diploma inteiramente inovador, especificou em enumeração taxativa as actividades cujos empregados e operários ficavam abrangidos pela protecção legal, figurando entre elas as actividades agrícolas e florestais somente para os trabalhos feitos com máquinas, definiu o conceito de acidente de trabalho, indicou as entidades responsáveis, fixou as pensões por morte e incapacidade e determinou qual o salário-base para as calcular.
Alargado o âmbito deste regime aos caixeiros-viajantes e de praça pela Lei n.º 801, de 3 de Setembro de 1917, foi a Lei n.º 83 regulamentada pelo Decreto n.º 4288, de 9 de Março de 1918, e só veio a ser substituída pelo Decreto n.º 5637, de 10 de Maio de 1919.
Este novo diploma de carácter geral começou por instituir o seguro social obrigatório contra desastres no trabalho, abrangendo todos os riscos profissionais por conta de outrem em qualquer ramo da actividade intelectual ou material, regulando os pontos fundamentais da matéria, com a novidade de considerar incluídos no conceito de desastres no trabalho os casos de doenças profissionais devidamente comprovadas.
Concebido assim sob o signo da mais rasgada iniciativa no domínio do social, no entanto o Decreto n.º 5637 nunca foi regulamentado, o que se explica por as condições económicas, sociais e até psicológicas do País não fornecerem então as bases indispensáveis para a organização de um sistema de protecção social tão largo como o que ele tentou instituir.
Deste diploma ficou, porém, um impulso extraordinário no sentido da obrigatoriedade do sentido contra riscos profissionais e a modificação de muitos preceitos da Lei n.º 83.
Veio aquele texto a sei substituído pela Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, ainda hoje assento quase exclusivo da matéria.
Diploma amplo, cujo espírito é o de assegurar a protecção contra acidentes de trabalho num regime de puro direito privado, a Lei n.º 1942 orienta-se pelos princípios da responsabilidade patronal, cujos efeitos são mitigados na prática pela definição de numerosas exclusões ou isenções e pelo da obrigatoriedade do seguro imposta às empresas industriais a partir do emprego de cinco trabalhadores.
Mas a evolução continuou, e na esteira de numerosas legislações, a tendência para alargar o âmbito dos seguros sociais obrigatórios levou à criação da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais (Decreto-Lei n.º 44 307, de 27 de Abril de 1962)
Sobre este problema, no tocante aos acidentes de trabalho, já, aliás, se manifestou esta Câmara, designadamente no parecer n.º 39/VII, sobre a reforma da previdência social (Pareceres ano de 1961, I, pp 253 e seguintes).
3. As disposições do projecto suo inspiradas por elevado espírito social, que se manifesta quer pela diminuição do número de situações que isentam ou excluem da responsabilidade, quer pela concessão de mais amplos direitos nas prestações devidas pelo acidente.
Comparando o projecto com a lei em vigor, nota-se, quanto ao primeiro caso, a não descaracterização do acidente, quando for causado pela privação do uso da razão ou por caso de força maior, e a manutenção do direito a reparação por morte, quando o acidente resultar de falta indesculpável da vítima ou de ofensas corporais por ela provocadas, quanto ao segundo, o aumento da percentagem nas pensões devidas por incapacidade permanente e por morte e o agravamento destas em função da idade dos beneficiários, a elevação do limite de idade dos filhos e dos outros pai entes sucessíveis e das despesas de funeral, a acumulação de pensões para além das do cônjuge sobrevivo e dos filhos, e a determinação da remuneração-base sem qualquer redução.
Todos estes benefícios são em si mesmos desejáveis, na medida em que significam o aumento do nível de segui anca social dos trabalhadores.
Convém, todavia, ponderar o reflexo económico que terão.
A cobertura dos riscos de acidentes de trabalho far-se-á, segundo o projecto, através do seguro privado, e este funciona com base em reservas matemáticas. O alargamento do direito às prestações e do quantitativo destas imporá um aumento de reservas cujo montante não se pode prever e para corresponder a ele o remédio natural será o de elevar os prémios do seguro.
Para evitar o recurso a este expediente, seria necessário que o aumento de volume da massa dos seguros, tornados obrigatórios, compensasse os efeitos da elevação das reservas.