17 DE DEZEMBRO DE 1968 1989
pensar-se que não é a atribuição do direito de voto que dá opinião à mulher. A mulher pode ter opiniões mesmo sem o direito de roto, e se essas opiniões são tão profundamente diversas das do marido que podem levar à desavença, naturalmente esta pode surgir mesmo que a mulher não tenha direito de voto. Por último, se se admitir em alguns casos que as desinteligências políticas podem levar à desunião do lar, tem de admitir-se também, na maioria dos casos, que a própria unidade da família era já muito instável e que mesmo sem divergências políticas, os cônjuges estavam à beira de divergências totais e definitivas» (Cf Diário das Sessões, cit , p 987).
5. Vistas ns coisas à luz da Constituição e da doutrina social da Igreja, na sua explicitação mais recente, como poderão julgar-se as posições da lei eleitoral actual em matéria de direitos eleitorais da mulher e que deve sugerir-se neste domínio?
A Câmara Corporativa, no seu já mencionado parecer n º 9/1V, teve ocasião de pôr em dúvida a constitucionalidade da norma do Decreto-Lei n º 35 426, que em princípio só reconhecera o direito de voto político às mulheres solteiras que possuíssem um mínimo relativamente elevado de habilitações literárias (salva a hipótese de serem chefes de família, isto é, de viverem inteiramente sobre si). Tal norma revestia um carácter nitidamente capacitário que se não justifica nem pela natureza da mulher, nem pelo bem da família, e constituía uma desigualdade de estatuto político da mulher em relação no do homem que não se vê como se apoie na Constituição, que consagra o princípio da igualdade perante a lei, no seu referido artigo 5.º.
Não obstante este reparo, tal norma não veio a ser eliminada e, como se disse, subsistiu na Lei n.º 2015. Mas não há dúvida de que perfeitamente se justifica a supressão desta limitação da capacidade da mulher solteira.
A mulher viúva, divorciada ou judicialmente separada de pessoas e bens, deve, por seu turno, ter também um estatuto político idêntico no do homem Nenhuma consideração decorrente da natureza da mulher ou do bem da família poderia fundamentar aqui qualquer vislumbre de discriminação. A legislação actual, aliás, já a não consagra.
Do mesmo modo, não se consideram hoje pertinentes as razões que um dia serviram para negar à mulher casada (salva a hipótese de se encontrar judicialmente separada ou de o marido não possuir capacidade eleitoral) o direito de sufrágio político. Além das considerações que, em sentido contrário a essas razões, se produziram na Assembleia Nacional e a que a trás se aludiu, outras poderiam alinhai-se no mesmo sentido (10), que igualmente concorrem para a justificação do reconhecimento do direito de voto político à mulher casada. O que pode dizei-se, além do que já sinteticamente se expôs, é que uma intervenção directa das mulheres na condução dos negócios públicos terá como resultado chamar a atenção dos governantes para aspectos da vida social a que os homens dão talvez menos importância (condição da mulher e da criança, educação, moralidade, saúde pública, habitação, trabalho, salários, etc. ). Sobretudo, considerada a questão no mais exigente plano teórico, julga-se de acentuar que o homem casado não deve ter, na vida política, a representação de todos os interesses da família, alguns destes são mais naturalmente sentidos pele mulher - e deve ser ela a representá-los e a defendê-los na comunidade política, sob pena de eles não serem devidamente tutelados.
6. Em suma, de um modo geral é de concluir, em relação à mulher, qualquer que seja o seu status civil, que a capacidade eleitoral política activa deve ser-lhe reconhecida em termos idênticos àqueles que valem para definir essa capacidade em relação no homem, uma vez que ela tem interesses sociais distintos dos dele. Tal é, aliás, a doutrina social da Igreja. Já o era, segundo se conclui de uma exposição tão autorizada como a de Jacques Eeclercq, nas suas Leçons de Droit Naturel, vol. III, 1938, pp. 409 o segs, na altura em que a nossa Constituição foi plebiscitada « dans la mesure où la femme a des intérêts sociaux distincts de ceux de l'homme, il est juste qu'elle dispose d'un moyen de faire valoir ses revendications. Et comme, dans notre société actuelle, ce moyen d'action est essentiellement represente par le suffrage, rien n'est plus normal que de le conférer aux femmes». E é esta também, a doutrina actual da Igreja, na fase pós-conciliar. Precisamente na constituição pastoral sobre «A Igreja no mundo moderno», lê-se que deve superar-se e eliminar-se como contrária à vontade de Deus, qualquer forma social e cultural de discriminação quanto aos direitos fundamentais da pessoa, por motivo do sexo, raça, cor, condição social, língua ou religião (n.º 29). Noutro passo do mesmo documento (n.º 52) e na mesma ordem de ideias, diz-se, por outro lado, que é legítima a promoção social da mulher. Neste contexto, não pode haver dúvidas de que, quando na Pacem in Terris (n.º 73) se fala em direito dos cidadãos a tomar parte activa da vida pública, inerente u sua dignidade de pessoas (ainda que as modalidades desta participação estejam subordinadas no grau de maturidade atingido pela comunidade política do que são membros e em que actuam), se tem em vista tanto os homens como as mulheres (11).
Que a intervenção da mulher nas eleições políticas possa fundamentalmente considerar-se sem interesse político relevante, em consequência de o seu voto tender a ser o voto do mando ou, de qualquer modo, o voto do chefe da família, é desmentido pelas experiências que se diz terem sido feitas em diversos países com um sistema de duas umas, uma paia os homens, outra para as mulheres. Tem-se verificado, desse modo que as mulheres são mais conservadoras que os homens e que temem, muito mais que estes, a aventura e a mudança. E, segundo parece, em toda a parte, tanto nos países desenvolvidos como nos países subdesenvolvidos, o voto das mulheres tende a acentuar a «personalização do poder». Assim, em França, por exemplo, numerosas sondagens terão mostrado que no eleitorado do actual Presidente da República Francesa, as mulheres têm um largo primado (Cf André Hauriou, ob cit , p 251 ). É, porém, evidente que nas eleições parlamentares esta consequência (que segundo uns constituirá, e segundo outras não, um inconveniente) não se verificará, ou pelo menos não se verificará directamente.
7. Até agora a lei atribui aos cidadãos do sexo masculino analfabetos e às mulheres chefes de família nas mesmas condições o direito de voto nas eleições paia a Assembleia Nacional, desde que paguem no Estado e corpos administrativos quantia não inferior a 100$, por algum ou alguns dos seguintes impostos contribuição industrial, imposto profissional e imposto sobre a aplicação de capitais (Lei n.º 2015, artigo 1.º, n.ºs 2.º e 4.º).
Dado que o direito de sufrágio político não é reconhecido a todos os cidadãos com capacidade (civil) de exercício, antes, em princípio, apenas nos cidadãos que saibam ler e escrever português, não pode deixar de entender-se que é de sentido liberal a directriz que foi perfilhada de novo entre nós no Decreto com força de lei n.º 19 694, de 5 de Maio de 1981, já citado, de atribuir capacidade eleitoral aos analfabetos, embora em certas condições mínimas de ordem censitária. Ampliou-se deste modo o corpo