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ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 114 1990

eleitoral, considerado demasiado restrito se constituído apenas por cidadãos letrados, como se dispusera (para os cidadãos do sexo masculino) na Lei n.º 3, de 3 de Julho de 1913. No fundo, regressou-se à orientação fixada na Lei de 8 de Maio de 1878, com a diferença, apenas, de que, nesta lei, o critério base era o critério censitário e o capacitarão a excepção, ao passo que em 1931 este último critério é que passou n ser o critério de princípio, intervindo aquele apenas como critério de atenuação ou correcção (12).
A proposta de lei sob parecer vem agora regressar à orientação da Lei n.º 3, com a simples, mas fundamental, diferença de que nesta o direito de voto político estava expressamente reservado aos homens não teria capacidade eleitoral activa nem a mulher nem o homem analfabeto. Tratava-se de verdadeiros cives sine suffragio.
A converter-se em lei a presente proposta, nem o homem nem a mulher analfabetos terão capacidade eleitoral A execução das normas sobre o ensino primário obrigatório dos indivíduos em idade escolar terá, no pensamento do Governo, começado ou estará em vias de começar a tornar dispensável a subsistência na legislação eleitoral portuguesa daquela orientação censitária em relação às camadas mais jovens do corpo eleitoral For outro lado, a prossecução de uma política activa em matéria de alfabetização dos adultos iletrados terá reduzido em medida relativamente apreciável o número dos cidadãos de idade mais avançada que passarão a não estar nas condições agora exigidas para lhes ser reconhecido o direito de voto político
A alteração em causa teria, naturalmente, incidências mais amplas em algumas províncias ultramarinas em que o critério censitário em vigor, correctivo do capacitário, confere direito de voto político a um número proporcionalmente maior de iletrados Alas se o sufrágio é rigorosamente suma função de governo", e não um direito natural (devendo ser, embora, tão amplo quanto possível), parece que é oportuno terminar com um sistema que permitiria a quem por ventura não faz ideia do alcance do seu voto intervir no exercício de uma função que não compreende e que não desempenha seriamente A cthical theory, segundo a qual o sufrágio é um meio importante e, mais do que isso, essencial do desenvolvimento do carácter individual, uma condição necessária para a realização do valor da personalidade humana, (13), tem o seu quê de irrealista e de utópico Portugal ficaria, aliás, longe de se encontrar isolado, pois não faltam legislações, onde problemas de analfabetismo idênticos aos do nosso país se põem, que exigem dos eleitores um certo grau de instrução Assim, por exemplo, é preciso saber ler e escrever no Chile e nas Filipinas, enquanto nos Estados Unidos é preciso ser-se capaz de provar um mínimo de conhecimento da língua, lendo uma passagem da Constituição, apresentando um certificado de estudos primários, ou procedendo pela forma exigida pela legislação eleitoral de cada estudo (14) (16)
Seria, porém, chocante legislar em termos de retirar de um golpe o direito de sufrágio aos que, ante a legislação em vigor, dele têm beneficiado, não obstante não possuírem os requisitos capacitários que ora se pretende estabelecei Aliás, a solução contrária redundaria, mesmo na metrópole, num privilégio para o eleitorado dos meios urbanos, onde a alfabetização tem, certamente, uma taxa mais elevada do que na província Crê-se, assim, que ó equitativo respeitai, a título transitório, o direito de sufrágio que, a cidadãos iletrados., ]á uma vez foi reconhecido pelo legislador - um direito que, sem rigor, é certo, pode ser considerado como "adquirido".

8. No que respeita às mulheres casadas, a Lei n º 2015, numa orientação de índole nitidamente discriminatória, preceitua que não basta, para lhes ser reconhecido direito de voto político, que saibam lei e escrever português (como sucede com os cidadãos do sexo masculino) E, ainda, necessário que paguem de contribuição predial, por bens próprios ou comuns, quantia não inferior a 200$ Quer dizer, acumulam-se aqui dois requisitos limitativos da sua capacidade política um de natureza capacitaria e outro de natureza censitária, tendo o último requisito por função restringir ainda mais a capacidade já de si limitada pelo primeiro Daqui resulta que o critério censitário não tem neste caso a função ampliadora do sufrágio que possui no que diz respeito aos homens em geral e as mulheres que sejam chefes de família
O requisito censitário foi defendido na Assembleia Nacional em termos que parecem inapropriados, uma vez que se partiu aí da ideia de que a emenda que veio a converter-se no preceito da Lei n º 2015, que reconheceu o direito de voto político à mulher, incluía esse requisito como destinado a dispensar o requisito capacitário (saber ler e escrever português) "Só em casos excepcionais - disse-se, nesta lógica, na Assembleia Nacional - se deve dispensar aquele requisito (o requisito de saber ler e escrever) Mas, então, há-de haver outros requisitos cuja verificação leve ao mesmo resultado. O requisito que as Comissões (de Legislação e redacção e de Política e administração geral e local) propõem, de que a mulher pague contribuição predial, por si ou pelo casal, superior a uma determinada quantia, também se justifica com facilidade. Em primeiro lugar, pela mesma intenção de defesa da família, é a defesa desses milhares de pequenas unidades familiares, assentes numa base patrimonial, criada tantas vezes pelo longo trabalho de gerações, sempre continuadas o mantidas pelo espírito na unidade familiar Em segundo lugar, porque nos elementos dessas famílias se encontrará, ligado à estabilidade da teu a e da casa, aquele índice do solidez, de noção das realidades, de bom senso, que geram a consciência dos interesses colectivos (Diário das Sessões, loc cit ) Ora, ao contrario do que se depreende deste texto, na emenda de que resultou a concessão do direito de voto a mulher casada, os dois requisitos devem associar-se para que esta tenha tal direito A mulher casada só pode votar nas eleições políticas se, além de saber ler e escrever, for proprietária de bens imóveis de certo valor No fundo, portanto, e pelo que a mulher casada diz respeito, a Lei nº 2015 perfilhou (combinando-o, embora, com o critério capacitário das habilitações literárias) a modalidade censitária do sufrágio restrito, que no século passado (entre nós, antes de 1878) (16) foi corrente e que, em síntese, se justificou então com o fundamento de que só os indivíduo:" que possuíssem uma certa fortuna, e designadamente os proprietários fundiários, são verdadeiramente interessados na vida da Nação, de que só eles no fundo suportam o peso das decisões do Poder, só eles sustentam o Estado e só eles são independentes.
Impõe-se, realmente, acabar de vez com este vestígio de uma concepção retrógada do sufrágio restrito e dar mais um passo em frente na orientação de "democratizar" o voto político. Não seremos, porventura, os últimos a fazê-lo (17) e, de toda a maneira, não tomaremos esta medida escandalosamente tarde. Basta, lembrar que os Estados Unidos da América só em 1964, pela vigésima quarta alteração ti Constituição, aboliram as poll-taxes, que se traduziam num autêntico "censo eleitoral", em determinados estados da federação norte-americana.