29 DE FEVEREIRO DE 1944 163
que seria a importância, na modalidade em consideração, a obter do Estado por via de crédito.
Qual a taxa de juro a estipular?
2,5 por cento?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: por si só o encargo de juros a avolumar a coluna das despesas seria de, números redondos, 7:400 contos.
Qual a emprêsa que em tempos normais suportará sem grave sobressalto tam avultado encargo?
Dêste modo parece que só ao capital particular, ou, ao menos, sobretudo a êle, deverá caber a missão de acorrer às emprêsas de navegação.
À intervenção do Estado ficam reservadas outras importantes medidas, tais como: o «prémio à construção, subsídio de carreiras, etc., o que me parece descabido examinar agora.
O capital, porém, Sr. Presidente, ao contrário dos homens, não conhece patriotismo como norma de conduta habitual - pretende essencialmente e busca persistentemente justa remuneração e suficiente segurança.
A política económica não pode e não deve ignorar esta realidade fundamental da própria vida económica.
Há-de, portanto, orientar-se no sentido de atrair capitais improdutivos ou de os chamar às produtividades mais necessárias, entre as quais avulta, sem dúvida, a marinha mercante.
Em regra, as nossas emprêsas de navegação estão hoje sujeitas a limitações dos dividendos dos seus capitais, limitações quer indirectas, pela adjudicação obrigatória da maior parte dos seus lucros ao Fundo de aquisição de navios, quer directas, pela fixação do máximo da taxa dos próprios dividendos.
Não digo que desabono as limitações indirectas dos dividendos, mas digo que o Estado, havendo, outras emprêsas classificadas de interêsse público - e neste aspecto idênticas às emprêsas de navegação e sendo até o Estado directamente interessado em algumas -, tem usado para com elas de um regime e de uma liberalidade que leva a considerar de desfavor o tratamento dado a maior parte do capital das emprêsas de marinha mercante.
E digo maior parte porque êste desfavor não se aplica afinal a todas as emprêsas de navegação.
Parece-me haver um duplo ilogismo: disparidade entre a marinha mercante e as demais actividades; disparidade dentro da própria marinha mercante!
Porquê esta desigualdade de tratamento dos capitais?
Acresce, Sr. Presidente, que a injustiça desta desigualdade se agrava quando se observa a desproporção entre o que é permitido auferirem os accionistas e o que cobra o próprio Estado.
Já o salientei neste mesmo lugar, mas não me parece demais repeti-lo hoje.
O Estado recebeu mais 550 por cento do que os accionistas no ano de 1942.
Estas breves considerações devem bastar, Sr. Presidente, para justificar o essencial da minha tese, a saber: que é preciso remunerar condignamente os capitais investidos na marinha mercante, até para que novos e abundantes capitais se sintam estimulados a futuros e indispensáveis investimentos na mesma actividade mercantil.
O numerário dos depósitos à ordem nas diversas caixas de crédito actualmente é superior a uma dezena de milhões de contos.
É assombroso e compreensível, ao mesmo tempo, a imobilização de tam avultados capitais.
Ora uma boa parte dêste dinheiro, se encontrasse chamamento razoável, não poderia desde já ser atraído para a renovação da frota mercante nacional?
É de crer.
Mas é certo que com o actual sistema de repartição de lucros difìcilmente acorrerá a fixar-se nas emprêsas de navegação.
Para aliviar, apenas aliviar - pois já não falo em abolir -, a injustiça e os inconvenientes do actual sistema de desfavor usado para com os capitais investidos na marinha mercante apontei aqui, Sr. Presidente, quando foi presente à Assemblea Nacional a ratificação do decreto-lei n.º 32:616, duas soluções, uma das quais teria como base a reavaliação do capital das emprêsas.
O parecer da Câmara Corporativa, divide a sua apreciação em duas alíneas: a) e b).
Em resposta à interrogação dos dizeres da alínea a), manifesta o parecer que a solução correspondente à interpretação dada não é de aceitar em caso algum, pois equivaleria pràticamente a abolir o princípio aceite da limitação de dividendo, etc.
Afigura-se-me que êste argumento não tem fôrça bastante para invalidar a solução proposta:
Seria, necessário que o parecer tivesse primeiro demonstrado suficientemente, contra o que acabei de expor, a justiça e a conveniência da própria limitação directa, dos dividendos.
Mas poderei ainda acrescentar: A que correspondo, em boa verdade, o desdobramento do capital da Companhia Nacional de Navegação nas condições em que foi autorizado?
O antigo capital não pode receber até 45 por cento de dividendo?
Não se trata, no fundo, de um processo de iludir a limitação directa dos dividendos?
Quanto à segunda interpretação, alínea b), aumento do capital das emprêsas, a Câmara Corporativa entende que a reavaliação deve ser facultativa, a depender dos corpos gerentes.
Diz mais que essa prerrogativa já se encontra acautelada no decreto-lei n.º 32:616, pelo seu artigo 2.º, embora condicionada.
Os aumentos de capital, e implìcitamente as reavaliações, das emprêsas de marinha mercante estão dependentes de opinião momentânea dos titulares das pastas das Finanças e da Marinha.
Discordo. Às assembleas gerais, isto é, aos accionistas das emprêsas de navegação, a meu ver, deve dar-se liberdade quanto a êste capítulo.
Creio, Sr. Presidente, que nenhum dos fundamentos da minha proposta ficou abalado pelo parecer da Câmara Corporativa.
De pé está, portanto, a necessidade da reavaliação do capital, preconizada pela emenda, facultativa e regulada pelo Govêrno, mas não condicionada, evitando assim que isso se possa prestar a um novo tratamento de desigualdade para com os accionistas das emprêsas de navegação e até mesmo disparidade entre os capitais de cada uma delas.
Finalmente, também ainda está de pé a outra solução, que apontei nesta tribuna, de se abolir pura e simplesmente a actual limitação directa dos dividendos, deixando que as assembleas gerais das emprêsas de navegação - deduzidos obrigatòriamente 75 por cento dos seus lucros líquidos para amortização de material naval e Fundo de aquisição de navios - disponham livremente dos restantes 25 por cento dos mesmos lucros.
À Assemblea Nacional compete decidir sôbre a justiça ou injustiça, para não me limitar à simples conveniência ou desconveniência, da excessiva desigualdade com que vêm sendo tratados os capitais investidos em algumas das emprêsas em discussão.
Por mim, continuo a reputar que o sistema seguido é inconveniente, por não remunerar devidamente o dinheiro que lá se tem empregado e, portanto, não convidar à afluência de capitais novos.